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Quando os estudantes saem às ruas e o povo aplaude: lições e alertas

Por Célio da Cunha (*) | 21/08/2011 06:03

A recente mobilização dos estudantes universitários e da escola secundária do Chile por ensino gratuito e melhoria da qualidade da educação pode ser vista por diversos ângulos de análise, conforme o universo ideológico de cada observador.

A história tem mostrado que sempre que os estudantes saem às ruas e recebem apoio popular é importante proceder a uma reflexão mais profunda e dela extrair lições e aprendizagens. Disso, são exemplos o maio de 1968 na França e os caras-pintadas no Brasil.

Um movimento de protesto dos estudantes chilenos que consegue mobilizar mais de 100 mil pessoas e chamar a atenção da imprensa de vários países, liderado por Camila Vallejos, uma jovem universitária do curso de geografia que tem a coragem e a clareza de dizer que “nós, os estudantes, estamos dando um exemplo, sem o medo que acometia nossos pais”¹ revela um sintoma que precisa ser considerado em toda a sua extensão.

Como bem lembrou Barrionuevo em oportuno artigo no The New York Times, o Chile, aos olhos do mundo externo, parece ser um modelo de coerência e administração fiscal prudente, mas, no país, existe uma insatisfação profunda com o modelo neoliberal e suas consequências para quem não faz parte da elite econômica.

Nessa mesma direção também se manifestou o sociólogo Miguel Urrutia, da Universidade do Chile, argumentando que a desigualdade da sociedade chilena é a chave para entender os protestos. A principal demanda dos movimentos sociais que vêm protestando é que todos os chilenos desfrutem da riqueza e dos avanços que o país teve, mas que se limitam a um pequeno setor da sociedade².

É certo que o Chile logrou muitos avanços em vários setores. Avanços que admiramos. Na educação, por exemplo, a experiência chilena tem sido, nos últimos anos, objeto de vários estudos, servindo mesmo de modelo e inspirações de políticas pedagógicas a vários países. Para muitos, essa explosão de protestos com prisões e violências múltiplas, configurou-se como uma surpresa.

No entanto, este novo milênio que começamos a viver há pouco mais de uma década já não confia tanto nas promessas de justiça e solidariedade herdadas do Iluminismo e que não foram cumpridas. As novas gerações querem respostas e se mostram dispostas a lutar por elas, sem medo, como disse a líder do movimento.

Que lições podemos tirar dos protestos dos estudantes chilenos? As novas gerações querem que a cidadania se universalize, querem ser protagonistas de utopias possíveis. Querem “o direito de ter direitos” e reconhecem os seus deveres. Esta lição, que também deve ser uma aprendizagem fundamental do nosso tempo, está à vista. Ignorá-la é colocar o futuro em situação de risco.

As novas gerações que se defrontam com injustiças, desigualdades e assimetrias se mostram também dispostas ao diálogo. Diálogo responsável. Nossa época é a de “sociedades abertas” que requerem audiências públicas de todas as vozes.

Certamente não será da noite para o dia que os ajustes se processarão. Não os ajustes estruturais da economia, que são limitados, mas os ajustes em torno da idéia de desenvolvimento humano e de respeito à diversidade.

Como fica a universidade nesse processo? Com todos os seus problemas, e não são poucos, a universidade é a instituição mais ética da história da cultura humana. Nessa condição e, com a experiência de mais de oito séculos, a universidade precisa repensar-se e enfrentar os desafios da crise que estamos vivendo.

A sua inteligência deve urgentemente ser colocada como bem público a serviço dos que mais necessitam. Como fazer isso? Deixando o corporativismo de lado e planejando-se como protagonista pró-ativo de um milênio que tem crescente consciência de que alguns dogmas do desenvolvimento não são mais do que mitos e falácias.

(*) Célio da Cunha é professor adjunto na Faculdade de Educação, da Universidade de Brasília e membro do Conselho Editorial das revistas Linhas Críticas (UnB), Ensaio(Fundação Cesgranrio) e Política e Administração da Educação(Anpae).

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