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Cidades

Grilagem de terras no Pantanal corresponde a 10 mil campos de futebol

Casos foram identificados após investigação de incêndios na planície; muitos se repetem

Por Lucia Morel | 17/11/2025 06:39
Grilagem de terras no Pantanal corresponde a 10 mil campos de futebol
Cena emblemática: Pantanal pegando fogo (ao fundo) durante a festa do Banho de São João, em Corumbá. (Foto: Reprodução)

Em três operações distintas entre outubro do ano passado e este ano, a Polícia Federal identificou grilagem de terras no Pantanal em área correspondente a 10 mil campos de futebol. São 9.933,23 hectares do bioma sendo usados irregularmente e de forma fraudulenta para supostos benefícios e enriquecimento dos investigados.

RESUMO

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A Polícia Federal identificou grilagem de terras no Pantanal em área equivalente a 10 mil campos de futebol, totalizando 9.933,23 hectares. As descobertas ocorreram durante três operações distintas entre 2023 e 2024, após investigações de incêndios recorrentes na região desde 2020. As operações Prometeu, Arraial de São João e Terra Nullius resultaram em bloqueios de bens que somam mais de R$ 253 milhões. Os casos envolvem apropriação ilegal de terras públicas, uso de queimadas para manejo irregular do solo e exploração pecuária em áreas de preservação permanente nas regiões de Corumbá e Aquidauana.

Todos os casos foram identificados após investigações de incêndios na planície, muitos deles recorrentes desde 2020. As três operações analisadas pela reportagem são a Operação Prometeu, deflagrada em setembro do ano passado, a Operação Arraial de São João, em outubro do mesmo ano, e a Operação Terra Nullius, em maio deste ano.

A Operação Prometeu, deflagrada em setembro de 2024, mirou o ciclo de incêndios criminosos e exploração ilegal na região de Corumbá. Os alvos principais são os fazendeiros João Fernandes Filho, Tatiana Saab Pereira Fernandes e Fernando Fernandes, que controlavam as fazendas São Bento e Quatro Irmãs, localizadas em uma vasta área conhecida como Gleba Ipê-roxo.

A investigação da PF (Polícia Federal) apontou que o grupo teria se apropriado ilegalmente de mais de 6.421 hectares de terras devolutas da União para a pecuária, utilizando queimadas recorrentes para limpar o pasto, especialmente após a seca de 2019.

O Poder Judiciário Federal determinou medidas duras contra os investigados. Além da ordem de desocupação imediata e pousio da área para que a regeneração natural do Pantanal possa ocorrer, foi decretada a indisponibilidade de bens do trio no valor de R$ 212.479.188,44 para garantir a futura indenização por danos ambientais e a restituição de lucros obtidos ilicitamente.

A Justiça também ordenou o bloqueio dos cadastros dos réus na Iagro (Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal), visando inviabilizar a continuidade da exploração pecuária ilegal.

Os réus alegam que a posse da área é legítima, mansa, pacífica e contínua desde o período de 1970 a 1973 (totalizando mais de 50 anos) e que essa posse estaria amparada por uma cadeia possessória documentada. Eles também apresentam documentos que comprovam que a posse preenche os requisitos legais para a usucapião, ou seja, para a aquisição da propriedade pela posse prolongada, refutando a classificação de “grilagem” ou “mera detenção precária”.

Em relação aos incêndios e danos ambientais, negam qualquer responsabilidade, alegando que não eram possuidores das áreas à época dos fatos e que os focos de incêndio teriam se iniciado em propriedades lindeiras (vizinhas).

Arraial de São João - O caso conhecido como "Muralha de Fogo" foi enquadrado na Operação Arraial de São João e investiga a ocupação e danos ambientais de Carlos Augusto de Borges Martins e seus três filhos:  e os filhos Carlos Augusto Alves Martins (conhecido como Capim), Carlos Roberto Alves Martins e Damião Alves Martins, na região do Retiro Tamengo, também em Corumbá.

Este caso é particularmente sensível por envolver a exploração de terras públicas e APPs (Áreas de Preservação Permanente) em uma região adjacente ao Rio Paraguai, próxima à captação de água da cidade.

Grilagem de terras no Pantanal corresponde a 10 mil campos de futebol
Operação Prometeu: área que seria pública, de 6.419 hectares, sendo utilizada para pecuária. (Foto: Divulgação)

A investigação, conduzida pelo Ministério Público Federal, apurou o uso de queimadas e a criação de gado em aproximadamente 1.287,23 hectares de terras públicas. Em juízo de reconsideração, a Justiça Federal decretou a indisponibilidade de bens dos quatro membros da família no valor de R$ 40.770.358,55, montante referente ao dano ambiental anual por ausência de serviços ecossistêmicos. A medida garante o ressarcimento dos prejuízos ambientais causados pela exploração ilícita do gado na área de preservação.

Em contraposição às acusações, os investigados argumentam que a ocupação da área é legal, que a posse é legítima e que o bloqueio do cadastro na Iagro e a indisponibilidade de bens são medidas sancionatórias indevidas, porque adotadas antes do julgamento final.

Terra Nullius - A Operação Terra Nullius teve como foco mandados em Campo Grande diante da tentativa de titulação fraudulenta da Fazenda Carandá Preto, de 2.225 hectares, em Aquidauana. Entre os investigados estão os empresários Mário Maurício Vasquez Beltrão e Bruna Feitosa Beltrão Novaes e os servidores da AGRAER (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural), Josué Ferreira Caetano e Jadir Bocato.

Embora as sentenças de restituição de bens desta operação não tenham decretado um novo bloqueio patrimonial (que já havia sido determinado em outra fase, mas cujos dados estão em sigilo), elas revelaram o confisco de veículos de luxo adquiridos com o proveito dos crimes.

Grilagem de terras no Pantanal corresponde a 10 mil campos de futebol
Equipe do Ibama em fiscalização em área desmatada irregularmente no Pantanal. (Nicélio Silva - Prevfogo/Ibama)

O valor total aproximado dos bens de alto padrão apreendidos e investigados como provenientes de lucros ilícitos (incluindo Dodge Ram, Toyota Corolla Cross, Nissan Frontier e um Volvo XC90) ultrapassa R$ 1,87 milhão. Em vários casos, a Justiça liberou os veículos apenas para uso dos requerentes, na condição de fiéis depositários, mantendo a restrição de transferência por fundadas dúvidas sobre a licitude da origem dos valores.

Os 9.933,23 hectares são aproximadamente 0,06607% da área total do Pantanal brasileiro, que tem 15.035.500,00 hectares.

Em andamento - O total de bens bloqueados nas ações civis públicas somadas (Prometeu e Arraial de São João) alcança a cifra de R$ 253.249.546,99, um valor que a Justiça exige como garantia para a reparação dos danos ambientais causados por menos de 10 mil hectares de grilagem.

Em outubro deste ano, a Polícia Federal deflagrou uma quarta operação contra a grilagem descoberta após queimadas, a “Freeloader”, mas a reportagem não conseguiu acesso aos autos. Nela, foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça Federal de Corumbá, sendo dois no próprio município e outros dois no Paraná.

De acordo com a PF, as investigações tiveram início após incêndios registrados em 2024 revelarem que uma área de fazenda na região era reiteradamente submetida a queimadas para manejo irregular do solo. O inquérito apontou que o imóvel em questão pertence à União, mas havia sido alvo de compra e venda fraudulenta, com uso de documentos falsos.

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