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Novo CPC só terá êxito se alterados serviços judiciários

Por Elpídio Donizetti* | 23/12/2011 00:45

Depois de quase um século, os processualistas perceberam que o processo, embora autônomo, consiste em técnica de pacificação social, razão pela qual não pode se desvincular da ética nem de seus objetivos a serem cumpridos nos planos social, econômico e político (escopos metajurídicos). O direito processual, portanto, deve privilegiar a importância dos resultados da experiência dos jurisdicionados com o processo, valorizando a instrumentalidade deste – período de instrumentalismo (ou teleologia) do processo.

A evolução desse entendimento, principalmente em face da atual e saudável constitucionalização dos ramos do direito, defende o estudo do direito processual a partir de uma nova premissa metodológica, qual seja, a metodologia do neoconstitucionalismo (destacando-se a força normativa da Constituição e a concretização material dos Direitos fundamentais) – neoprocessualismo (“estudo do Direito Processual à luz do neoconstitucionalismo”).

Esse fenômeno da constitucionalização dos direitos e garantias processuais, além de retirar do Código de Processo a centralidade do ordenamento processual (descodificação), ressalta o caráter publicístico do processo; isto é, o processo distancia-se de uma conotação eminentemente privada, deixa de ser um mecanismo de exclusiva utilização individual para se tornar um meio à disposição do Estado para realizar justiça (valor eminentemente social).

Hoje, o processo tutela uma ordem superior de princípios e valores que estão acima dos interesses controvertidos das partes, voltados à realização do bem comum (ordem pública). A preponderância do interesse público sobre os interesses privados conflitantes manifesta-se em diversos pontos da nova dogmática processual, resultando no grande número de princípios fundamentais do processo que hoje permeia o ordenamento jurídico brasileiro.

Tendo em vista a importância dos direitos fundamentais processuais para todo o sistema do processo (centralidade da constituição), o projeto do CPC positivou, nos seus primeiros dispositivos e de forma detalhada, os princípios processuais. Isso porque, consoante a nova ordem constitucional, um Código de Processo Civil deve ser prestar à concretização dos direitos fundamentais processuais; deve ser um esforço do legislador infraconstitucional para transformar o acesso à justiça em um direito a um processo justo (tutela jurisdicional efetiva, célere e adequada).

Pode-se entender que a explicitação infraconstitucional dos direitos fundamentais processuais seja mera repetição inútil (tautologia). No entanto, essa reafirmação tem um importante significado (ainda que simbólico) ao disseminar para o ordenamento jurídico em geral o tratamento da legislação infraconstitucional como decorrente direta da Constituição. A positivação principiológica no novo CPC demonstra que todo e qualquer processo deve transitar pelos direitos fundamentais processuais previstos na Constituição, tornando-o um instrumento de participação democrática e promovendo decisões efetivamente apaziguadoras (processo justo).

Os princípios que constam do projeto do CPC foram escolhidos pela Comissão autora do Anteprojeto consoante os mais recentes movimentos de homogeneização do sistema processual, os chamados “princípios transnacionais de Direito Processual” (rol de princípios gerais elaborado por inúmeros processualistas de renome, que buscam adequá-los tanto ao sistema anglo-saxônico quanto ao romano-germânico, com o escopo de servir como modelo para uma possível harmonização e aproximação dos sistemas processuais).

Em consonância com princípio da verdade real, o projeto do CPC considerou, acima de tudo, os resultados práticos que seus efeitos podem gerar no contexto social, visando sempre seu escopo fundamental de pacificação.

