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Cenários incertos, por Wladimir Pomar

Por Wladimir Pomar (*) | 21/08/2011 10:25

Uma apreciação menos maniqueísta da transição do governo Lula para o governo

Dilma pode comprovar que ainda não ocorreu uma reversão completa do caminho

trilhado pelos governos neoliberais, mas que ocorreram algumas mudanças

importantes.

Por exemplo, passamos da estagnação para o crescimento econômico. Saímos da

privatização dos ativos das empresas públicas para a consolidação das

empresas estatais, que sobraram da privataria neoliberal, e para as

parcerias público-privadas, com concessões ao setor privado.

O desmantelamento do planejamento estatal foi deixado de lado e há um

processo, ainda não consolidado, de retomada do planejamento macroeconômico

e macro-social. O combate aos miseráveis transformou-se em combate à miséria

e em esforço para elevar o poder de compra das camadas de baixa renda.

Aumentaram as taxas de emprego e tiveram início ações mais consistentes de

apoio às micros e pequenas empresas. As estruturas educacionais e de saúde

estão sendo reorganizadas, embora não na velocidade que seria desejável. E a

construção de moradias tomou vulto.

Também deve ser destacado o esforço para introduzir no país uma democracia

relativamente participativa, paralelamente à ampliação da democracia liberal

formal. O mesmo pode ser dito em relação ao abandono das políticas de

subordinação aos ditames das potências imperiais e sua substituição por

políticas soberanas de integração sul-americana e diversificação das

parcerias internacionais.

No entanto, embora tudo isso seja positivo e necessário, não é suficiente

diante das demandas da sociedade brasileira e das nuvens carregadas que

estão se armando nos EUA e na Europa. A sociedade brasileira precisa de um

projeto democrático popular. Este, no âmbito econômico, deve apontar, de

modo mais consistente, para maior participação das empresas estatais, em

especial nos setores estratégicos, e deve estimular a ampliação massiva do

capitalismo democrático, isto é, das micros e pequenas empresas privadas,

urbanas e rurais.

O que não significa abandonar a política de reforçamento das empresas

privadas, para que adensem as cadeias produtivas industriais e agrícolas, e

desenvolvam mais rapidamente as forças produtivas do país, embora seja

necessária uma ação permanente do Estado para evitar que elas tornem o

mercado mais caótico do que normalmente é.

Tudo isso implica em adotar políticas macroeconômicas coerentes, que tratem

não só de manter a inflação baixa, mas também de praticar juros favoráveis

para aquele desenvolvimento, e tratem o câmbio como instrumento de política

de desenvolvimento industrial. Deixar juros e câmbio à mercê das forças

desbragadas do mercado é o mesmo que atravessar estradas de alta velocidade

fora das passarelas.

Se o governo Dilma demorar demais na configuração de um projeto desse tipo,

que possa unificar mais firmemente as classes e setores sociais

contraditórios que a levaram ao governo, a tendência pode ser um processo de

desgaste constante em torno de problemas de corrupção, reais ou fictícios,

ou em torno de divergências de porte menor.

Afinal, não são poucos os que consideram crescimento econômico com

distribuição de renda insuficiente, mesmo para um governo de coalizão

dirigido pela esquerda.

A presidenta tem razão em achar que isso não depende apenas da vontade do

governo ou dos partidos de sua base. Realmente, para construir uma unidade

de forças em torno de um projeto nacional, democrático e popular, será

necessário que os partidos de esquerda botem mãos à obra, em conjunto, para

elaborá-lo e colocá-lo em discussão na sociedade, mudando a pauta negativa

que a direita tenta impor a todo custo.

Isso é tanto mais necessário neste momento em que as perspectivas de solução

da crise econômica européia e norte-americana estão afundando no lodaçal

perigoso de propostas políticas de direita e de ultra-direita. Os ricos se

negam a pagar a conta de seus lucros abusivos e estão apelando para

possíveis saídas militares. Como estas, na atualidade, parecem agravar, cada

vez mais, justamente a situação dos que as praticam, os cenários tendem a

ser crescentemente incertos.

Portanto, sem um projeto unificador, o governo Dilma pode ser apanhado no

contrapé.

(*) Wladimir Pomar é escritor, analista político e dirigente do PT.

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