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Nos tempos do Rio - parte 2

Heitor Freire | 21/11/2020 13:15

Quando morei no Rio de Janeiro, na época dos meus vinte e poucos anos, depois que arrumei meu primeiro emprego na cidade fui tratar de estudar, embora tenha ficado apenas na intenção. Eu me matriculei num curso preparatório para vestibular na MABE – Moderna Associação Brasileira de Ensino –, que funcionava na Rua Riachuelo, próxima à Lapa, no centro da cidade.  Assim, eu passei a ter carteira de estudante e tinha direito a almoçar no Calabouço, o famoso restaurante dos estudantes nos anos 60. Era um restaurante para estudante pobre, funcionava no esquema de bandejão: cada um tinha que entrar na fila para receber a comida.

Duas lembranças dessa época me marcaram: quando recebíamos o bife, tínhamos que tomar muito cuidado, porque os colegas mais afoitos logo davam uma garfada certeira e roubavam o bife do vizinho distraído. O único jeito de evitar isso era dar uma cuspidinha rápida no próprio bife para que todos vissem, assim ninguém se atrevia a avançar. Eca.

A segunda lembrança é que sempre recebíamos de sobremesa uma fatia de goiabada ou uma fruta, que vinha sempre acompanhada de um copo de leite. Certo dia, a fruta oferecida era manga. E agora? Eu tinha aprendido desde criancinha que manga com leite matava. Comecei a olhar como os colegas faziam: uns comiam a manga e depois tomavam o leite; outros primeiro tomavam o leite, depois comiam a manga. E ninguém morria. Então pude constatar que isso era só mais uma lenda urbana. Na verdade, manga com leite faz é muito bem.

Para compensar a semana toda de Calabouço, aos domingos íamos almoçar na Spaghettilândia, na Cinelândia, uma bela casa de massa italiana que, aliás, funciona até hoje. Era uma festa. Aquele spaghetti à bolonhesa ficava no nosso imaginário durante a semana toda. Como íamos em grupo, depois de traçar o primeiro prato, eu e meus amigos pedíamos uma segunda porção, que era dividida a dois. A sobremesa era sempre um pudim delicioso, e repetíamos a pedida: uma porção extra pra dividir a dois. Até hoje, quando vou ao Rio – tenho uma filha, a Raquel, que mora lá – dou um jeito de almoçar na Spaghettilândia para matar a saudade. Lá tem garçom com mais de 40 anos de casa. E eu sempre fico de papo com eles.

Ali na Cinelândia, de um lado tinha a Câmara de Vereadores – a chamada Gaiola de Ouro –, do outro, o Teatro Municipal e no centro, o Palácio Monroe, um prédio imponente que impressionava pela sua arquitetura majestosa, e era a antiga a sede do Senado. Com a transferência da capital federal para Brasília, ele foi demolido para dar lugar a uma estação de metrô. É a tal da modernidade destruindo a história e a beleza.

Outro ponto interessante de que me lembro é o bonde. O bonde tinha o motorneiro, que dirigia, e o condutor – levei um tempo para entender por que “condutor” –, que na realidade era o cobrador. Quando o bonde parava para entrada e saída dos passageiros, era o cobrador (condutor) que acionava a campainha para que o motorneiro – que ficava na frente, sem olhar para trás –, movimentasse o bonde.

O condutor era uma figura folclórica. Quase sempre português, com todos os dedos enfeixando as notas de dinheiro para dar o troco, se dirigia aos passageiros com a expressão: “Faiz favoire”. Muitas vezes, por farra, a gente fazia cara de paisagem e o condutor ficava olhando, porque quando tinha muita gente ele não tinha certeza de quem pagou, e na dúvida, não cobrava de quem se fazia indiferente. Eu observava também alguns passageiros que eram verdadeiros atletas, que pulavam pra trás e caíam em pé com o bonde em movimento. Eu ficava impressionado com a habilidades deles.

Spaghettilândia, Calabouço, Palácio Monroe, bonde, condutor-cobrador. São muitas lembranças de bons tempos que vivi no Rio. Em breve eu volto a contar mais histórias dessa época.


Heitor Rodrigues Freire – Corretor de imóveis e advogado.

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