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Protocolo ICMS 21/11 e a reforma tributária

Por Adonilson Franco (*) | 31/08/2011 14:04

De que forma os elementos integrantes do título acima confluem para um ponto comum? É assunto de interesse de milhões de contribuintes, seja porque beneficiários de algum incentivo fiscal do ICMS, seja porque afetados por concorrentes que, há tempos, vêm desfrutando de benefícios em franca desigualdade concorrencial.

Há concorrência predatória também dentro do País. Até há bem pouco tempo ela se estabelecia dentro dos próprios Estados na medida em que muitos contribuintes simplesmente deixavam de recolher impostos, dentre esses, o ICMS. Com a introdução da nota fiscal eletrônica e também da substituição tributária, essa prática vem perdendo espaço já há algum tempo.

Mas no que se refere a competição entre contribuintes estabelecidos em Estados distintos, nada afastou o efeito concorrencialmente danoso decorrente de incentivos fiscais concedidos unilateralmente pelos Estados.

Por isso cunhou-se a expressão “guerra tributária”.

Já cansamos de ver Estados ajuizando, uns contra os outros, ações direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, fundamentadas na instituição unilateral de incentivos fiscais em tudo e por tudo semelhantes àqueles igualmente instituídos pelo Estado demandante. Mais ainda: virou lugar comum um Estado ter seu incentivo julgado inconstitucional pelo STF e, imediatamente na sequência, renovar o benefício com nova roupagem jurídica e, claro, sempre com nova lei.

O que vale à pena ser destacado é o evidente erro na escolha da estratégia idealizada para pôr fim à guerra fiscal. É que na PEC 233 pensou-se na manutenção do ICMS na sua atual alíquota (17% ou 18%), reservando uma parcela, máxima de 2%, para o Estado exportador nas operações interestaduais, sendo o restante (15% ou 16%) assegurado ao Estado de destino.

Ora, se o Estado que produz deixa de arrecadar já que limitada sua arrecadação a 2% e o Estado que consome deixa também de arrecadar pois o consumo está atrelado à produção de riqueza; e se se considerar que, quanto maior a riqueza maior é o poder de consumo, quem produz a riqueza que propiciará o consumo deixa de arrecadar, certamente chegará uma hora em que, quem consome perderá seu poder de compra.

A solução é retirar do tributo, especialmente do ICMS, a função extra-arrecadatória que nunca deveria ter, já que constitucionalmente não tem mesmo, isto é, o poder de ser utilizado como ferramenta de estímulo à economia local ao invés de ter função meramente arrecadatória.

Os Estados cumpririam o que lhes cabe por desígnio constitucional (CF, art. 170 e seguintes) oferecendo infraestrutura de qualidade, educação sólida e de bom nível e profissionalização vocacionada para o perfil de cada região, reduzindo a carga tributária como um todo, o ICMS em especial por seu peso avassalador.

Mas, enquanto isso não vem porque a reforma tributária não sai do papel, vieram os Estados a firmar, no âmbito do Confaz, o Protocolo ICMS 21, em 01.4.2011. Apesar de assinado no “dia da mentira”, é ele muito sério e aterrador.Suas justificativas (consideranda) são motivo de grande perplexidade.

Veja-se porque: “Considerando que a sistemática atual do comércio mundial permite a aquisição de mercadorias e bens de forma remota; (...) que o aumento dessa modalidade de comércio, de forma não presencial, especialmente as compras por meio da internet, telemarketing e showroom, deslocou as operações comerciais com consumidor final, não contribuintes do ICMS, para vertente diferente daquela que ocorria predominantemente quando da promulgação da Constituição Federal de 1988; (...) que o imposto incidente sobre as operações de que trata este protocolo é imposto sobre o consumo, cuja repartição tributária deve observar esta natureza do ICMS, que a Carta Magna (...) assegurou às unidades federadas onde ocorre o consumo da mercadoria ou bem; (...) a substancial e crescente mudança do comércio convencional para essa modalidade de comércio, persistindo, todavia, a tributação apenas na origem, o que não coaduna com a essência do principal imposto estadual, não preservando a repartição do produto da arrecadação dessa operação entre as unidades federadas de origem e de destino, resolve celebrar o seguinte Protocolo ...”

Curioso que a Lei Complementar 24/75, sobre a qual todos sempre falam, ainda porque o STF sempre julga as inconstitucionalidades de leis estaduais com base nela, somente trata de isenções. Como a matéria objeto do Protocolo ICMS 21 não versa sobre isenções ou desonerações de qualquer espécie, logo inaplicáveis as regras da referida Lei Complementar.

