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Internação compulsória: um ato de amor

Por Fábio Trad (*) | 29/07/2011 10:30

Escravizados pelos instintos que comandam suas vontades, os dependentes de crack amontoam-se nas vias públicas do país, compondo um cenário que inspiraria Dante ao descrever o inferno.

Aos miseráveis esfarrapados pela pobreza econômica (que, a propósito, não os impedem de adquirir as pedras) misturam-se fantasmas de quem, um dia, usufruíram da segurança de um emprego e casa própria. Agora, porém, todos nivelados no patamar rasteiro que os iguala a zumbis humanos prontos para matar ou morrer pelo prazer autofágico dos estalidos da droga.

Compelidos pelo vício, agem de forma autômata, por isso mesmo são, por lei, considerados inimputáveis: se roubarem ou matarem, não serão presos, mas tratados clinicamente ou internados em hospitais.

Ora, se, antecipadamente, sabemos que os habitantes das crackolândias não podem controlar seus freios de censura, podendo a qualquer instante cometer crimes graves para manterem seus vícios, nada justifica esperar que o pior aconteça para - só depois - retirá-los do monturo abjeto em que estavam chafurdados. Neste momento, a internação compulsória se justifica.

Concordo que a internação compulsória não tenha suficiente força de abalar a mais frágil e tênue linha que estrutura a rede de tráfico que atinge a sociedade, porém estou certo de que sem ela, o tráfico haverá de aumentar e com ele a violência criminal, pois uma e outra nutrem relação de simbiose.

O art.1º da Constituição Federal consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento republicano do Estado de Direito.

O crack despersonaliza quem dele depende, desfigurando essência e identidade a ponto de sobrepor aos comandos morais, o império selvagem dos instintos.

As crackolândias se organizam em espaços públicos, porém são refratárias à Lei, de forma que ao tempo em que desfrutam da permissão do território, trancam as portas para o seu corolário maior, legalidade. Trata-se, pois, de um espaço em que a selvageria instintiva de homens animalizados expõe a criminosa e injustificável omissão do Poder Público. Eis a antítese da dignidade humana.

O art.146 do Código Penal permite o uso da coação para evitar o suicídio. Não é preciso invocar o exemplo de Amy Winehouse para saber o que já intuimos ou temos certeza: quem empresta adesão à droga, hipoteca a vida como garantia do usufruto do prazer suicida.

A Lei n.10216/2001 prevê o instituto da internação compulsória, subordinando-o, porém, a autorização judicial com a individualização dos destinatários da medida.

No caso das crackolândias, a tarefa de individualizar através da identificação dos dependentes é impossível. Primeiro, porque não querem ser identificados e tudo farão para se manterem no anonimato. Segundo, porque a grande maioria deles já se desvinculou de suas famílias, jogados às traças na solidão das relações afetivas.

Terceiro, porque grande parte deles sequer tem condições cognitivas para afirmar quem são ou quem, um dia, foram.

Duas objeções se levantam, porém, a internação compulsória: o perigo de se emprestar um caráter higienista de corte totalitário, objetivando "limpar" as cidades; a tendência de abuso de poder por parte das polícias na abordagem dos dependentes.

Defendo que ambos os riscos podem ser enfrentados com a atuação de equipe multidisciplinar com forte qualificação e treinamento na abordagem-rotina dos dependentes.

Destaco, igualmente, que a internação compulsória de dependentes abordados em virtude do uso de drogas não pode e não deve ser realizado pelas Uneis, uma vez que a feição penal-repressiva destas unidades - ainda que o E C A a negue, mas a realidade afirme - é incompatível com o objetivo da medida. Evidente, nos casos de prática de ato infracional dos dependentes, nada impede que as Uneis procedam ao tratamento de recuperação, mas apenas nestes casos.

Se não for um ato finalístico de amor ao próximo, a internação compulsória corre o risco de se transformar em draconiana ação liberticida.

Por outro lado, se o Poder Público apostar na estratégia da inércia e da omissão diante da proliferação de crackolândias no país, principalmente nos grandes centros, a tendência é que, pela força do hábito, as pessoas se deixem anestesiar diante desta tragédia humana, considerando normal a existência de espécies dierentes de ser humano. E não preciso dizer ou prever mais nada ...

Por fim, convém relembrar que se a internação compulsória não estiver vinculada a uma política de reinserção social dos egressos recuperados, tudo terá sido em vão.

Mãos à obra !

(*) Fabio Trad é deputado federal (PMDB-MS)

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