ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, SEXTA  26    CAMPO GRANDE 23º

Artigos

Escassez de água em Tangará da Serra: uma tragédia anunciada

Por Décio Siebert (*) | 18/10/2016 11:14

Soa estranho afirmar que Tangará da Serra, município localizado nas cabeceiras do Pantanal, região abundante em água doce, enfrenta problemas de abastecimento público, mas é a triste realidade.

Há pelo menos três meses, centenas de famílias estão sem água no Distrito Triângulo. As bombas que deveriam retirar a água de uma mina não conseguem funcionar porque o nível está muito baixo, forçando os moradores a improvisar: ou armazenam água da chuva – quando ela vem – ou têm que caminhar quilômetros para buscar água em comunidades vizinhas.

Na semana passada, outra notícia muito triste nos foi revelada: as aulas na Escola Estadual Emanuel Pinheiro, no centro da cidade, foram suspensas devido à falta de água. O problema também está atingindo diversos comércios da cidade. Há restaurantes, por exemplo, que estão tendo que preparar os alimentos com água mineral.

Mas essa escassez afeta não só o abastecimento urbano, como mencionado acima, mas também a produção agrícola e agropecuária. Na região de Tangará existem frigoríficos de bovinos e aves e pequenos produtores agrícolas que dependem da água da bacia do Queima-Pé para sua produção. Essa situação, infelizmente, é uma tragédia anunciada porque não houve planejamento.

A cidade não se preparou para afrontar os menores volumes de chuva. Tampouco aceitou as sugestões emitidas pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do rio Sepotuba desde 2010. E tampouco executou ações para promover a recarga da vazão do rio Queima-Pé e dos seus afluentes.

O Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (SAMAE) está construindo um reservatório para armazenar 1 milhão de metros cúbicos que deverá estar concluído em janeiro de 2017. Ocorre que, se não houver um aumento da vazão do rio Queima- Pé, esta obra será inócua.

Então, o que deve ser feito? Os efeitos da falta de água para a população poderiam ter sido minimizados, caso tivessem sido adotadas algumas medidas simples, como por exemplo:

* Promoção de maior infiltração da água das chuvas, com o objetivo de recarregar o lençol freático, através da drenagem das águas pluviais da área urbana e da área do entorno das nascentes dos rios que formam a bacia do rio Queima-Pé, que é o manancial de abastecimento público da cidade de Tangará da Serra;

* Recuperação das estradas rurais da bacia do rio Queima-Pé, localizadas na área de contribuição desse manancial, da área à montante da Estação de Tratamento de Água, a exemplo do que foi feito na estrada da Pedreira, com recursos do Pacto em Defesa das Cabeceiras do Pantanal em parceria com o WWF-Brasil e IPAC e que contou com apoio de empresas locais e da Secretaria de Infra-Estrutura do município. A estrada foi levantada e foram construídas bacias de contenção nas suas margens. No interior das bacias de contenção foram instalados mecanismos de drenagem com o objetivo acelerar a infiltração da água das chuvas ali retida;

* Relocação da estrada vicinal que corta o rio Queima-Pé no sentido transversal, próximo das suas nascentes;

* Construção de curvas de nível em propriedades onde são desenvolvidas atividades de agricultura e pecuária, localizadas na área de contribuição desse manancial, com o objetivo de reter e promover a infiltração das águas pluviais e assim recarregar o lençol freático;

* Recuperação da mata ciliar (áreas de preservação permanente) do rio Queima-Pé;

* Desenvolvimento de políticas públicas visando incentivar o reuso de água e a construção de cisternas para armazenamento da água das chuvas.

Como morador de Tangará da Serra, mas também como engenheiro agrônomo, consultor ambiental, e conselheiro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, reitero a necessidade urgente da instalação de mecanismos de drenagem na área urbana e na área rural, com o objetivo de promover uma maior infiltração da água das chuvas.

É uma alternativa de baixo custo e eficiente, além de evitar problemas de alagamentos na cidade e de causar o carreamento de sedimentos e contaminantes para o leito dos rios.

O Pacto em Defesa das Cabeceiras do Pantanal, movimento que tem por objetivo conservar os rios e as nascentes da região onde nascem as águas responsáveis pela inundação da planície, deve ser levado em conta e incentivado pelos gestores públicos.

Em Tangará, o Pacto promoveu a recuperação de 2,5 quilômetros de uma estrada vicinal, a construção de 26 quilômetros de curvas de nível em propriedades rurais e a instalação de 100 mecanismos de drenagem no entorno do córrego Uberaba, que é afluente do rio Queima-Pé.

Deve-se ressaltar que as ações ali desenvolvidas, promoveram o aumento da vazão daquele córrego, que em 31.08.2015 era de 186,48 m3/hora, mesmo com uma precipitação menor no período de setembro de 2015 a agosto de 2016, que foi de apenas 1.515 mm.

Chegou a hora de darmos as mãos: sociedade civil, empresas, ONGS e setor público, para juntos buscarmos as soluções, possíveis e mencionadas acima.

(*) Décio Siebert é engenheiro agrônomo, Msc em Recursos Hídricos e conselheiro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Mato Grosso. Integrante do Pacto em Defesa das Cabeceiras do Pantanal por meio do Instituto Pantanal Amazônia de Conservação (IPAC).

Nos siga no Google Notícias