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Chico Mendes, o nosso Mandela

Por Semy Alves Ferraz (*) | 19/12/2013 08:41

Nesta segunda-feira, a Presidenta Dilma Rousseff sancionou lei que institui o imortal líder sindical Chico Mendes Patrono do Meio Ambiente no Brasil, 25 anos depois de seu covarde assassinato, em dezembro de 1988. Mais que homenagem a um dos maiores brasileiros de todos os tempos, trata-se de justo reconhecimento de sua verdadeira dimensão, num país que desde há muito vira as costas a seus heróis de verdade. Irônico é que o ano de sua execução é o mesmo da promulgação da emblemática Constituição Cidadã, meses antes. Isso demonstra a miopia das elites rurais brasileiras, sempre com a pretensão de estarem acima da lei, em qualquer circunstância, mesmo cometendo um crime hediondo.

Quando, aliás, Chico Mendes era covardemente assassinado dentro de sua própria casa, mal sabiam os seus executores – integrantes de um segmento da elite ávido de subir a todo e qualquer custo – que eles sepultavam com o cadáver de seu inimigo qualquer chance de ver os seus mesquinhos interesses alcançados. É que, resguardadas as devidas proporções, Chico Mendes era nosso Mandela, e ainda que fosse odiado pelos reacionários de sua própria terra, era respeitado e admirado nos grandes centros do mundo, inclusive na ONU (Organização das Nações Unidas), onde foi contemplado, um ano antes, com o Prêmio Global 500.

Os que tiveram a sorte de conhecê-lo no dia-a-dia podem testemunhar a sua alma paternal, grande, generosa, iluminada e humilde. Desarmava os seus contendores com sábias palavras, sem qualquer tom de provocação. Aconselhava, o tempo todo, os companheiros de luta, mas sem pretensão de ser o dono da verdade. Ao contrário, procurava saber todos os lados de uma questão para depois dedicar-se a solucioná-la. Um de meus contemporâneos de Universidade, conhecido pela alcunha de Guma (Gumercindo Rodrigues), o assessorava no período anterior à tocaia que lhe tirou a vida, na frente da companheira e de seus filhos, e é uma das testemunhas da dimensão desse ser humano de rara qualidade.

Como que soubesse que o tempo conspirasse fatalmente contra ele, estava ininterruptamente preparando pessoas para levar a luta em frente. Generoso, humilde, parcimonioso, tranquilo, sábio, solucionador de problemas, enfim. É o que me marcou dos poucos encontros tidos com ele no período em que trabalhei, no início da década de 1980, no Acre, como engenheiro recém-formado, ao lado de outros amigos de movimento estudantil e depois sindical, além da militância no Partido dos Trabalhadores, do qual o próprio Chico Mendes era dirigente regional, tendo sido vereador em Xapuri antes de assumir, em 1983, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, que com o assassinato de Wilson Pinheiro, seu companheiro do Sindicato de Brasiléia, passou a ser a vanguarda da luta dos trabalhadores no Acre.

Não foram apenas os seringueiros e os camponeses os que perderam com a morte de Chico Mendes. A esquerda como um todo e, sobretudo, a nação brasileira ficou muito mais pobre com o seu desaparecimento precoce. Ele, sem qualquer exagero, tinha o perfil de Nelson Mandela, pois sua atuação era eficaz, mais que pela habilidade com que traçava estratégias vitoriosas, pela postura magistral e humilde com que desarmava seus adversários. É por isso que o fazendeiro e seu filho o mataram covarde e instintivamente. Não podiam aceitar que um humilde trabalhador da floresta pudesse ser mais sábio e hábil que seus representantes prepotentes, cujo discurso agressivo não resistia aos argumentos inteligentes desse líder sindical único na história da Amazônia e do Brasil.

(*) Semy Ferraz é engenheiro civil e secretário de Infraestrutura, Transporte e Habitação de Campo Grande.

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