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Qual país espera Dilma Rousseff?

Por Marcello Cavalcanti Barra (*) | 03/01/2011 09:54

O desenvolvimento do Brasil é a questão central que está colocada na posse da presidente eleita Dilma Rousseff. Dois projetos disputam sua decisão: o nacional-desenvolvimentismo e o exportador de bens primários.

A adesão de Dilma ao nacional-desenvolvimentismo significa a desvalorização do real e a redução das taxas de juros. No projeto de país exportador de bens primários - mercadorias agrárias e minerais -, tanto o câmbio, como os juros podem ser mantidos no patamar atual.

A distribuição da renda, a questão ambiental e as relações exteriores do Brasil mostram as contradições entre os dois caminhos. Comparando-se os dois modelos, a distribuição de renda é bem maior no nacional-desenvolvimentismo.

Isso acontece porque este caminho requer uma força de trabalho mais qualificada, ao sofisticar, diversificar e industrializar a economia brasileira. No nacional-desenvolvimentismo há um crescimento da renda, possibilitando a ascensão social de pessoas da classe baixa, com a expansão da classe média. Todavia, esse projeto só é possível com investimento maciço em educação.

O modelo exportador de bens primários é o mais nocivo ao meio ambiente, pois requer o uso de grandes espaços. O nacional-desenvolvimentismo também tem impacto ambiental, porém é mais concentrado territorialmente. Utilizando-se técnicas apropriadas de controle ambiental e com meios democráticos de controle socioambiental, o impacto pode ser bastante mitigado no nacional-desenvolvimentismo, em grau consideravelmente maior do que na alternativa exportadora de bens primários. Ademais, com queda nos juros, medidas devem ser tomadas contra atividades ambientalmente nocivas do setor primário-exportador.

O modelo exportador de bens primários é o que menos altera as relações exteriores do Brasil. Se autoridades norte-americanas e chinesas tivessem que escolher, certamente ficariam com essa opção, pois representa uma manutenção do perfil comercial do país. O nacional-desenvolvimentismo pode levar o Brasil não apenas a ser o quinto país mais rico do mundo, como também ser uma das maiores democracias de fato. Entretanto, se este modelo não for politicamente mediado por princípios democráticos, há o risco de práticas internas de “crescimento do bolo para depois dividir” e relações externas subimperialistas, prejudiciais ao desenvolvimento de países mais pobres.

O que deve prevalecer para Dilma? A história e a formação da presidente indicam a possibilidade de ter convicção pelo rumo do desenvolvimento. Convicção em política significa coragem e firmeza para lutar por uma causa. Se, além disso, o governo também tiver habilidade política, o impacto será muito melhor para Dilma Rousseff. A projeção da futura presidente junto aos brasileiros será bem maior no nacional-desenvolvimentismo. Mas para isso ela terá que cortar as amarras com financiadores de campanha, em grande medida do setor primário-exportador.

O cenário econômico e político de Dilma é mais complexo que o de Lula. Enquanto Lula teve juros elevados, Dilma ainda tem um problema mais urgente: o câmbio. Os juros altos diminuem o investimento, já o câmbio valorizado asfixia e leva à morte da indústria, pela concorrência predatória dos importados. Com Lula o Brasil ampliou o peso dos bens primários na balança comercial. Houve industrialização, mas basicamente orientada ao mercado interno.

Para seguir o nacional-desenvolvimentismo, Dilma precisará de força e habilidade política. Enquanto o carisma de Lula está associado à comunicação imediata com as massas, Dilma tem perfil técnico. Portanto, garantir os altos índices de aprovação de Lula por aquele meio será difícil para a nova presidente. O único caminho possível para ela é alcançar resultados palpáveis à população. O risco é que esses resultados não melhorem substancialmente as condições de vida dos brasileiros.

Neste primeiro momento do governo Dilma, a força política está garantida pela sua própria votação. Já a habilidade política do governo deve ser garantida pelos operadores que recrutou para tal, mas dirigidos por ela.

Cada um desses modelos fortalece diferentes forças sociais. Seguir mais uma rota em detrimento da outra dependerá do dinamismo da organização social.

Por um lado, pelas profundas raízes na história brasileira, que distam ao período colonial, o setor exportador de bens agrários e minerais está embrenhado nas estruturas políticas do Estado brasileiro. Por não se confrontar à política de juros elevados e ao atual perfil das relações comerciais, o modelo correspondente está associado ao setor financeiro e aos países mais ricos (EUA e China).

Por outro lado, grandemente conectada ao aumento da renda e a melhoras na educação, a ascensão da classe média brasileira sinaliza que outro rumo poderá ser tomado. Se a classe média for mobilizada pela presidente com partes do setor industrial e de serviços, o nacional-desenvolvimentismo vencerá.

(*) Marcello Cavalcanti Barra é pesquisador, do grupo Ciência, Tecnologia e Educação na Contemporaneidade, do Departamento de Sociologia, da Universidade de Brasília. É mestre em Sociologia pela UnB e administrador pela USP, quando em ambos foi bolsista do CNPq. Fez aperfeiçoamento na Columbia University em Nova York e City University em Londres. Trabalha com os temas comunicação, banda larga, tecnologia, Amazônia, políticas públicas e gestão governamental.

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