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Celibato clerical, até quando

Por Heitor Rodrigues Freire (*) | 03/09/2018 09:04

Nos primórdios da difusão do cristianismo havia uma pureza de sentimento e de ação que elevava a um grau de alta espiritualidade o trabalho desenvolvido pelos primeiros cristãos. Essa pureza foi o fator da disseminação muito rápida da doutrina cristã, e representava a semente que Jesus deixou plantada.

No tempo e na história, observamos que a Igreja se afastou da pureza de sentimento que inicialmente inspirou e guiou os cristãos e seus dirigentes máximos. Veja-se, por exemplo, a nefasta ação da Igreja na dita “Santa Inquisição”, que disseminou o terror em toda a Idade Média a quem ousasse contrariar os seus “sagrados dogmas”.

A reencarnação foi excluída dos ensinamentos da Igreja durante a realização do II Concílio de Constantinopla no ano 553 d.C., quando Teodora, mulher do imperador Justiniano, pretendendo purgar os seus pecados e isentar-se de uma futura reencarnação probatória, agiu como o avestruz, determinando e conseguindo que a reencarnação fosse expurgada definitivamente dos ensinamentos da Igreja

A principal cláusula de excomunhão (ou anátema), aprovada nesse Concílio que nos interessa é a da condenação da preexistência da alma que, em síntese, é a seguinte: “Quem sustentar a mítica crença na preexistência da alma e a opinião, consequentemente estranha, de sua volta, seja anátema” (William Walker Atikinson, Ed. Pensamento, São Paulo, 1997).

Assim, constatamos: a Igreja Católica desde sempre continua causando uma influência negativa na vida das pessoas por sua forma impositiva e obrigatória de determinar o comportamento de seus fiéis.

Veja-se, por exemplo, a questão do celibato clerical, que é uma determinação antinatural, que contraria a natureza do homem e também a da mulher, no caso das ordens clericais femininas. E contradiz ainda o mandamento bíblico: “Crescei e multiplicai-vos”.

Parece que o que se pretende com o celibato é alcançar a pureza, como se o ato sexual tornasse o ser humano impuro. Nada mais esdrúxulo. Esdrúxula é a pedofilia, a consequencia mais cruel dessa proibição. Há também uma versão que entende que o celibato é uma forma da Igreja se prevenir contra eventuais sustentos de filhos dos seus padres.

O celibato foi instituído aos poucos; foi defendido em força pelo Quarto Concílio de Latrão (1215), e pelo Concílio de Trento (1545/1563) foi tornado obrigatório.

Segundo a revista católica La Civilta Católica, desde o Concílio Vaticano II (1962/1965), cerca de 60 mil padres deixaram a Igreja, principalmente pela exigência do celibato.

Os casos profundamente dramáticos do crescente tema da pedofilia têm como causa principal o celibato. A pedofilia na Igreja transformou-se em um problema sistêmico. O sacerdote católico se vê premido pela exigência da sua condição sexual e não tendo como lhe dar vazão, acaba praticando atitudes tanto heterossexuais quanto homossexuais às escondidas e assim os padres se vêem na contingência de um dilema existencial: obedecer ao que sua natureza exige e impõe ou submeter-se a uma disciplina rigorosa, castradora, anuladora?

E pelo andar da carruagem, a situação continuará sendo regida pela incompreensão e pela rigidez de um sistema ultrapassado e opressor.

O que falta acontecer para que a Igreja Católica revogue definitivamente a prática do celibato por padres e freiras? O Papa Francisco está mostrando ao mundo a sua disposição em mudar em muitos aspectos a posição da Igreja. Espero que tenha a coragem de acabar com o celibato clerical.

Para a especialista em religião e socióloga Maria José Rosado, professora de Ciências Sociais da PUC-SP, Francisco está encurralado em meio a pressões de grupos opostos:

“Ele está acossado. Sofre ataques do setor que domina a Igreja, que é um grupo não só conservador, mas também autoritário. E, se por um lado a sua postura de maneira geral desagrada aos reacionários, o Papa também não consegue atender todos os anseios da ala mais progressista da Igreja”.

Na visão da professora, o meio mais eficiente de frear a criminosa prática de abusos sexuais dentro do clero seria realizar uma mudança estrutural da forma como o sacerdócio é feito. Seria preciso, para ela, acabar com a obrigatoriedade do celibato, permitir o sacerdócio de mulheres e repensar a visão da Igreja sobre a moral sexual, de modo que a reprodução não fosse mais entendida como o único fim de relações sexuais.

Frei Betto, em artigo no jornal O Globo de 1º de setembro, se manifestou a respeito do assunto:
“Malgrado tanto sofrimento causado, espero em Deus que o escândalo da pedofilia tire a Igreja do armário do moralismo farisaico e adote a atitude de Jesus que, sem canonizar o celibato, escolheu, para chefiar a comunidade dos apóstolos, Pedro, um homem casado, cuja sogra Jesus curou (Marcos 1, 30).
Como na Igreja primitiva, o celibato deveria ser facultativo. E as mulheres, tão aceitas na comunidade de Jesus (Lucas 8, 1-3), ter acesso ao sacerdócio e às funções hierárquicas. É bom lembrar que a primeira apóstola, a anunciar publicamente que Jesus era o Messias, foi uma mulher, a samaritana do poço de Jacó. E a primeira testemunha da ressurreição, que comunicou o fato aos apóstolos, outra mulher, Maria Madalena”.

Até quando a Igreja vai se fazer de surda? Até quando irá impedir a livre e natural manifestação da sexualidade?

(*) Heitor Rodrigues Freire é corretor de imóveis e advogado.

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