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Saúde mental é construção coletiva

Por Elisa Reifschneider (*) | 12/09/2025 08:30

O dia 10 de setembro, marco internacional de prevenção ao suicídio, é um convite para reflexão. O suicídio figura entre as principais causas de morte de jovens de 15 a 29 anos no Brasil. Por trás dos números, há trajetórias interrompidas e uma pergunta incômoda: por que a juventude, fase da vida tantas vezes associada a futuro e vitalidade, é também território de sofrimento extremo?

Parte da resposta está nas transformações sociais que redefinem o cotidiano dos jovens. A pressão por desempenho escolar e profissional, a instabilidade econômica e incertezas sobre o mercado de trabalho, a violência urbana e simbólica, as redes sociais (onde comparação, exposição, desinformação e bullying se intensificam), estes e outros fatores formam um contexto que amplia a vulnerabilidade psíquica.

Falar em prevenção exige ir além da ideia de que basta fortalecer a resiliência individual. Sim, devemos fortalecer a resiliência, mas o sofrimento não nasce no vazio, ele é tecido pelas condições precárias de vida, pela desigualdade, racismo e violência de gênero, pela ausência de horizontes de pertencimento e futuro. Existem, sim, transtornos mentais graves na juventude e, aos que enfrentam esse desafio, é necessário prover atendimento especializado de qualidade, mas é preciso também ter um olhar mais amplo.

Um equívoco recorrente é transformar o tema em responsabilidade exclusiva do jovem: “procure ajuda”, seja “mais forte”, saiba “lidar com a pressão”. Esse deslocamento desresponsabiliza instituições e amplia a carga de culpa sobre quem já está fragilizado. Sim, é necessário buscar ajuda, mas a prevenção requer ações mais extensas: que escolas, universidades, famílias e comunidades se tornem espaços de acolhida, de escuta e de vínculos significativos; que serviços de saúde mental sejam acessíveis, não estigmatizantes, culturalmente sensíveis; que políticas públicas de juventude não ignorem que desigualdade social e sofrimento psíquico se entrelaçam.

Discutir prevenção do suicídio significa reconhecer que não estamos diante de um problema privado somente, mas de uma questão coletiva e política. A juventude não precisa apenas de mensagens de esperança. Precisa de condições concretas para viver com alguma perspectiva positiva. É preciso remediar o abandono social que recai sobre tantos jovens.

E ainda que seja essencial considerar os determinantes sociais da questão, precisamos também agir. Localmente, imediatamente, com o que há disponível. Professores: nas disciplinas que vocês ministram, onde é possível falar de fatores que influenciam a saúde mental? Construções seguras e inclusivas, eixo intestino-cérebro, garantia de acesso a direitos, cooperação e negociação, ergonomia, prevenção do bullying, atividades comunitárias, exercício físico, benefícios da interação com animais, nutrição saudável, mudanças hormonais, segurança na internet, lideranças minoritárias, clima organizacional, identidade cultural... Há conteúdo com aspectos de saúde mental embutidos em várias disciplinas. Encontre-o. Utilize-o.

Profissionais de saúde mental: a prevenção de crises demanda competências específicas, busque capacitação. Há vários canais com informações seguras, científicas e acessíveis. E se você faz parte da estrutura de conselhos regionais: defenda a categoria. Famílias: busquem incentivar a expressão emocional de meninos, possibilitem a expansão de papéis sociais das meninas, reflitam sobre expectativas, aprendam sobre educação não violenta, sejam espaço de acolhida.

A sobrecarga é imensa, eu sei, às vezes tudo que dá para fazer é completar o dia. Mas promover saúde mental não é apenas objetivo de consultórios, prevenir o suicídio não é apenas para serviços e linhas de emergência. É uma escolha radical: criar ambientes que valorizem a diversidade, combatam exclusões, ofereçam espaço para recomeçar, incentivem a construção conjunta, normalizem a procura de ajuda, permitam a busca de sentido, promovam pertencimento.

Essa tarefa é coletiva, é compartilhada e é nossa.

(*) Elisa Reifschneider é psicóloga clínica do Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos da Universidade de Brasília (CAEP/IP/UnB). Coordenadora do Grupo Entrelinhas

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.