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O descarte correto de medicamentos

Andreas Sebastian Loureiro Mendez (*) | 13/10/2021 13:30

Nos tempos atuais, reflexões severas têm sido feitas e levadas a cabo acerca de perspectivas de mudanças de atitude em nossas rotinas. Discussões avançadas desde o final do século passado e início do século atual não evitaram as consequências de uma pandemia sem igual, que pode ser marco para mudanças em nossas posturas. Oportunidade única.

Atrelado às urgências e aos efeitos indesejados ao ambiente que vivemos, encontram-se também ações que possibilitem escolhas racionais ao bem-estar em saúde, com destaque para os medicamentos. Uso racional de medicamentos requer ações multidisciplinares que maximizem a possibilidade de cura sem desperdícios.

Aliás, desperdiçar medicamentos tem origem em culturas errôneas e práticas de gestão desorganizadas, aliadas ao pensamento de mercado voltado à medicalização sem racionalidade. Os medicamentos têm de ser protegidos pela redoma da ciência e dos profissionais que os cuidam, de forma a que se estimule seu consumo a partir da necessidade real, racional, que minimiza custos, evita desperdícios financeiros, torna seguro seu uso e, enfim, gera o mínimo de resíduos ao meio ambiente.

Não nos espantemos. Em pleno século 21, em 2021, ainda temos de nos deparar com ações errôneas de gestores de políticas públicas que por vezes pensam no medicamento em uma única via: disponibilizar à população. Sim, é verdade, é prioridade; mas o que vem depois também pode ser assunto de regulação contínua. Aliás, saber que medicamentos vencidos são contaminantes severos ao ambiente poderia ser do conhecimento de todos nós, leigos, sábios, de qualquer classe social, em qualquer lugar, nas escolas, nas universidades, nos hospitais. Mal não faria recebermos essas informações em veículos de comunicação ou encontrarmos em locais inesperados como forma de estímulo à reflexão e à mudança de atitude.

Mais que nunca, a ciência explicita as consequências do descarte irregular de medicamentos vencidos e sobras. Estudos internacionais e de grupos de nosso país (Hughes et al., 2012; Piazza e Pinheiro, 2015) não são novos e continuam a afirmar que leitos de rios, aquíferos, mananciais, solos e espaços de bem comum recebem cargas de substâncias químicas, tóxicas, ecotóxicas, bioacumuladoras que modificam fauna e flora, microfauna e microflora existentes, e sinergicamente se adicionam como agressores ao meio ambiente, como muitos outros que são de nossa rotina e que clamamos para serem cada vez mais eliminados de tudo o que fazemos e consumimos.

Não basta refletirmos como forma de autocuidado. Necessitamos ser expoentes de mudanças a partir de exigências em órgão reguladores, políticas públicas, gestores.

Saber que medicamentos são contaminantes poderosos por possuírem carga química considerável já se sobrepõe ao que podemos fazer num primeiro olhar junto à população. Ou seja, partimos de um primeiro choque real sobre a agressão que os medicamentos vencidos e as sobras, em uso domiciliar, causam quando desprezados de forma aleatória, em escolhas erradas dentro de casa, tratando-os como um lixo comum. Não é, não. É perigoso, prejudica o que nos rodeia! Podemos melhorar esse quadro a partir de decisões imediatas que abram mão da facilidade de despejar em qualquer local e adotem a possibilidade que nos é dada de encaminhar às farmácias e drogarias parceiras ou de buscar orientações nos estabelecimentos de saúde para fazermos o descarte correta e conscientemente.

No início deste século, a UFRGS foi pioneira quando propiciou novos olhares sobre meios que pudessem modificar ou possibilitar a todos escolhas do que fazer com os medicamentos vencidos e suas sobras – que se acumulavam nas residências. Fácil seria colocar em qualquer ponto de descarte em casa (pia, vaso sanitários, lixo comum). Fácil, porém errado.

Em parceria com a BHS (Brazil Health Service), a querida professora Louise Seixas (Faculdade de Farmácia), aposentada da Universidade em 2017, iniciou projeto de extensão com a ideia conjunta dos coletores de medicamentos vencidos, a serem distribuídos nas farmácias e drogarias, como forma de fácil acesso à população, que teria sua alternativa viável de descarte correto de medicamentos. Esse projeto fomentou os atuais coletores de medicamentos do Programa Descarte Consciente.

Junto a outras equipes de pensadores, cientistas, técnicos, leigos, sábios e ansiosos por mudanças, trabalhou com a ideia que culminou na atual normativa ABNT NBR 16.457 sobre a logística reversa aplicada a esse tema e no atual Decreto n.º 10.388, de 2020, que institui o sistema de logística reversa de medicamentos domiciliares vencidos ou em desuso, de uso humano, industrializados e manipulados, e de suas embalagens após o descarte pelos consumidores.

Caminhos foram criados e, se de fato forem invocados como meta real, não estanque, propulsora de horizontes benéficos, poderão propiciar mudanças reais a todos nós.

São claras, portanto, as reflexões que devemos fazer em torno de nossas mudanças. Podemos ser modificadores, exemplos, ensinarmos, aprendermos, darmos e termos consciência. No tocante ao tema em discussão, podemos refletir sobre as consequências das atitudes errôneas do descarte irregular de medicamentos vencidos e nos sobressairmos com o propósito firme, em sábia decisão, de os descartar corretamente e de modo consciente.

(*) Andreas Sebastian Loureiro Mendez é docente da Faculdade de Farmácia da UFRGS e coordenador do projeto de extensão “Descarte correto de medicamentos e ação de educação ambiental”.

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