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Artigos

INSS, o mistério brasileiro

Por Janice Theodoro da Silva (*) | 15/12/2025 08:17

O Brasil é um mistério.
De quem é a culpa da fraude no INSS?
As músicas são um indício do crime.

A pista

Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim
Não sei se me explico bem
Eu nada pedi
Nem a você nem a ninguém
Não fui eu que caiu
(Meu mundo caiu, 1958. Composição de Maysa Matarazzo)

A hipótese

Na sequência da investigação criminal, elabore uma hipótese. As palavras oferecem pistas para iniciar a busca do culpado. Três delas servem para iniciar as reflexões sobre os descontos indevidos do INSS: comunidade, sindicato e individualismo.

1. Comunidade de pessoas, ou ekklesia, significa gente junta refletindo e tomando decisões coletivas. Nos dias atuais a palavra sugere vida em comunidade, controle dos recursos e benefícios administrados por um grupo ou instituição com autonomia decisória. Em linguagem cotidiana, pessoas participativas gerindo uma comunidade, comendo, bebendo, fazendo festas de São João, São Pedro e Santo Antônio, uma fábrica de amigos e troca de informações, sobre benefícios e vigarices, sobre a vida.

2. Sindicato significa uma comunidade de pessoas que vende sua força de trabalho, seu tempo, agindo de forma organizada para garantir melhorias em sua condição de vida. Sindicalismo é, na prática, um “fenômeno complexo e contraditório. (…) Gera e alimenta o conflito dentro e fora da empresa e canaliza a participação social e política de grandes massas, contribuindo para integrá-las na sociedade”.

A discussão sobre o tema sindicato e sindicalismo é complexa. Sobre ele discutem os especialistas. Existem alguns tópicos de consenso. O sindicalismo vive uma crise. As razões citadas são: A flexibilização das diversas formas de trabalho, a reestruturação produtiva e o avanço das políticas neoliberais favorecendo a perda de protagonismo político dos sindicatos e favorecendo disfuncionalidades nas associações.

Sindicato é uma coisa, associação criminosa é outra.

Acrescento uma outra característica pouco explorada vinculada à palavra. O sindicalismo exige amizade cívica/philia, um elo de convivência real (não apenas digital) na fábrica, no comércio, no trânsito. Em linguagem cotidiana, gente trabalhando e tomando chope no bar, mantendo azeitada a sociabilidade (amizade cívica) e a vigilância nas instituições.

3. As palavras “indivíduo” e “individualismo” dizem respeito à esfera privada. A valorização da liberdade de consciência e autonomia moral. Na origem a palavra surgiu com força a partir da despersonificação típica da sociedade de massas no pós-guerra. Na esteira da industrialização a tecnologia ampliou a capacidade do indivíduo em um querer fazer tudo sozinho, o grande mito do self-made-man. Na sua vertente libertária, o individualismo promove a valorização do direito individual e, ao mesmo tempo, produz um incômodo, o direito dos Outros (diferentes sujeitos).

O antídoto do excesso de individualismo, para quem nada em águas individualizantes, é a tolerância. O outro é tolerado. O individualismo, na sua dimensão de sistema político, não vê com bons olhos associações autônomas voltadas para a intermediação das relações com o Estado, especialmente quando o seu nome é sindicato. Toleram e, não raro, projetam em associações sindicais e entidades voltadas para a cooperação em grupo uma carga negativa.

A valorização do espaço privado (só família), em detrimento do público, serve ao individualismo conservador. Tem como ideal evitar a ameaça de gente reunida, apta a fazer reivindicações e bater papo sobre política e fofocar sobre a vida de uns e de outros.

Amigos do trabalho ou do bar reunidos, dispostos a discutir miudezas cotidianas, abatimentos no salário, comida e futebol, conformam um campo de força.

Na investigação observe o contexto, a tecnologia e use a razão.

Contexto geral

Observem. O diálogo, a solidariedade e a concórdia estão em baixa. As inovações tecnológicas, o ódio e a força juvenil estão em alta. Os vínculos pessoais e de trabalho estão em queda também. Existe dificuldade de pessoas conectadas a plataformas de entrega, por exemplo, definir, juntas, seus interesses. Sem laços sociais é fatigante organizar um grupo para sair nas ruas e reivindicar melhores condições de vida e de trabalho.

