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Cidades

Línguas indígenas resistem em MS e guarani-kaiowá é a 2ª mais falada no Brasil

Total de comunidades que preservam idioma nativo sobe de 37 para 48 no Estado

Por Ângela Kempfer | 24/10/2025 11:44
Línguas indígenas resistem em MS e guarani-kaiowá é a 2ª mais falada no Brasil
Indígenas guarani-kaiowá durante protesto pedindo demarcação de terras ancestrais em fevereiro de 2024 (Foto: Helio de Freitas)

O Censo Demográfico de 2022, realizado pelo IBGE, registrou 295 línguas indígenas no Brasil. Mato Grosso do Sul tem a etnia com o segundo maior contingente de pessoas que ainda preservam a língua mãe: os guarani-kaiowá. Os dados foram divulgados nesta sexta-feira (24) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

RESUMO

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O Censo Demográfico de 2022 registrou 295 línguas indígenas no Brasil, com 474,9 mil falantes. O guarani-kaiowá, falado em Mato Grosso do Sul, é a segunda língua indígena mais utilizada no país, com 38.658 falantes, atrás apenas do tikúna, do Amazonas, com 51.978 pessoas. Apesar do aumento no número total de falantes desde 2010, o percentual de indígenas que utilizam línguas nativas caiu de 37,35% para 28,51%. Em MS, um projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa iniciou o processo de tombamento de sete línguas indígenas: guarani, kaiowá, terena, kadiwéu, kinikinau, guató e ofayé.

No total de 474,9 mil falantes no país, os Tikuna (AM) são os de maior número, com 51.978 falantes; os Guarani-Kaiowá (MS) somam 38.658, apesar de uma população de 58.457 pessoas, conforme o último censo, o que demonstra que cerca de 20 mil já não usam a língua originária.  Os Guajajara (MA) ficam em terceiro, com 29.212 pessoas.

Esses dados representam um aumento em relação ao Censo de 2010, que identificou 274 línguas e 293.853 falantes.

Em Mato Grosso do Sul, o número de indígenas que usam o guarani-kaiowá reflete a forte presença desse grupo no Estado, que batizou vários municípios, principalmente na região sul, como Ponta Porã (ponta bonita), Caarapó (raiz ou erva-mate) e Tacuru (cupim). A segunda língua mais falada por aqui é o terena, e a terceira é o kadiwéu.

A língua continua a ser um símbolo importante de identidade para as comunidades. Por isso, um projeto de lei aprovado ontem pela Assembleia Legislativa deu início ao processo de tombamento dessas línguas no Estado. As línguas incluídas são: guarani, kaiowá, terena, kadiwéu, kinikinau, guató e ofayé, algumas em processo de extinção, como as três últimas citadas.

Apesar de entre 2010 e 2022, dentro das Terras Indígenas brasileiras, ocorrer um aumento de falantes de língua indígena entre as pessoas de cinco anos ou mais, de 293.853 para 433.980 falantes, percentualmente, ocorreu uma redução entre 2010 (37,35%) e 2022 (28,51%).

“O avanço do português nas Terras Indígenas é um destaque dos resultados desse Censo. O principal fator é certamente a necessidade crescente de uso do português em necessidades da vida social, como estudo e trabalho, muitas vezes com deslocamento para áreas urbanas, ou com avanço da urbanização sobre as Terras Indígenas", avalia Fernando Damasco, gerente de Territórios Tradicionais e Áreas Protegidas do IBGE.

Apesar de a população indígena em Mato Grosso do Sul ser de 116.346 pessoas, de acordo com o Censo de 2022 do IBGE, o que a torna a terceira maior do Brasil, o Estado não figura entre os que concentram maior quantidade de línguas. Fica apenas no 17º lugar.

Os primeiros no ranking são Amazonas (168), que tem a língua tikuna como a mais numerosa (46.966 falantes); São Paulo (131), onde a língua guarani-mbya é predominante (2.677 falantes); e o Pará (127), com a língua munduruku (10.790 falantes).

Línguas indígenas resistem em MS e guarani-kaiowá é a 2ª mais falada no Brasil
Casal de venezuelanos hoje mora em Campo Grande e trouxe a língua originária junto (Foto: arquivo)

Venezuelanos e o "warao"

O levantamento do IBGE também destaca a ampliação do número de línguas e falantes desde 2010. Em Mato Grosso do Sul, o número de comunidades registradas onde uma língua originalmente indígena é falada passou de 37 para 48. Uma das justificativas para esse crescimento é a aparição do warao, que veio junto com os venezuelanos que agora vivem no Estado.

Apesar disso, o percentual de indígenas que falam uma língua nativa caiu de 37,35% em 2010 para 28,51% em 2022, devido à maior adoção do português, especialmente nas áreas urbanas.

"A ausência de políticas educacionais específicas que garantam o ensino em línguas indígenas contribui decisivamente para esse cenário. Fatores históricos são relevantes, pois em muitas situações, por racismo e discriminação, os indígenas foram obrigados a deixar de utilizar as suas línguas no cotidiano e em espaços públicos, substituindo-as pelo português, o que impacta também o uso no domicílio", diz Fernando.

Perfil dos falantes de línguas indígenas

O IBGE registrou 1.990 municípios em que a população com dois ou mais anos de idade fala ao menos uma língua indígena.

Dos 308 mil indígenas de 15 anos ou mais que falam uma língua indígena, 78,5% são alfabetizados. Esse número, embora inferior à média geral da população indígena (84,95%), mostra que as línguas nativas ainda são transmitidas entre as gerações, especialmente em terras indígenas.

O Censo também revelou que muitas comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul enfrentam dificuldades no acesso a serviços básicos. 70,77% dos Guarani-Kaiowá vivem sem água encanada, e 82,05% utilizam fossas rudimentares para o esgoto. Esses dados destacam a necessidade urgente de investimentos em infraestrutura básica nessas áreas.

"Apesar disso, esse Censo revelou também que, apesar da ampliação do uso do português, houve crescimento de falantes de línguas indígenas, seja por razões demográficas, seja pelo fortalecimento do uso das línguas pelos indígenas, por meio de ações de revitalização e de fomento à educação bilíngue", explicou Fernando Damasco.

Línguas indígenas resistem em MS e guarani-kaiowá é a 2ª mais falada no Brasil
Professor ministra oficina do idioma terena para professores da Aldeia Limão Verde (Foto: Divulgação)

Resistência linguística 

Depois de crescer sendo proibido de falar sua própria língua na escola, o professor Arcenio Francisco Dias, da Aldeia Limão Verde, em Aquidauana, virou exemplo de resistência terena em Mato Grosso do Sul. Hoje, ele lidera um grupo de sete educadores que produz material didático e forma professores para revitalizar o idioma terena, antes silenciado.

O projeto, financiado pelo Programa Olhos D’Água, do Ministério da Cultura, resultou na criação de 150 exemplares da cartilha “Vemó’u: Xunako Ûti” (“Nosso Idioma: Nossa Força”), distribuída nas escolas da aldeia e usada em oficinas com 40 professores. A iniciativa busca multiplicar o ensino do terena, fortalecendo o uso da língua entre jovens e adultos.

Arcenio, especialista pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, já havia produzido outro livro, “Voltando a falar o nosso idioma”, usado no Ensino Médio indígena. Ele defende que o ensino bilíngue, garantido pela Constituição Federal de 1988, pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e por decretos federais, precisa de mais apoio e reconhecimento para garantir que o direito à língua materna saia do papel e volte à sala de aula.