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Saúde mental dos profissionais de saúde no contexto da covid-19

Franciele Savian Batistella (*) | 21/09/2020 13:13

2020 é o ano em que uma pandemia parou o mundo, que está matando milhares de pessoas; ano em que muitos processos de trabalho mudaram a fim de se adequar à nova realidade imposta. Isso tudo por causa de um vírus que desafia a capacidade de resposta dos sistemas de saúde e coloca em questão nosso modo de viver, os hábitos que adquirimos, a velocidade com que nos locomovemos, as trocas por segundo que fazemos. Um vírus que coloca em crise nossa forma e nosso modo de estar no mundo. Pairam, de maneira potencializada, a incerteza, a dúvida e as inseguranças em relação àquilo que entendemos como presente e futuro.

Nesse cenário pandêmico, milhares de profissionais de saúde – em sua maioria mulheres – estão na linha de frente da assistência, arriscando suas vidas e realizando suas atividades com uma carga de trabalho excessiva. Muitos profissionais e sindicatos relatam condições de trabalho precarizadas, higiene inadequada, jornadas extenuantes, falta de treinamento e insuficiência ou indisponibilidade de equipamentos de proteção individual. Ainda, segundo o relatório do International Counsil of Nurse (2020), o Brasil é o país em que mais morrem trabalhadores de enfermagem do mundo.

Nesse período de pandemia, ocorreu, entre os profissionais de saúde, aumento da prevalência de Transtornos Mentais Comuns (TMC), entre eles fadiga, agressividade, estresse agudo, episódios de pânico, até a manifestação de preditores de estresse pós-traumático (TEPT), depressão e ansiedade. Essa prevalência foi associada à exposição constante de notícias sobre a covid-19 em mídias sociais.

O cenário discursivo que trata os profissionais de saúde como heróis implica um processo que pode desumanizá-los, e as fake news, que aumentaram com a pandemia, também podem afetar de maneira negativa a saúde mental dos profissionais de saúde.

Entre os que atuam em hospitais e unidades básicas, há registros de exaustão, redução da empatia, ansiedade, irritabilidade, insônia e decaimento das funções cognitivas e do desempenho.

Como se não bastasse, houve um aumento de violência a esses profissionais, como ameaças, hostilidades e agressões. Passaram também a ser vítimas dessas violências extramuros de seus locais de trabalho, sofrendo com o estigma e a discriminação, pois muitas vezes são vistos como possíveis transmissores do vírus.

Todo esse cenário demonstra um estado de crise ou, como tem sido chamada, de uma catástrofe sanitária e psicossocial resultante da superposição e interpenetração das catástrofes sanitária e social.

 Uma das perguntas que fica é o que pode uma sociedade que produz discursos muitas vezes midiáticos que supervalorizam seus profissionais de saúde os comparando a heróis, que das sacadas dos prédios produz aplausos e agradecimentos, mas que, ao mesmo tempo, trata seus profissionais de saúde com tanto desprezo, desrespeito e desvalorização, se negando, por exemplo, a usar máscaras em ambiente público, a fazer isolamento ou distanciamento social? O que podem essas contradições dizer, narrar sobre nós e sobre o que estamos vivendo?

As respostas estão em processo. Suponho que seja preciso pensá-las coletivamente numa reflexão profunda do que queremos para o mundo e para as nossas relações enquanto sociedade/civilização. A velocidade com que a pandemia de covid-19 nos afeta coloca proporcionalmente em questão a capacidade de os sistemas de saúde responderem aos desafios impostos.

Uma pista é que de fato vivemos uma crise/catástrofe sanitária e psicossocial que evidencia cada vez mais a inter-relação entre questões ambientais, econômicas, sociais, políticas e culturais, e em que a saúde mental dos profissionais de saúde pode ser um importante analisador/termômetro de como temos lidado e como podemos lidar com esses processos.

Como apontado em diferentes pesquisas, há a necessidade de se produzirem estratégias e dispositivos coletivos que sejam capazes de ressignificar este momento. Instituições públicas e privadas, governos e sociedade precisam valorizar e respeitar os profissionais de saúde, sendo de considerável importância a implementação e a garantia de políticas que permitam a assistência de saúde/saúde mental adequada a esses trabalhadores, que, longe de serem super-heróis, são pessoas que com seus corpos têm mediado os efeitos trágicos de uma pandemia.


(*) Franciele Savian Batistella é enfermeira e doutoranda em Enfermagem.

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