Um dos aspectos dessa preocupação é a ênfase dada à possibilidade de as partes colocarem fim ao conflito pela via da conciliação e da mediação (arts. 144 a 153) – o projeto do CPC prevê, inclusive, a criação de um setor específico para promover conciliações e mediações (art. 144).[1]

Ademais, o projeto torna regra a realização de audiência para tentativa de acordo (via conciliação ou mediação) entre as partes antes mesmo de o réu apresentar contestação (art. 323). Além do autor (§ 4º) e do conciliador ou mediador (§ 1º), o réu deve comparecer a essa audiência, sob pena de sua ausência injustificada configurar ato atentatório à dignidade da justiça (§ 6º). Caso uma das partes comunique, com antecedência de dez dias, desinteresse em celebrar acordo, a audiência será cancelada (§ 5º). Realizada a audiência, se as partes transacionarem, o acordo será reduzido a termo e homologado por sentença; caso contrário, iniciará o prazo para contestação (art. 324).

Ora, não há dúvida de que as partes ficam muito mais satisfeitas quando a solução decorre diretamente delas, e não imposta um juiz.

Levando também em conta esse raciocínio, o projeto prevê a participação de amicus curiae (espontânea, solicitada pelas partes ou convocada de ofício), cuja manifestação certamente auxiliará ao juiz decidir de forma mais próxima à realidade das partes (art. 320). Essa possibilidade pode-se dar em qualquer fase do processo (inclusive na audiência de acordo) e grau de jurisdição, pois todas as decisões jurisdicionais devem proporcionar a presença do “amigo da corte” (não só a última).

A fim de simplificar o sistema processual, muitas alterações foram feitas pelo projeto do CPC, das quais passo a citar as que mais se destacam:

I) extinção de incidentes:

a) reconvenção: o réu pode formular pedido independentemente do expediente formal da reconvenção (art. 326) – o que era excepcional (pedido contraposto no procedimento sumário e ações possessórias) se torna regra;

b) impugnação ao valor da causa (art. 267: preliminar de contestação);

c) impugnação à concessão de assistência judiciária (art. 327, XIII: preliminar de contestação);

d) exceção de incompetência (arts. 64 e 327, II: as duas espécies de incompetência – absoluta e relativa – se tornaram preliminares de contestação);

e) ação declaratória incidental (inclusive a de falsidade de documento);

f) incidente de exibição de documentos;

g) exceção de suspeição (art. 126: alegação de impedimento ou suspeição se dá por meio de simples petição);

II) alteração nas formas de intervenção de terceiros: assistência, denunciação em garantia, chamamento ao processo e amicus curiae (arts. 314 a 321);

III) extinção de muitos procedimentos especiais: foram mantidos a ação de consignação em pagamento (arts. 524 a 534), a ação de exigir contas (arts. 535 a 539), as ações possessórias (arts. 540 a 553), a ação de divisão e demarcação de terras particulares (arts. 554 a 584), a ação de dissolução parcial de sociedade (arts. 585 a 595), inventário e partilha (arts. 596 a 659), embargos de terceiro (arts. 660 a 667), habilitação (arts. 668 a 673), restauração de autos (arts. 674 a 680), homologação de penhor legal (arts. 681 a 684); e foram excluídos o depósito, a anulação e substituição de títulos ao portador, o oferecer contas, a nunciação de obra nova, a usucapião, a venda a crédito com reserva de domínio e a ação monitória;

IV) extinção das cautelares nominadas (art. 276: basta demonstrar o fumus boni iuris e o periculum in mora para a concessão da providência cautelar pleiteada);

V) previsão de tutela à evidência (art. 278: concessão liminar da tutela independentemente do periculum in mora, nos casos em que inexiste razão para esperar);

VI) possibilidade de pedir tutela de urgência e à evidência antes mesmo do procedimento em que se pleiteia a providência principal (art. 269) e, não havendo resistência à liminar concedida, o juiz, depois de efetivá-la, extinguirá o processo, mantendo os efeitos da medida sem fazer coisa julgada (art. 281, § 2º); caso haja impugnação, o pedido principal será apresentado nos mesmos autos em que foi formulado o de urgência (art. 282, § 1º);

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(*) Elpídio Donizetti é desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, professor de Direito Processual Civil do IUNIB, doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Clássica de Lisboa e membro da Comissão designada pelo Senado Federal para elaboração do Novo CPC.

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