ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram Campo Grande News no TikTok Campo Grande News no Youtube
NOVEMBRO, SEGUNDA  24    CAMPO GRANDE 31º

Cidades

Comunidades terapêuticas não são vilãs, diz federação após mais uma interdição

Desde 2023, instituições de Campo Grande e cidades do interior vêm sendo fechadas após fiscalização

Por Cassia Modena | 24/11/2025 14:02
Comunidades terapêuticas não são vilãs, diz federação após mais uma interdição
Atividades domésticas são parte de terapia: acolhido recolhe folhas em frente à instituição onde mora provisoriamente para se tratar de vício (Foto: Osmar Veiga)

O Bairro Chácara dos Poderes, próximo à saída de Campo Grande, virou reduto de comunidades terapêuticas nas últimas décadas. A região fica no limite do perímetro urbano da cidade, quase não tem ruas asfaltadas e está isolada de comércios, residenciais e de pontos de ônibus.

RESUMO

Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!

Comunidades terapêuticas em Campo Grande enfrentam desafios financeiros e de fiscalização. Nos últimos dois anos, pelo menos quatro instituições foram fechadas na capital sul-mato-grossense devido a irregularidades estruturais e assistenciais. A Federação de Comunidades Terapêuticas defende mais recursos e apoio governamental. As entidades, que atendem dependentes químicos e pessoas com transtornos mentais, recebem R$ 1,3 mil por acolhido da prefeitura, valor considerado insuficiente pelos gestores. O Estado não contribui financeiramente, e das 315 vagas sociais disponíveis na cidade, apenas 15 são destinadas ao público LGBT, distribuídas entre 11 comunidades.

Elas recebem um grupo que a maioria da população, num olhar segregador, quer ver distante da parte mais habitada da cidade: dependentes químicos e pessoas com transtornos mentais associados ao uso de álcool e drogas. Lá, eles podem morar por até um ano e têm direito a um tratamento para se livrar dos vícios baseado, principalmente, na convivência entre iguais. A entrada é voluntária. O funcionamento é financiado por convênios com o poder público.

Desde 2023, instituições desse e de outros bairros vêm sendo fechadas na Capital por diferentes forças-tarefas feitas com integrantes do MPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), Defensoria Pública Estadual, MPF (Ministério Público Federal), MPT (Ministério Público do Trabalho), MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) e Vigilância Sanitária, entre outras instituições. A última interdição ocorreu há seis dias, em 18 de novembro.

Comunidades terapêuticas não são vilãs, diz federação após mais uma interdição
Fiscalização conversa com acolhido da comunidade Associação Nova Criatura, da Capital, fechada neste mês (Foto: Divulgação/Defensoria Pública de MS)

Pelo menos quatro foram fechadas nos últimos dois anos em Campo Grande, além de uma em Dourados e duas em Fátima do Sul, conforme casos que o Campo Grande News já mostrou. Os motivos vão desde estrutura precária, ausência de profissionais de saúde, suspeita de superdosagem de medicamentos e atendimento a pessoas que deveriam estar em clínicas de reabilitação ou ocupando leitos psiquiátricos em hospitais habilitados.

Necessidade de mais recursos - Na vice-presidência do Esquadrão da Vida, uma comunidade terapêutica aberta há 26 anos na Capital, está o pastor e advogado Otoni César, que atualmente também é o presidente da Fesmact (Federação de Comunidades Terapêuticas de Mato Grosso do Sul). Com o pastor Samir Zayed, que é presidente do local e também já comandou a entidade estadual, ele falou nesta segunda-feira (24) sobre os fechamentos, sobre a necessidade de mais recursos e sobre a imagem negativa que afeta as unidades como um todo.

Otoni primeiro explica que as comunidades precisam seguir a RDC (Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária) nº 29/2011 da Anvisa, e diz que a maioria cumpre, enquanto a minoria realmente comete falhas graves.

Comunidades terapêuticas não são vilãs, diz federação após mais uma interdição
O pastor e advogado Otoni César, atual presidente da Federação (Foto: Osmar Veiga)

"A gente defende o trabalho de vistorias que está sendo feito. Agora, se foram encontradas irregularidades, é natural que as comunidades tenham uma contrapartida dos órgãos públicos, tenham direito à defesa e ao contraditório, um tempo para se readequarem", complementa.

