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Cidades de bom tamanho

Por Jacinto Flecha (*) | 05/09/2015 14:00

A topografia exigiu que o primeiro andar da faculdade em que estudei fosse construído abaixo do nível da rua e distante dela vários metros. A entrada principal era no segundo andar, ao nível da rua, e para acesso a ela foi feito diante do edifício um aterro. Sobre este uma praça circular, com gramado central circundado por pista para carros, por último um passeio lateral para pedestres. As margens inclinadas do aterro eram recobertas com gramado. O passeio de pedestres, que margeava a praça desde a entrada do segundo andar até próximo da rua, descia até o primeiro andar contornando a margem externa do aterro, tendo ao seu lado uma ladeira para automóveis.

Quem estivesse na entrada do segundo andar, e quisesse descer para o primeiro usando o passeio, precisava contornar a metade da praça a fim de tomar o trecho inclinado do passeio, o mesmo acontecendo no sentido contrário. Isso gerava um conflito permanente com a lei do menor esforço, cujos adeptos (ou seja, todos) encurtavam o trajeto caminhando por um atalho sobre o gramado. A lei só era desrespeitada quando a chuva tornava escorregadio e perigoso o atalho gramado.

A diretoria notou os inconvenientes do caminho alternativo. Se predominasse a mentalidade totalitária, uma cerca de arame farpado contornaria hoje o gramado, atraindo o vandalismo irado de todos. Mas prevaleceu o bom senso, e uma rampa de menor esforço legalizada, seguindo o mesmo padrão do passeio, comprova ali as vantagens de decidir conforme sugerem certas leis naturais.

Já vi outras soluções de bom senso como essa. Parece que o urbanismo moderno está atento a inconvenientes de projetos assim, e aproveita sugestões indicadas pela aplicação dessa lei irrevogável. Muitos governantes, no entanto, se empenham tentando forçar a manutenção de erros nos seus projetos urbanísticos ou em quaisquer outros, chegando a criar novos erros para forçar a aceitação do primeiro. Mas este não é o meu assunto de hoje, e fica para outra oportunidade.

Construções antifuncionais são comuns, e parece que o número delas é diretamente proporcional ao prestígio de projetistas que se movem em certos círculos ideológicos. Imagine, por exemplo, um hotel luxuoso, com restaurante requintado, cujo arquiteto se esqueceu de prever uma cozinha para o restaurante. Se você acha isso impossível, vá a Ouro Preto. E se quiser constatar erros grosseiros como este, visite outros projetos desse intocável ídolo de barro da arquitetura. Tudo indica que havia método nessa incompetência, pois igrejas projetadas por esse ateu são totalmente inadequadas para o que se quer fazer em uma igreja: rezar.

Erros pequenos em projetos como o da minha faculdade são compreensíveis, mas erros estruturais como aquele de Ouro Preto são inaceitáveis. O que dizer então quando tudo se faz sem nenhuma coerência, nenhuma coordenação, nenhuma preocupação com parâmetros e limites racionalmente estabelecidos?

Meu alvo de hoje não são as “errogâncias” arquitetônicas imperdoáveis desse oráculo ideológico-midiático, macróbio recentemente falecido. Apenas aproveitei a oportunidade para indicar que certas falhas não podem resultar de simples distração, há método evidente em pelo menos algumas dessas incompetências intencionais. Se algum dia me sobrar tempo, prometo mostrá-las numa visita a tais obras.

Dito isto, passemos ao meu alvo de hoje. Resume-se a uma pergunta, que você pode responder agora ou deixar para depois: Qual o tamanho ideal de uma cidade?

Já vou adiantando que a sua resposta não vai coincidir com a minha. Ou melhor, nem vou apresentar como ideal um tamanho bem delimitado, com população de tanto a tanto, área de tanto a tanto, PIB de tanto a tanto, etc. Vou apenas contar-lhe a resposta enunciada por pensadores de antigamente, que ainda tinham o ultrapassado costume de formular conceitos lógicos, depois de estudar detidamente o que é melhor para a sociedade. Não se pautavam pelo egoístico euzinho de cada um, autoavaliado como indiscutível centro do mundo.

Antigamente os pensadores dignos deste nome raciocinavam em função de valores muito mais altos do que PIB, população, área, etc. O que pretendiam era estabelecer o melhor para as almas, para a dignidade das famílias, para a sociedade como um todo, para os países, para a Cristandade. Se você encontrar atualmente algum pensador cujas cogitações estejam nesse nível, avise-me.

Saiba então que os de antigamente formularam uma resposta muito simples para a minha pergunta: A população de uma cidade não deve ultrapassar aquela que pode ser sustentada com o que se produz na sua vizinhança.

Você consegue encontrar algum erro nesta formulação? Consegue ver hoje alguma cidade preocupada em não ultrapassar esse limite tão adequado? Problemas urbanos atuais vão se agravando com o crescimento desordenado, embora muitos deles possam ser resolvidos facilmente, definitivamente, com base nessa norma tão simples, que já embute a lei do menor esforço. Quando se pensa que a baixa produção nacional é corrigida importando feijão da China, é forçoso concluir que muita coisa está errada, além da incompetência habitual do governo. As leis naturais existem para ser obedecidas, e ninguém se arrepende por aplicá-las.

Como corrigir as megalópoles atuais com base nesse conceito? Não me compete responder, estou apenas lembrando um modelo esquecido, mas muito lógico e sensato.

(*) Jacinto Flecha é médico e colaborador da Abim

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