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Da fronteira, por Heitor Freire

Por Heitor Freire (*) | 27/05/2011 11:35

Há um ditado popular que diz: cidade pequena, inferno grande.

Não é bem assim, mas nas cidades pequenas, como todos se conhecem e sabem das vidas, uns dos outros, há sempre uma circulação de mexericos espalhados por quem se dedica a espionar a vida alheia.

Sou nascido em Pedro Juan Caballero, Paraguai. Do lado de cá da fronteira, temos a nossa Ponta Porã.

Voltei para Ponta Porã, já com 21 anos, como funcionário do Banco do Brasil. E lá trabalhei durante sete anos. Casei-me e lá nasceram minhas três primeiras filhas.

Convivendo com o povo observei uma série de comportamentos interessantes; uns jocosos, outros graves e ainda alguns mais dramáticos.

Havia em Ponta Porã, uma família tradicional, constituída por marido, mulher e três filhas. Estas já moças eram alegres, bem nascidas, comunicativas e cortejadas.

Destas, uma se sobressaía pela beleza e simpatia. E por isso era alvo de comentários maldosos. Esses comentários chegaram aos ouvidos de sua mãe, que era uma senhora daquelas que não manda recados e bem disposta.

Mas desta vez, pelo fato de os comentários terem vindo de uma outra moça, também de família tradicional, a tal mãe abriu uma exceção e mandou avisar que se ela não parasse com os seus mexericos, tomaria suas providências para preservar a honra da filha.

Os comentários não pararam.

A igreja da cidade era bem no centro da cidade, dentro da praça.

Num domingo quando a “mexeriqueira” chegava para a missa das nove horas – a mais concorrida –, com seu traje domingueiro para desfilar ante a sociedade fronteiriça, se viu interpelada à porta da igreja, pela mãe da “ofendida” que, sem maiores entretantos, foi se chegando, agarrou a moça, derrubou-a no chão, tirou sua calcinha, e esvaziou um vidro de pimenta malagueta na parte mais íntima da moça, que começou a gritar desesperadamente.

O padre, todo paramentado – naquela época ainda se usava batina –, correu em direção à mãe, em altos brados, pedindo a ela que parasse de uma vez com isso, onde já se viu? Ela se virou para o padre, e disse: “Sai daqui homem de saia, senão vai sobrar prá você”. Isso acabou com o ímpeto salvador do padre, levando o pobre homem a bater em retirada, para dentro da igreja.

Ninguém mais ousou se meter com ela. Quando terminou a sua “vendetta”, a mãe avisou: “Isso é para você aprender a não falar mal de ninguém. Se continuar, da próxima vez, vai ser pior”.

Os pais da moça tinham uma casa comercial. Eles eram benquistos na cidade. Sua casa era um local em que algumas pessoas, costumeiramente, se reuniam às manhãs, tomavam um café e depois cada um tomava o seu rumo.

Numa dessas reuniões matinais, estava presente um motorista de caminhão muito alegre, conversador, galhofeiro, gozador e contador de histórias, que resolveu inventar uma “pegadinha” para a “mulher braba”.

Ele, dirigindo-se à dona do estabelecimento – aquela mesma do corretivo acima –, disse a ela: “Dona Fulana, a senhora não sabe o que me aconteceu nesta última viagem. Eu ia para São Paulo, e quando vi, na beira da estrada, tinha uma senhora que carregava um saco branco bem grande, nas costas, fazendo sinal pra eu parar. Eu parei. Ela chegou e pediu carona até um lugar perto dali, porque o saco era muito pesado. Com pena dela, achei melhor dar carona. O saco ficou meio mal acomodado na cabine, mas fomos em frente. Quando chegamos ao seu destino, ela rapidamente, agradeceu, desceu e foi embora”.

Aí então a senhora perguntou ao narrador: “E o saco?”. E este fazendo um sinal com a mão envolvendo suas partes genitais e já correndo, falou: “Tá aqui”. Levou um carreirão de mais de uma quadra. Passou três meses sem aparecer para o café matinal.

Há também um terceiro episódio envolvendo a mesma família. Em Ponta Porã, havia dois clubes: o Recreativo e o Grêmio.

Num baile, no Recreativo, estava esta senhora com suas filhas. Naquela época havia uma tradição, a moça que fosse convidada para dançar, sempre devia aceitar, mesmo que o rapaz que a convidou não lhe agradasse. Se não, dava confusão.

Pois bem: um rapaz, paraguaio, convidou uma das filhas da nossa protagonista, que, a contragosto aceita. E enquanto dançavam informou ao seu par que ela era comprometida e se fosse convidada de novo, não sairia para dançar, ao que o rapaz lhe respondeu: “Então vá para casa”. Quando terminou a dança, ela contou o acontecido à sua mãe.

Ao começar a nova contradança, veio o rapaz novamente e, com muita petulância, convidou a moça para dançar. A mãe, tomando a frente da filha, disse para o moço: “Ela já não lhe falou que é comprometida?” Ao que este respondeu: “Então que vá para casa”. Ao que ela retrucou: “Não vai e não vai dançar com você”. Ato contínuo a mãe quebrou uma garrafa de cerveja e partiu para cima do moço, que deve estar correndo até hoje.

(*) Heitor Freire é corretor de imóveis e advogado.

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