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Pedagogias não binárias de dança de salão

Robson Teixeira Porto | 28/05/2023 10:28

A dança de salão é uma manifestação cultural que surgiu na Europa no século XVI durante o período renascentista. No Brasil, chega em 1908 em consequência da colonização, como parte do processo de assimilação dos hábitos e costumes europeus.

O primeiro subgênero de dança de salão assimilado pela aristocracia brasileira foi a valsa, que logo se tornou uma componente essencial nos bailes da sociedade brasileira. Esse fato contribuiu para a criação de salas de música e dança, que consistiam em espaços destinados ao ensino dessas linguagens artísticas. A partir disso, começaram a chegar os primeiros mestres de dança ao Brasil.

Os mestres de dança eram artistas europeus que vinham para cá para ensinar a dança de salão europeia, sobretudo para as mulheres, pois a habilidade de dançar era considerada um símbolo de educação. Além da docência, esses mestres tinham, inclusive, a função de apresentá-las à sociedade, uma vez que a função dos bailes era a integração social dessas mulheres.

Cabe destacar que além dos saberes hegemônicos supracitados, os saberes subalternos, oriundos dos povos originários e da diáspora africana no Brasil, também constituem a matriz identitária da dança de salão brasileira. A mistura cultural entre europeus, africanos e indígenas propiciou, também, a formação de uma cultura brasileira geral, especialmente da dança e da música.

Tendo em vista o apagamento dos saberes culturais dos povos negros e indígenas, lamenta-se a quantidade ínfima de registros acerca dessas danças. Cita-se, entretanto, o maxixe, uma dança que surgiu nos subúrbios e nas casas de dança afrodescendentes no Rio de Janeiro. Com a sua popularização, conquistou a elite carioca e se consagrou como um dos principais precursores do samba, considerado um dos símbolos da cultura brasileira.

As visões tradicionais da dança de salão no Brasil reproduzem valores de uma sociedade cis-heteropatriarcal. Essas concepções são problemáticas, pois desconsideram as dissidências de gênero e sexualidade, bem como reproduzem valores machistas.

A dança de salão tradicional concebe apenas uma configuração de dupla, denominada “casal”, que é, necessariamente, constituída por um homem “cavalheiro” e uma mulher “dama”. A forma de interação entre a dupla é preestabelecida: aos homens cabe pensar e conduzir; e às mulheres, seguir e enfeitar.

Apesar de muitas pessoas se identificarem com a configuração tradicional da dança de salão, há uma parcela significativa de pessoas que são excluídas dessa cultura por conta dessas imposições. Logo, nessa configuração, não estão incluídas as pessoas que gostam de compartilhar a condução nem as mulheres que gostam de conduzir e os homens que preferem se deixar conduzir. Além disso, são desconsideradas as pessoas que gostam de dançar com pessoas do mesmo gênero, assim como homens e mulheres cuja corporalidade não corresponde ao que a norma determina para o seu sexo biológico.

A falta de correspondência entre as transformações sociais que ocorreram no Brasil, principalmente em relação às mulheres e aos LGBTs, e a cultura da dança de salão tradicional, acarretam a exclusão de muitas pessoas dessa cultura, bem como limitam as formas de comunicação e expressão dos dançarinos que a integram.

Em contrapartida, há um movimento de artistas, professores, pesquisadores, entre outros profissionais da dança de salão, que busca ressignificar os bailes e o aprendizado da dança nos espaços não formais de ensino, uma vez que esses lugares não apenas contribuem para a manutenção dessa cultura excludente como também têm potencial para ressignificar práticas machistas e LGBTfóbicas que acontecem na comunidade da dança de salão.

Dessa forma, esta proposta, cujo intuito é contribuir para tornar a comunidade da Dança de Salão mais inclusiva, compreende o “ato de conduzir” como um “convite”. Ou seja, quando um agente da dupla propõe um movimento, o outro pode aceitar ou rejeitar a proposta. Nesse sentido, não se tem um condutor que propõe e um conduzido que apenas segue de forma passiva, mas ambos têm papel ativo na construção da dança a dois.

Ainda nessa abordagem, não é preciso que cada agente da dupla se limite a uma única ação (conduzir ou deixar-se conduzir), pois a dança acontece como se fosse um diálogo, ambos podem falar e ouvir, de modo que as ações de conduzir e deixar-se conduzir podem ser revezadas entre a dupla. Se for, contudo, o desejo dos dançarinos, cada agente pode desempenhar uma ação específica.

Em oposição ao monopólio da condução pelos homens, como acontece na dança de salão tradicional, a proposta não atribui uma correspondência de gênero às ações de conduzir e deixar-se conduzir. Assim, independentemente do gênero que performam, os agentes podem assumir determinada ação ou compartilhar ambas as ações.

Ademais, as movimentações das mulheres e dos homens não são moldadas a partir dos estereótipos de gênero, como acontece na dança de salão tradicional. Pelo contrário, a intenção de propor pedagogias não binárias de dança de salão é para permitir que as pessoas possam dançar com quem desejarem, assim como se expressarem a partir das suas corporalidades e subjetividades, sem ficarem limitadas aos padrões estabelecidos pela norma.

Por fim, a proposta de pensar a dança de salão de forma não binária não têm o intuito de romper com a lógica convencional dessa prática artística, mas de possibilitar que a comunidade da dança de salão se torne mais diversa e plural. Ressignificar os modos de comunicação, expressão e ensino desse gênero de dança contribui não apenas para inclusão de novas pessoas, mas também amplia a capacidade de interação entre as pessoas que já fazem parte dessa comunidade.

*Robson Teixeira Porto é doutorando em Artes Cênicas,


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