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No trânsito, o terror e a impotência

Por Edson Moraes (*) | 25/07/2011 06:02

Não há adjetivos capazes de definir a dimensão da perplexidade, do horror e da indignação diante da verdadeira matança que diariamente acontece nas ruas, avenidas e estradas do Brasil. Campo Grande está situada na escala crítica do ranking nacional de acidentes de trânsito. É uma das cidades que buscam, ainda sem achar, medidas eficientes para minimizar, ao menos, o índice crescente de tragédias urbanas provocadas pelo uso incorreto dos veículos.

Campo Grande registrou no primeiro semestre deste ano 35 mortes no trânsito, sendo a maioria protagonizada por motociclistas. Estes são números oficiais e remetem apenas aos registros de óbitos no local. Se for somada a quantidade de pessoas que morrem 30 dias ou mais após o acidente, o número aumenta, e muito. Em proporção ainda mais assustadora cresce a legião de vítimas com sequelas, muitas irreversíveis.

Não é caso de culpar somente a autoridade. É caso de por em cena, com o destaque merecido, dois fatores determinantes para este cenário apavorante: um, os valores e princípios deformados de seres humanos que se julgam acima do bem e do mal, desobrigado das responsabilidades éticas e de uma existência em sociedade; outro, a fragilidade e a transigência inexplicável de leis e códigos normativos que deixam brechas por onde transitam a impunidade e a reincidência dos infratores.

Num país onde mais de 50 mil pessoas morem por ano e, proporcionalmente à população, seu trânsito é 90% mais perigoso que nos Estados Unidos e cinco vezes mais ameaçador à vida que na Inglaterra e Japão, já era hora de entender que pagar fiança perde seu sentido como medida punitiva eficaz. E, da mesma forma, impõe-se a necessidade de rever alguns conceitos jurídicos. O da faculdade do condutor se recusar ao teste do bafômetro, por exemplo.

Nemo tenetur se detegere (não produzir prova contra si próprio) é princípio pétreo do Direito, está inscrito na Constituição Federal, é reconhecido pelos estatutos internacionais e incluído entre as garantias fundamentais da pessoa. Porém, numa análise desapaixonada e livre das incoerências da generalidade conceitual, tal princípio precisa ser mantido, mas aperfeiçoado, sem os vícios e as deformações que ajudam a manter em liberdade condutores sem qualquer compromisso com o respeito às vidas humanas e ao patrimônio.

Vivemos numa conjuntura de confronto entre a consciência saudável do bem viver e de valores superficializados pelos apelos consumistas que fabricam, na volúpia do "Ter", a negação do "Ser". E estes apelos parecem levar vantagem na questão dos acidentes de trânsito. Quantos irresponsáveis matam e ferem por dirigir alcoolizados e, ainda trôpegos, se recusam ao teste do bafômetro, cientes da garantia da lei e confiantes nos artifícios que terão a seu dispor para procrastinar o rito processual e, nesse retardo, continuar por aí, dirigindo bêbados, atropelando, ferindo, matando...

O teste do bafômetro precisa ser obrigatório, não somente nas barreiras rodoviárias ou nas blitzes urbanas. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), vista como baluarte de primeira hora na defesa das instituições democráticas e da liberdade, precisa buscar saídas contra esse círculo vicioso permitido pela desatualidade do acervo jurídico das leis brasileiras. No mesmo plano de responsabilidade estão os legisladores, desde a Câmara Municipal ao Congresso Nacional.

Afinal, é necessário o mutirão de esforços, imperativo e incisivo, para intimidar e inibir verdadeiramente os maus condutores. Só a fiança não basta. Quem tem dinheiro e um Porsche para trafegar bêbado a 160 km/hora por ruas da cidade tem como atropelar e matar uma pessoa, pagar a fiança e no dia seguinte comprar outro Porsche e continuar tomando uísque e testando a velocidade da sua máquina pelas ruas da impunidade. Para estes, a vida será sempre um sinal verde. Para a família dos que morrem ou se ferem, resta o choro impotente e indignado de quem vê seus direitos bloqueados pelo vermelho do poder econômico e da incapacidade coercitiva e punitiva da lei.

(*) Edson Moraes é jornalista e blogueiro (www.edsonmoraes.jor.br).

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