Reflitam. As plataformas digitais desenhadas por humanos agregam pessoas e, por saber juntar entregadores (motoboys), ganham dinheiro com isto, ganham dinheiro com os desagregados empreendedores individuais. A plataforma ganha e os empreendedores perdem.

Na sequência, avaliem o estrago nas amizades criado pela polarização, entre aqueles que acham melhor ser empreendedor e os que consideram o estatismo um princípio inabalável. A oposição inconciliável é obra da IA. Dela resultou as conhecidas bolhas, gente em comunicação apenas com o seu duplo. Ausência de comunicação é um ponto de vulnerabilidade nas estruturas sociais.

Onde existe uma brecha, vazio, as associações criminosas atacam.

Fiquem alerta, a fragmentação da sociedade facilita o funcionamento de organizações ilegais. É o fermento do bolo. As associações criminosas eficientes utilizam a inteligência, a hierarquia rígida e um tribunal próprio para manter a sua unidade, lugar de força. O crime sabe a importância de agir em grupo, serem associados, uma máfia, uma gangue. Valorizam a importância da palavra “amigo”, a solidariedade mantida na raça. Saiu do grupo, traiu, morreu.

O século 21 assiste ao enfraquecimento da ekklesia, das comunidades de pessoas reais voltadas para a proteção recíproca e para o diálogo. O resultado deste esgarçamento dos vínculos sociais é a perda da proteção institucional e pessoal. A ideia de um salvador floresce.

Sem proteção a casa pode ser facilmente arrombada por gente organizada.

A vítima, a tecnologia e o vigarista

Aposentados dispersos pela imensidão do Brasil, e sem vínculos entre si, são as vítimas prediletas das bem organizadas associações criminosas. Idosos escutam pouco, enxergam com mais dificuldade e nem sempre o que falam encontra eco. No Ocidente, a tendência é um desligamento dos aposentados do tecido social, já bastante roto. Deles sobrou, com o passar dos anos, apenas o dinheiro da aposentadoria, raiz frequente de um vínculo frágil com os mortais em torno, portadores de uma expectativa de vida maior e repletos de desejos de compra não realizados. Cuidado.

Uma chamada telefônica com uma voz humana apressada pedido para concordar com alguma coisa é estímulo para um aposentado dizer, sim, eu aceito, em um mundo sem escuta. Voz de gente humana com fala apressada digitalmente. É uma arapuca para os idosos. O aposentado escuta mal, vê pouco e não possui contatos no mundo do trabalho para questionar qualquer informação.

Falas apressadas em um telefonema das associações criminosas foi uma das estratégias utilizadas pelos fraudadores do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) para obter consentimento de desconto na fonte da pensão dos aposentados.

Da ilusão

Bandidos conhecem bem as tradições do povo brasileiro. São parte da história.

Em tempos de desvios de dinheiro no INSS algumas informações antropológicas merecem reflexão.

Os brasileiros estão acostumados a pagar parcelado, em troca da obtenção de prêmios no futuro. Desde 1500 nosso povo sonha com um futuro melhor.

Pensem num baú vermelho coberto com um veludo bordô capaz de conter felicidade. Este produto, felicidade, metida num baú. Imaginem o presente-mercadoria embrulhado no papel da esperança, para ser entregue no futuro. Um prêmio, pago em suaves prestações mensais, é acalento para a alma brasileira.

Pague o carnê em dia e terá um futuro feliz.

Desconto quase invisível no salário prometido. Doce desconto.

A mensagem vende?

O prêmio é a esperança. Uma geladeira, um carro, uma viagem, uma surpresa. O vitorioso, um em um milhão. Ele é fato? Talvez. Uma imagem reproduzida nas redes sociais e na televisão é a fonte da ilusão.

A plateia aplaude.

A felicidade em baú, vende. Tem cara de Brasil.