Pior é que o Regimento Interno do Confaz, em seu art. 38, I, dispõe que dois ou mais Estados e Distrito Federal poderão celebrar entre si Protocolos estabelecendo procedimentos comuns visando a implementação de políticas fiscais. Foi o que fizeram. Alteraram a Constituição Federal pois, nos termos do art. 40 do Regimento, obtida a manifestação favorável da maioria dos representantes da Comissão Técnica Permanente (COTEPE/ICMS) e uma vez assinado pelos signatários, basta sua publicação no Diário Oficial da União para ganhar vigência.

O que estabeleceram por Protocolo já encontra previsão na Constituição Federal, no art. 155, § 2º, VII, “a”. Entretanto, aplicável apenas quando o destinatário (adquirente) no outro Estado é indústria ou comércio, contribuinte do ICMS, caso em que a alíquota aplicável é a interestadual (7% ou 12%, conforme o caso), hipótese em que cabe a este o recolhimento da diferença entre a alíquota interna ou interestadual, ou seja, 10% ou 11% (diferença entre 17% e 7% ou 18% e 7%), ou, mesmo 5% ou 6% (diferença entre 17% e 12% ou 18% e 12%). Agora, estenderam esse critério, contra expressa previsão constitucional, às operações destinadas a consumidores finais.

Veja-se um exemplo prático: no dia 23 de maio passado o Governador do Ceará promulgou um Decreto (30542) invocando como fundamentação, ipsis litteris, todas as consideranda do Protocolo 21 para, na sequência, decretar que na entrada de mercadorias ou bens procedentes dos 18 Estados signatários do referido Protocolo (AC, AL, AP, BA, CE, DF, ES, GO, MA, MT, PA, PB, PE, PI, RN, RO, RR e SE) em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de internet, telemarketing, showroom ou qualquer outra modalidade, aquele Estado exigirá a parcela do ICMS devida na operação interestadual.

O que significa isto? Que o vendedor, além de ter calculado o ICMS à alíquota interna (17% ou 18%, conforme o Estado em que estabelecido, nos termos da Constituição Federal, art. 155, § 2º, VII, “b”), deverá pagar, quando a mercadoria cruzar a fronteira do Ceará, a diferença de 10% ou 11%.

Pior, estenderam essa mesma exigência também às entradas de mercadorias provenientes dos Estados não signatários desse Protocolo (SP, MG, RJ, MS, RS, SC, PR, AM e TO).

Como o Decreto cearense previu que o ICMS é exigível no momento do ingresso da mercadoria ou do bem em seu território, consequência prática é que as mercadorias que lá ingressam sem a comprovação do pagamento do imposto àquele Estado são apreendidas até que a diferença do imposto, inobstante inconstitucional, ilegal e abusiva seja paga. Qual a alíquota nominal do imposto pago pelo vendedor? Simples: 27% (17 + 10%) ou 28% (18% + 10%). Grandes empresas já ajuizaram Ação Direta de Inconstitucionalidade contra essa inqualificável sandice.

No final do mês de maio passado o STF julgou 14 Ações Diretas de Inconstitucionalidades propostas contra leis e decretos promulgados por sete Estados Federativos (SP, RJ, PR, ES, PA, MS e DF), alguns dos quais concediam benefícios tais como redução da alíquota do ICMS, redução do saldo devedor e da base de cálculo em operações internas e interestaduais.

O fundamento constitucional para a decisão do STF assentou-se no art. 155, § 2º, XII, g, segundo o qual cabe à Lei Complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. E a Lei Complementar em questão é a 24/75. Dessa decisão do STF promanam efeitos. Para os contribuintes beneficiados por normas jurídicas julgadas inconstitucionais, um deles pode ser a obrigatoriedade de devolução, com multa e juros, do valor do benefício utilizado nos últimos cinco anos.

Assim, o ponto de confluência dos três temas abordados centra-se numa gradual retomada, pelo STF, de um Estado Constitucional conduzido sob o império da Constituição Federal, onde o cumprimento da ordem jurídica vem sendo exigido por decisões cada vez mais ousadas daquela Corte, necessárias enquanto uma reforma tributária profunda não vem, capaz de retirar dos Estados poder de utilizar o ICMS como imposto regulatório — que não é e eles não detêm —, manifestado em Leis, Decretos e Protocolos inóquos celebrados contra a Constituição e contra o equilíbrio federativo.

(*) Adonilson Franco é advogado especializado em Direito Tributário.

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