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Energia nuclear: tecnicamente desnecessária, economicamente inviável

Por Clauber Leite (*) | 05/08/2019 15:35

A energia nuclear está de volta aos holofotes. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que o ministério estuda a “viabilidade econômica” de retomar as obras da usina de Angra 3 para inaugurá-la em 2026. A perspectiva é não só dar andamento a essa construção, como instalar até oito novas plantas no País nos próximos anos.

Entretanto, o diálogo relativo ao tema deve levar em conta preocupações muito concretas da sociedade em relação ao projeto cujas obras estão paradas: os custos são excessivos e ele pode representar uma transferência de renda indevida dos consumidores de energia aos acionistas da Eletrobras, controladora da Eletronuclear, empresa responsável pela energia nuclear no país.

Em termos técnicos, deve-se atentar ainda às considerações do próprio planejamento setorial, que não indica o investimento na fonte nuclear para a operação do sistema nas próximas décadas. Além disso, por maior que seja a vontade política e a capacidade de gestão do governo, ainda não se pode dar por concluída a recuperação da economia brasileira e, consequentemente, é grande o risco de falta de recursos para projetos desse porte.

Angra 3 começou a ser construída em 1984, mas as obras foram suspensas pouco depois, em 1986, justamente devido à falta de dinheiro e ao custo elevado. A decisão também foi embasada em dúvidas quanto à conveniência e os riscos da energia nuclear na matriz elétrica brasileira. O projeto ficou engavetado até ser retomado no segundo governo Lula.

Na época, o custo estimado para o seu término era de R$ 8,3 bilhões, e a conclusão estava prevista para 2014. Mas atrasos comprometeram esse prazo, ao mesmo tempo em que as investigações da Polícia Federal revelaram desvios de recursos na obra, resultando na prisão de executivos da Eletronuclear e em nova paralisação da construção. Agora, a perspectiva é que a conclusão da usina demande mais R$ 15,5 bilhões, totalizando R$ 23,5 bilhões.

A esse preço, Angra 3 facilmente vai figurar entre os projetos mais caros do setor elétrico brasileiro. Para se ter uma ideia, em termos de potência instalada, deve corresponder a cerca de 1% da somatória de projetos de geração contratados no período de 2005 a 2018. Mas em termos de custo, a proporção é de 10%.

Os preços da energia negociada nos leilões confirmam e reforçam a disparidade: diversas fontes que também não emitem gás carbônico foram contratadas como energia de reserva – ou seja, destinadas a aumentar a segurança no fornecimento no Sistema Interligado Nacional (SIN), como seria o caso de Angra 3 –, por cerca de metade (ou menos) do valor previsto para a fonte nuclear. Os preços médios da energia de biomassa (R$ 205,80 por megawatt-hora - MWh), eólica (R$180,24) e de pequenas centrais hidrelétricas (R$245,66) foram muito menores do que o previsto para a energia da nova usina (R$ 480), segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Ainda no que diz respeito aos custos, estudo do Instituto Escolhas e da consultoria PSR mostra que a energia de Angra 3 é a mais cara entre todas as opções disponíveis. A pesquisa considera critérios objetivos (valor da obra, custo fixo de operação, subsídios e prêmio ambiental), e mostra que a energia a ser produzida pela usina teria custo superior ao de termelétricas a gás natural e de fontes renováveis. Mais, indica que, se o governo desistisse de concluí-la, desmontasse o que já foi feito e substituísse a potência da planta por parques solares no Sudeste, haveria uma economia de R$ 12,5 bilhões em um período de 35 anos.

É importante o fato apontado pela Eletronuclear de que a usina contribuiria para o sistema elétrico nacional por estar localizada no principal centro de carga do país, com menores custos de transmissão. Contudo, a comparação feita pelo Instituto Escolhas também leva em conta usinas solares com essa vantagem, bem como os subsídios que recebem. Nesse cenário, o preço da energia solar para o consumidor seria elevado – de R$ 328 por MWh – mas, ainda assim, inferior ao de Angra 3.

No plano técnico, por sua vez, há dúvidas quanto à efetiva necessidade da fonte nuclear. Certamente, é muito positiva a perspectiva de que a energia de usinas do tipo proporcione maior segurança energética e elétrica ao sistema brasileiro. Deve-se, no entanto, avaliar a real importância desses atributos. As duas últimas edições do Plano Decenal de Expansão de Energia (2026 e 2027) indicam que o País vai precisar, no médio e longo prazo, da contratação de potência e de tecnologias que acrescentem flexibilidade ao sistema, com usinas que possam ser acionadas rapidamente para momentos específicos. Isso se deve à participação crescente das novas energias renováveis intermitentes na matriz brasileira, como eólica e solar. Usinas nucleares são extremamente inflexíveis, ou seja, totalmente inadequadas para cumprir essa função.

Por fim, a precificação da energia de Angra 3 recomendada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em outubro último (R$ 480 por MWh), como alternativa para viabilizar a construção da usina, pode gerar um favorecimento ilegal dos acionistas da Eletrobras. Isso porque o preço das ações adquiridas até então considerava os contratos assinados pela empresa se comprometendo à entrega da energia ao valor inferior previsto anteriormente (R$ 250 por MWh). A efetiva viabilização do processo ao valor indicado pelo CNPE pode resultar, portanto, numa transferência ilegal de renda do consumidor final para os acionistas da companhia.

O Brasil não pode se entregar ao preconceito e à desinformação nos debates sobre energia nuclear. Mas é justamente quando se joga luz ao tema, com a análise de estudos e de cenário, que antevemos problemas se esse modelo for adotado: será mais caro e ineficiente.

(*) Clauber Leite é pesquisador em Energia e Consumo Sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

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