Já dizia um velho comunicador, o Chacrinha: Quem não se comunica se “estrumbica”.

Foi o que aconteceu nas fraudes do INSS, um estrumbicamento generalizado do povo brasileiro.

Para a buzina do Chacrinha tocar, a espera foi superior a vinte anos, duração da fraude.

Da realidade

Para o INSS proteger os aposentados, cumprir sua função social, existe um Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS). Suas atribuições envolvem acompanhamento da legislação pertinente à Previdência Social e cabem ao seu Conselho sugestões para o seu aperfeiçoamento.

O Conselho dá bons conselhos? Cumpre a sua finalidade?

De acordo com o seu Regimento Interno (Resolução 1212, de 10 de abril de 2002), o Capítulo III, Da Composição, Organização e Funcionamento, define quem participa do Conselho. A presidência cabe ao ministro de Estado da Previdência e Assistência Social. Fazem parte seis representantes do governo federal, nove representantes da sociedade civil, sendo três aposentados e pensionistas, três trabalhadores em atividades e três representantes dos empregadores.

Considerando as atribuições do Conselho e a sua representação social, como explicar o fato das irregularidades, apontadas por diversos interlocutores, não terem sido corrigidas ao longo de anos?

Qual a raiz da surdez, da cegueira e da mudez, da imobilidade do INSS, da Polícia Federal e dos aposentados em denunciar, de forma organizada, para interromper a fraude?

Qual a raiz da passividade social?

É a falta de megafone, excesso de autismo social, dificuldade de linguagem, indiferença no olhar, no contato físico entre as pessoas?

Ou a raiz é o uso arbitrário do poder, a perseguição contra os denunciantes, o medo?

Surdo, mudo e cego

Uma doença silenciosa contaminou muita gente incapaz de se reunir para reclamar.

A dificuldade, em ter voz e força, ocorreu mesmo quando funcionários e membros do Conselho tentaram alertar sobre o desvio.

É o caso da conselheira Tonia Galleti:

“[A conselheira] pediu que fossem apresentadas a quantidade de entidades que possuem ACTs com o INSS, a curva de crescimento dos associados nos últimos doze meses e uma proposta de regulamentação que trouxesse maior segurança aos trabalhadores, ao INSS e aos órgãos de controle”.

A matéria do G1 detalha o problema demonstrando ter o ministrou pautado o tema para a discussão do mês seguinte, dia 27 de julho de 2023, mas ele não entrou na pauta.

Faltou gente organizada para denunciar.

Denúncias solitárias se perdem no vento.

Misteriosa a doença da cegueira e da surdez ocorrida por tantos anos. Até a Polícia Federal foi avisada em 2020, mas não investigou os descontos nos benefícios dos aposentados.
Um caso misterioso, tipicamente brasileiro.

Observem a cronologia dos fatos elaborada pelos jornalistas do G1 :

• “1991 – O começo, a Lei do INSS
Aprovada no Congresso e sancionada pelo então presidente Fernando Collor, a lei autoriza que entidades associativas e sindicatos façam descontos em folha de aposentados e pensionistas. Pela lei, o INSS faz a intermediação de forma consentida entre as duas partes.

• De 2009 a 2010 – Descontos irregulares aumentam
Servidores do INSS relatam que, a partir de 2009, o volume de descontos irregulares começa a aumentar, segundo Balza. ‘Eles começam a ser mais recorrentes, mas ainda algo muito localizado ali, muito no varejo’, diz.

• De 2016 a 2018 – O primeiro escândalo
Período em que surge o primeiro escândalo envolvendo entidades que faziam esse desconto em grande quantidade sem autorização. Em 2017, os descontos eram da ordem de R$ 41 milhões. No ano seguinte, esse número chegou a quase R$ 200 milhões.

Foi nesse momento que, segundo o relato de Balza, os descontos passaram a chamar a atenção da Justiça – e foi quando o Ministério Público Federal do Estado do Paraná recomendou ao INSS que suspendesse os acordos com as entidades que estavam fazendo os descontos.

