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Evoluir inclui se retirar

Por Cristiane Lang (*) | 17/12/2025 13:17

Nem sempre evoluir significa avançar em linha reta. Às vezes, o passo mais sábio que alguém pode dar é justamente o de se afastar. Há crescimentos que não acontecem no meio do barulho, da confusão, das repetições. Crescimentos que pedem silêncio, distância e coragem para sair de onde o coração já não se encaixa mais.

A sociedade costuma associar evolução a permanência — à ideia de que precisamos insistir, suportar, tentar mais uma vez. E, claro, há momentos em que a persistência é virtude. Mas há também aqueles em que insistir é uma forma de estagnação, em que ficar é uma maneira de se perder. Porque não há aprendizado possível em um solo que já não oferece nutrientes, nem flores que sobrevivam em terra esgotada.

Retirar-se não é desistir. É reconhecer que o ambiente em que você está já não contribui para o seu florescimento. Às vezes é um trabalho que suga mais do que devolve, uma relação que se tornou desequilibrada, um grupo que já não vibra na mesma frequência. Permanecer nesses lugares por medo de decepcionar ou por apego à ideia de estabilidade é um modo de se afastar de si.

A distância, muitas vezes, é o espaço necessário para o reencontro. Quando você se retira, não está fugindo: está criando campo para que algo novo possa nascer. Está escolhendo o autoconhecimento em vez da repetição automática. Está dizendo: “preciso me ouvir”. E ouvir-se exige silêncio — algo que não se conquista quando se está imerso em dinâmicas que drenam sua energia vital.

Há uma sabedoria profunda em perceber o momento certo de ir. Saber sair é tão importante quanto saber chegar. Exige maturidade, discernimento e, principalmente, amor-próprio. É um ato de autoconservação e de respeito ao próprio processo. Nem toda despedida é um fim — muitas são, na verdade, começos que ainda não têm forma.

 Distanciar-se também permite enxergar com mais clareza. Enquanto estamos dentro de uma situação, é fácil se confundir, justificar, normalizar o que machuca. Só quando damos alguns passos para trás conseguimos ver o todo: os padrões, as repetições, o que realmente estava acontecendo. A perspectiva que a distância traz é um dos maiores instrumentos de evolução que existe.

Evoluir inclui se retirar, sim. Não por orgulho, nem por indiferença — mas por amor. Por entender que não se cresce onde se é podado, que não se floresce em solo árido, que o movimento natural da vida é ir e vir. E que partir, às vezes, é apenas um jeito mais honesto de continuar.

Porque evoluir não é se tornar maior que os outros, mas mais fiel a si mesmo. E há momentos em que ser fiel a si é escolher o silêncio, o espaço, o recomeço. É olhar para trás com gratidão, mas seguir em frente com leveza. Afinal, toda transformação genuína nasce quando a gente se permite sair do lugar que já não reflete mais quem somos.

E, no fim das contas, é isso que a evolução pede: coragem para ir, paciência para se reconstruir e sabedoria para reconhecer que se retirar também é uma forma de seguir.

(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.