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Dilemas das finanças públicas no século XXI

Por Valdemir Pires (*) | 17/01/2018 15:03

As finanças públicas se caracterizam, na teoria e nos livros-textos que disseminam o conhecimento a respeito dessa subárea da Economia, pelo objetivo coletivo de seus gastos e pelo seu financiamento por meio da tributação – uma forma compulsória de obtenção de recursos que somente ao Estado é permitida. Ao longo do século XX, entretanto, ocorreram tantas transformações nas relações Estado-mercado, que não se pode, mais, considerar correta esta percepção.

Primeiro, com o surgimento do Estado do bem-estar social e a adoção da previdência social como mecanismo de garantia de renda pós-vida laboral foi incluído um objetivo semipúblico entre os governamentais: o de assegurar que indivíduos idosos (apenas uma parte da sociedade), já fora do mercado de trabalho, tenham acesso à remuneração necessária à sua sobrevivência. O modo encontrado para financiar o gasto do governo com esse tipo de despesa foi a adoção da mais comum das contribuições parafiscais: o desconto em holerite para a previdência, compulsório para todos os empregados formais. O Estado, nesse caso, passou a atuar como a instituição garantidora de uma relação intergeracional, pois a geração em atividade contribui para que haja recursos para pagar os que já deixaram de trabalhar, na expectativa de que a próxima geração faça o mesmo para a atual. No século XXI o mercado de trabalho e as relações de emprego passam por transformações de tal monta, por conta das inovações tecnológicas aceleradas, que é difícil imaginar que esse sistema possa seguir funcionando a contento. Trata-se de um dilema formidável às finanças públicas que, se não enfrentado, resultará na necessidade de que recursos do tesouro, obtidos via tributos, banquem os crescentes déficits da previdência social.

Um segundo dilema, de impacto tão brutal quanto o primeiro, é o do endividamento público. A maioria dos governos, atualmente, enfrenta um nível de endividamento que representa parte considerável da produção anual dos respectivos países; e esta dívida é refinanciada diariamente, por meio da emissão de títulos, passando estes, desse modo, a ombrear os impostos como forma de financiamento da ação estatal. Passando a ser estrutural e crescente, a venda de títulos pelo governo, no mercado financeiro, gerou uma nova situação: não se pode mais afirmar que o governo se sustenta via tributação, mas sim via tributação e emissão de títulos da dívida pública. O que traz consequências política profundas: os governantes, para manter a governabilidade, precisam se equilibrar entre satisfazer seus credores (pagando-lhes os juros exigidos, crescentes) e atender às demandas de seus eleitores. Com o agravante de que o poder destes vai diminuindo em relação ao daqueles; ou seja, com as relações políticas perdendo espaço para as econômico-financeiras, o que empurra a democracia para uma encruzilhada terrível, na qual a busca de equilíbrio fiscal se torna sentença de morte para milhões de pessoas, sem que se vislumbre, de fato, solução para o problema da dependência dos governos em relação aos especuladores do mercado financeiro.

O capitalismo e a democracia, que mal e mal se entenderam ao longo do século passado, precisam, nesse momento histórico, realinhar seus interesses ou aguardar para saber no que vai dar o genocídio ao qual se está fazendo vistas grossas há, já, algum tempo.

(*)Valdemir Pires é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara

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