• De 2019 a 2021 – Tentativa de coibir fraude
Quando Jair Bolsonaro assume o governo, até metade do governo do ex-presidente, algumas pessoas de dentro do INSS tentam coibir as fraudes. Vários acordos foram suspensos e cancelados à época.

• 2021 – Período de virada
Segundo Guilherme Balza, quando entram no INSS os nomes hoje investigados pela Polícia Federal. ‘Nesse momento, vários acordos de cooperação com essas entidades são assinados’, diz o repórter da GloboNews. Das 11 entidades que estão sendo investigadas pela Polícia Federal e também pela Controladoria Geral da União, 10 delas assinaram acordos de cooperação técnica com o INSS entre 2021 e 2022.

• 2023 – Lula toma posse
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assume e nomeia Carlos Lupi para o Ministério da Previdência, que mantém os acordos com as entidades. Lupi mantém no INSS pessoas hoje investigadas no esquema de fraude do INSS”.


Perguntas simples de um comum mortal nascido em Pindorama:

1. Trata-se de uma surdez programada por uma elite política incrustrada no poder, há muito tempo, capaz de fidelizar pessoas e partidos políticos nos trambiques?
2. Ou se trata de uma patologia cibernética, atual, sem o controle do Estado favorecendo as fraudes?
3. Ou, ainda, existe uma conjugação desastrosa entre associações criminosas bem organizadas que se apoderam de instituições de Estado, utilizam a tecnologia e se aproveitam de uma sociedade (em especial dos idosos) incapaz de reunir e organizar as vítimas de fraudes constantes, de eleger e responsabilizar seus representantes legais para denunciar a fraude e acompanhar as investigações?

Lembrete. As mulheres de Atenas, a bala e a bíblia

Antes que o leitor coloque todas as entidades associativas no mesmo balaio, dos desvios de verba, convém esclarecer: ainda existem indivíduos solitariamente justos, espalhados pela sociedade.

Alguns funcionários do INSS denunciaram a suposta existência de fraudes. Alguns representantes do Conselho externaram nas reuniões do Conselho a ocorrência de irregularidades. E alguns aposentados, individualmente, denunciaram descontos ilegais.

Faltou gente junta e minimamente organizada para reclamar. Os aposentados nunca elegeram uma bancada no Congresso voltada para a defesa dos abusos incrementados com o uso das novas tecnologias, alguém disposto a pôr ordem nos interesses dos injustiçados.

Sugestão: Sigam o exemplo das mulheres de Atenas ou se preferirem, da bancada da bíblia ou da bala. Todos os citados sabem como defender seus interesses atuando em grupo, votando junto, ficando um bem pertinho do outro. Vamos aprender com Lisístrata e com eles.

Indícios para esclarecer o mistério.

Conforme artigo de Rômulo Saraiva, publicado na Folha de S. Paulo,

“ Conforme amostragem da CGU (Controladoria Geral da União), 28,9% das associações enviaram os documentos assinados, enquanto 31,9% tinham documentos incompletos e 39,2 não mandaram nada”.

Como informa matéria de Catia Seabra, é necessário garantir o direito de defesa dos conselheiros afastados, acompanhar as investigações da Polícia Federal e da Controladoria Geral da União, separar o joio do trigo.

A causa da fraude não se confunde com a existência de sindicatos. Trata-se da autorização dada pelo INSS para serem realizados descontos nas folhas de pagamentos.

A grande pergunta

Por que embaralhar a finalidade das instituições brasileiras?

Os brasileiros devem conhecer os seus conterrâneos. Terra onde jabuti sobe em árvore, não é possível misturar as finalidades das instituições públicas.

Um instituto voltado para a previdência social deve cuidar da previdência social.

Um banco deve cuidar de financiamento.

E, assim, cada proposta legislativa ou instituição pública deve ter claro um único e claro objeto.

Além disso, em terras onde jabuti sobe em árvore também é melhor usar papel para informar, ter a prova material para esclarecer dúvidas.

