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Subtrair espaços à incerteza

Por José Graziano Silva (*) | 12/08/2011 16:07

A palavra incerteza comanda a agenda do nosso tempo, e tão cedo não perderá essa prerrogativa.

Ela reflete a disseminação de um estado de espírito trazido da crise financeira para a vida política e dela para o cotidiano, onde a volatilidade passou a ditar a tônica dos nossos dias. Revogá-la pressupõe a sedimentação progressiva de zonas de segurança que permitam convergir expectativas por meio do planejamento democrático de um futuro mais sustentável.

A segurança alimentar é um dos elos desse cinturão regenerador capaz de devolver à sociedade o comando do seu destino.

Num momento em que a recuperação mundial caminha com as pernas trôpegas, a agenda da segurança alimentar contempla a urgência dos famintos e oferece um pedaço de chão firme do qual se ressente a humanidade.

Combater a fome significa investir em produção, gerar renda e emprego e reduzir pressões inflacionárias em escala global, injetando coerência à macroeconomia da retomada do crescimento.

Seria um despropósito tratá-la como tema lateral à agenda da crise. Coordenar fluxos de oferta e demanda de alimentos com menor inflação de preços, num horizonte demográfico de 9 bilhões de bocas em 2050, não pode ser obra do improviso nem de automatismos cegos de mercados desregulados.

Trata-se de uma delicada operação de engenharia política e de conhecimento técnico que evoca a mobilização ecumênica das forças do mercado, do governo e da sociedade. A experiência bem-sucedida de um amplo programa de segurança alimentar implantado no Brasil desde 2003, com mais de 50 ações e iniciativas desdobradas a partir do Fome Zero, justifica o otimismo.

Nas dimensões expandidas da escala global, o desafio convive igualmente com trunfos para alavancar a sua reversão.

Potencialidades acionáveis pela comunidade internacional de escala modesta perto do socorro à crise do sistema financeiro teriam evitado a emergência alimentar no Chifre da África. O alerta foi feito pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) há mais de dois anos. Possibilitariam, ademais, estreitar um hiato de produtividade agrícola que o mercado sozinho não fechará.

A disparada dos preços dos cereais em 2008 elevou a produção dos países ricos em quase 13%; nas economias pobres e em desenvolvimento, o efeito limitou-se a 3,5%. Excluídos Brasil, China e Índia, foi de menos de 0,5%.

O gasto com comida representa em média mais da metade do orçamento familiar das populações mais pobres. É fácil depreender a espiral de turbulência que cada soluço altista acarreta à existência de quem vive à beira do abismo.

Desde março o índice de preços internacionais de alimentos da FAO permanece praticamente estável. Mas quase 40% acima do patamar de 2010.

Tão ou mais grave que o novo degrau dos preços dos alimentos é a volatilidade. Enquanto o mundo busca novos consensos regulatórios, a mitigação das oscilações terá que ser enfrentada com o manejo dos estoques mundiais, associado ao esforço de produção nos polos mais vulneráveis.

Uma dimensão imediatamente resgatável ao domínio da incerteza é a transparência sobre as disponibilidades físicas de alimentos, hoje administradas em grande parte por corporações privadas.

A exemplo do que ocorre com estoques de vacinas, indispensáveis à sobrevivência humana, a transparência, neste caso, é um direito da sociedade e um dever dos mercados. O Estado deve regulá-la democraticamente.

(*) José Graziano Silva é representante regional da FAO para América Latina e Caribe e diretor-geral eleito da instituição para 2012-2015.

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