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Capivara Criminal

O grito da universitária que levou estuprador à cadeia

Robson Vander Lan está preso desde 2011, quando atacou jovem de 22 anos na ponte entre UFMS e Lago do Amor

Marta Ferreira | 08/11/2020 07:37

Meu cabelo caiu, tenho que tomar remédio. Ele destruiu a minha vida”.

Peguei o dinheiro, aí né, eu fui e cometi o delito com ela, né. Foi só um momento”.

O “ele” citado na primeira frase é um estuprador em série que cumpre pena de mais de 70 anos em Campo Grande. O “ela” da segunda fala é a vítima, estudante universitária que a caminho de reunião com colegas da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) sobre política, no dia 11 de abril de 2011, pouco depois das 8 da manhã, foi atacada na ponte de madeira entre o Lago do Amor e os prédios onde os alunos têm aulas. Acabou arrastada para a mata, violentada sexualmente e ameaçada com um canivete. Tinha 22 anos.

Ela não será identificada, por razões óbvias. Ele, sim.

É Robson Vander Lan, de 38 anos, hoje na ala dos “jacks”, onde ficam presos por crimes sexuais no IPCG (Instituto Penal de Campo Grande), no complexo prisional da saída para Três Lagoas.

Robson Vander Lan quando foi preso em 2011. (Foto: João Garrigó/Arquivo Campo Grande News)
Robson Vander Lan quando foi preso em 2011. (Foto: João Garrigó/Arquivo Campo Grande News)

Foi em entrevista aos jornalistas durante audiência no processo contra Vander Lan que a vítima disse o enunciado do início do texto, em 2012. Sucintas, as palavras são reveladoras da dimensão do estrago de um estupro.

A frase de Robson foi extraída pela “Capivara Criminal” da transcrição de audiência na Justiça, na qual ele admitiu as acusações, sem desenvolver raciocínios. No caso dele, a economia verbal também tem lá suas explicações, ou a ausência delas.

Ao magistrado, o réu traduziu o estupro como “delito” apenas. Às perguntas sobre como tudo aconteceu, respondeu sempre com poucos vocábulos. Na narrativa externada por ele, foi até o lugar, de bicicleta, atrás de dinheiro.

Observou, ou melhor, escolheu quem iria atacar quando a jovem apontou na ponte de madeira. Na hora da tentativa de roubo, segundo declarou, “foi tudo muito rápido” e quis também "manter relação com ela".

Não dá para explicar para o senhor, doutor”, resumiu ao juiz.

Trecho de interrogatório de Robson Vander Lan no processo por estupro e tentativa de roubo contra estudante universitária. (Foto: Reprodução de processo)
Trecho de interrogatório de Robson Vander Lan no processo por estupro e tentativa de roubo contra estudante universitária. (Foto: Reprodução de processo)


Sem muita elaboração para quem comete a violência. Inesquecível e traumático para quem é subjugada, como aconteceu com a jovem.

Escrita por uma mulher,  a “Capivara Criminal” resgatou esse caso na esteira do debate sobre a violência sexual e o tratamento dado às vítimas justamente para mostrar, com um caso extremo, o quanto o apoio a quem denuncia é essencial. Ao suspeito, o devido processo legal.

Reincidente - Robson Vander Lan, nessa época com 30 anos, era foragido do semiaberto. Já havia sido processado por homicídio e furto e tinha passagens policiais desde muito jovem, inclusive ataques a mulheres.

Foi o grito angustiado da estudante da UFMS pedindo ajuda que o levou de novo para a cadeia. Exposto na televisão e nos jornais, terminou sendo reconhecido por outras mulheres e passou a ser alvo de inquéritos por estupros e roubos, conduzidos pela Deam (Delegacia de Atendimento à Mulher).

A tatuagem de coelho da “Playboy” na coxa, lembrança grudada na cabeça da vítima, ajudou na identificação do algoz. Havia outros desenhos no corpo dele, chamativos, até uma suástica na barriga.

A estudante universitária, naquele dia de abril há 9 anos, fugiu nua, como pôde, e pediu socorro. Recebeu apoio imediato.

Ainda assim, teve a vida transformada, sofreu traumas psicológicos, precisou tomar medicamentos de prevenção ao vírus HIV e submeter-se a tratamento para a saúde mental.

Contra o estuprador, depois desse caso vir à tona, foram seis processos, que correram em sigilo para proteger as mulheres da exposição. Vander Lan foi sendo condenado um a um. A pena imposta chegou a ser superior a 90 anos de reclusão.

Com recursos, reformas de sentença, as idas e vindas judiciais, a punição está em 74 anos.

No cálculo mais recente identificado pela coluna, a informação é de que o estuprador em série fica na cadeia no máximo até 2041. Quando ele foi julgado, o prazo limite para privação de liberdade no Brasil era de 30 anos. Neste ano, passou a ser de 40.

Vander Lan tem histórico de trabalhar na cadeia, para ter direito a reduzir a pena final. Atuou com artesanato, oficina mecânica, manutenção da prisão e manufatura de crina de equinos. Também tentou estudar, frequentando a escola no presídio com objetivo de concluir o ensino fundamental.

Desistiu do curso, segundo levantado. As notas eram baixas e não conseguiu aproveitar o conteúdo para o desconto de pena.

A ala onde Vander Lan está tem em torno de 400 presos, todos lá por causa de crimes sexuais. Ficam em separado porque a massa carcerária, em geral, tem aversão a detentos dessa espécie. O risco é de sofrer agressões e por isso a separação.

A fiscalização da situação desses presos é feita pela 1ª Vara da Execução Penal em Campo Grande. À coluna, o juiz responsável, Mário José Esbalqueiro, disse ter por hábito, em casos de condenados por ilícitos de ordem sexual, determinar a realização de exame criminológico antes de decidir sobre a progressão de regime.

Os testes, em síntese, determinam a partir de laudo psiquiátrico, a possibilidade de a pessoa deixar o regime fechado, em razão de haver ou não risco de voltar a delinquir.

Passarela que cruza o Lago do Amor, na UFMS (Foto: Marina Pacheco/Arquivo)
Passarela que cruza o Lago do Amor, na UFMS (Foto: Marina Pacheco/Arquivo)

E a vítima?  Mudou-se de Mato Grosso do Sul e, tanto tempo depois, ainda aguarda pagamento de indenização pela instituição de ensino, já determinado judicialmente, mas ainda em fase de recurso no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O entendimento dos julgadores foi de responsabilizar a UFMS por falta de segurança para proteger a integridade física da estudante. O caso mobilizou a comunidade universitária, forçando medidas por parte da administração da universidade pública.

(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal divulgar informações sobre investigações criminais, seus personagens principais, e seu andamento na Justiça.

Entenda o nome:  Esta seção se chama assim em alusão à expressão "puxar a capivara", que usa o nome do animal  visto frequentemente em Mato Grosso do Sul para designar o acesso à ficha corrida de alguém envolvido com o crime.

Participe: Se você tem alguma sugestão de história a ser contada, mande para o e-mail marta.ferreira@news.com.br. Você também pode entrar em contato pelo WhatsApp, no Canal Direto das Ruas, no número  67 99669-9563.  Clique aqui para mandar sua mensagem.


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