Os aposentados brasileiros muitas vezes são analfabetos duas vezes, na escrita e no mundo digital. Na linguagem digital, grande parte dos brasileiros aposentados, inclusive eu. No século passado se superava algumas dificuldades, perguntando para um amigo, familiar, atendente, como fazer isto ou aquilo. Por amizade ou profissão, tinha gente real que explicava as coisas, olhava no seu olho, às vezes sorria e, mesmo com mau humor, respondia.

Bons tempos.

Acabou.

Era assim, alguém perguntava:

“Onde mora aquela senhora que vende bananada?”

Um humano respondia: “Na praça a última casa à esquerda”.

Um amigo perguntava para o outro: “Por que a minha aposentadoria diminuiu este mês? A sua diminuiu também?”. Comparar dados é habilidade indispensável nos dias atuais, onde a mentira corre solta.

Naquela época alguém, gente humana, respondia às perguntas. Existia a chance de perguntar novamente, caso a resposta não fosse clara. Enganos ocorriam. Mas era um erro com uma pessoa, duas ou no máximo três. Um erro não virava um milhão de erros. Hoje, graças à tecnologia, as fraudes podem, em um clique, proporcionar desgraças planetárias. Milhões de pessoas serem prejudicadas.

A culpa é de quem? Do jabuti? Do Freud, do Chacrinha, da IA ou do contrato social que eu assinei sem saber para o quê e com quem?

Talvez os santos, por inspiração divina, tenham a chave do mistério, a salvação.

São Pedro, São João e Santo Antônio

As dificuldades dizem respeito ao esgarçamento das relações humanas, da precarização de associações, organizações políticas, agências reguladoras, do Estado. Não há mais tempo disponível para uma pessoa se relacionar com a outra, avaliar os gastos, propor uma campanha contra o telefone-robô, programado para mentir ou enganar. Ninguém sabe quem está do outro lado da ligação, se é gente, máquina ou uma associação criminosa bem organizada, com participação disciplinada de estelionatários.

O que faz o Ministério das Comunicações para proteger os mortais?

As sociedades autoritárias criam associações especializadas em promover o engano (fake news), usam a fraude para estimular a insegurança, vendem a ideia de que o outro é, em princípio, uma ameaça. Assim, incentivam o isolamento das vítimas, favorecem os desencontros, vendem o ódio e estimulam o medo. Sem conversas, encontros, a sociedade exercita o isolamento, a privação do Outro, o erro, por não ter para quem perguntar.

O que é que eu faço agora?

Para ajudar o outro, viver em uma sociedade política, em pólis, é preciso ter tempo. Ninguém mais tem tempo. Roubar o tempo de si mesmo, vender todo o seu tempo, é matar a sociedade política.

O último exemplar de humano que se recusava a vender todo o seu tempo no mercado foi o Mujica. Um homem genuinamente livre que chegou à Presidência do Uruguai. Preferia usar seu tempo para cuidar das flores, dos bichos, da política. Ele conseguiu guardar até o fim da vida a posse do seu tempo. Mesmo preso nunca foi escravo de gente e de coisa. Tinha amigos reais. Era dono do seu tempo.

Frente a inúmeros desafios sugeridos pela crise do INSS, selecionei um ângulo para abordar o problema: a crise da participação política nas sociedades de mercado. Uma sociedade sem tempo.

Tem brecha?

As festas juninas

Aproveitem as festas de São João, São Pedro e Santo Antônio. Agreguem os amigos nas barracas de quitutes, entre pipocas e rifas, entre o quentão e a cerveja gelada, dancem. Fofoquem. Contem histórias da sua cidade, do lugar onde vivem, do seu município, do seu Estado. Descubram, de verdade, quem é quem em Pindorama. Assim nasce o livre-arbítrio.

Reflitam devagar. Conversem. Duvidem. Não se deixem iludir pelos brilhos e paetês, pela pompa e circunstância.

Ninguém se salva sozinho. Ainda existe vida na pólis, na política, nas festas juninas.

Viva São Pedro, viva São João e viva Santo Antônio.

Lembram da Maysa?

Escutem.


“Sei que você me entendeu
Sei também que não vai se importar
Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar”
(Maysa Matarazzo, 1958)

(*) Janice Theodoro da Silva é professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

 

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