A Federação não tem o papel de fiscalizar, mas presta orientação às instituições sobre os requisitos mínimos para funcionarem. Atualmente, são 11 as federadas no Estado, sendo a maioria de Campo Grande, todas elas conveniadas com a prefeitura.

Sobre a necessidade de mais recursos, o pastor Otoni dá como exemplo o caso do Esquadrão, que recebe R$ 1,3 mil por acolhido da Prefeitura de Campo Grande, mas só consegue se manter porque utiliza reservas de caixa e recebe doações de entidades como a Ceasa/MS (Centrais de Abastecimento de Mato Grosso do Sul) e o Sesc (Serviço Social do Comércio), por exemplo. A boa estrutura e organização que a comunidade tem hoje foram construídas em épocas mais favoráveis, segundo Samir, que é ex-usuário de drogas e seu fundador.

Comunidades terapêuticas não são vilãs, diz federação após mais uma interdição
O também pastor Samir Zayed, ex-presidente da Federação (Foto: Osmar Veiga)

A expectativa para melhorar as finanças é o lançamento de um edital de financiamento que o Governo Federal está para lançar. A última oportunidade de subsídio da União foi encerrada em 2023, segundo acompanham Otoni e Samir. "Melhorias que conseguimos fazer e os recursos que guardamos vêm da época do último edital", acrescenta o presidente do Esquadrão.

Os pastores acreditam que não somente prefeituras e Governo Federal, mas também o Governo Estadual deveria contribuir com o financiamento. "Não dá um centavo. Poderia investir em projetos, no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) Álcool e Drogas, em criar uma casa de recuperação. Ele não investe", critica Otoni.

O número de vagas para acolhimento também está em descompasso com a quantidade de pessoas que precisam dessa assistência hoje nas cidades.

Comunidades terapêuticas não são vilãs, diz federação após mais uma interdição
Pastor mostra rotinas que acolhidos seguem no Esquadrão da Vida (Foto: Osmar Veiga)

Se forem 3% de pessoas usuárias de álcool e drogas em uma cidade, a Campo Grande de quase 1 milhão de habitantes teria pelo menos 30 mil pessoas. Mas sabe quantas vagas sociais existem? 315 em Campo Grande, e são 315 repartidas em 11 comunidades terapêuticas, sendo que 15 vagas são para o público LGBT, e as demais divididas entre as outras 10 comunidades", detalha Samir.

O presidente da Fesmact acredita que o poder público não daria conta de gerir uma comunidade terapêutica com recursos tão escassos. "Se a nossa fosse pública, meu Deus, que valor seria? O que nós mantemos aqui, o Município gastaria aí pelo menos R$ 400 mil por mês. Tranquilamente", compara.

O Ministério Público também deveria atuar de forma mais incisiva, cobrando maior fiscalização e recursos para combater o abuso de drogas e álcool, acrescenta o pastor. Paralelamente a isso, o Estado precisa olhar para as vantagens econômicas de recuperar um usuário de drogas. "Deveria pensar que, pelo menos aquele cidadão ali, em vez de ficar roubando, matando, abusando, espancando a esposa, destratando os filhos e não trazendo nada para dentro de casa, pode se tornar um cidadão economicamente ativo. Ter um salário para ir a um comércio e estabelecer o círculo financeiro da sociedade, pagar INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) e ter FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço)", afirma Otoni.

Comunidades terapêuticas não são vilãs, diz federação após mais uma interdição
Acolhidos fazem pão em comunidade que tem forno industrial (Foto: Osmar Veiga)

Imagem negativa - Quanto à imagem ruim que desvios de verbas e outras irregularidades estão produzindo nacionalmente sobre as comunidades terapêuticas, o pastor defende que as instituições regulares devem ser mantidas abertas e precisam ser mais apoiadas pelo poder público, porque não são vilãs e serão ainda mais necessárias com a descriminalização do porte de drogas.

 "O que temos visto na sociedade são pessoas com transtornos mentais graves porque a maconha é a maior porta de entrada da esquizofrenia paranoica. A gente vê que essa estrutura está criando uma sociedade altamente doente, com transtornos mentais", opina Otoni.

A reportagem questionou a assessoria de imprensa do Governo de Mato Grosso do Sul sobre o investimento em comunidades terapêuticas e outras políticas de recuperação de dependentes químicos, mas não houve resposta até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto.

Comunidades terapêuticas não são vilãs, diz federação após mais uma interdição
Internos em área de convivência do Esquadrão da Vida (Foto: Osmar Veiga)

Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.