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Capivara Criminal

Buickinho, "spree killer" que matou 12 pessoas e sumiu em MS

Osvaldo de Paula da Silva foi condenado à revelia e nunca mais foi visto, vivo ou morto

Marta Ferreira | 20/06/2021 07:44
Página do processo traz fotos dos restos mortais de vítima de "Buickinho" (Foto: Campo Grande News/Arquivo)
Página do processo traz fotos dos restos mortais de vítima de "Buickinho" (Foto: Campo Grande News/Arquivo)

Até este texto ser concluído, o Brasil estava atento à caçada de Lázaro, o assassino de 32 anos que, mesmo supostamente cercado numa área de sítios de Goiás, estava conseguindo fugir de esquema envolvendo mais de 250 homens, de várias forças de segurança. Lázaro, para quem estuda criminosos em série, configura-se em tipo incomum de predador, o spree killer, pessoa capaz de matar em impulsos, sem padrão tanto para as vítimas quanto para a forma de agir.

Na língua original, a expressão citada acima é traduzida como "matador de farra", ou ainda "em onda".

Gente assim comete maldades de todo o tipo, literalmente, "por nada".

Lázaro é apontado como o matador de família inteira no Distrito Federal e de mais uma pessoa. Também já cometeu crimes na Bahia, ainda bem jovem. Agora, frente a operação gigantesca, segue sua surpreendente fuga, transformada até em piada e memes pelos brasileiros, apesar da gravidade do tema. Na região onde as buscas se concentram, vive-se clima de terror, com alguém sem freios à solta.

Tratado pela polícia como um psicopata, Lázaro está foragido (Foto: PCDF/Divulgação)
Tratado pela polícia como um psicopata, Lázaro está foragido (Foto: PCDF/Divulgação)

Esse perfil tão comentado no momento fez a "Capivara Criminal" desencavar o nome de Osvaldo de Paula Silva, o "Buickinho".

Matou, estuprou e sumiu. É um personagem "sem rosto", desaparecido do mapa há mais de três décadas, mas que até hoje tem mandados de prisão expedidos pela Justiça de Mato Grosso do Sul, por crimes que se assemelham aos de Lázaro.

Foram 12 assassinados, uma das vítimas, menino de 11 anos, violentada sexualmente, em Campo Grande, na Rua General Alcoforado, no Bairro Piratininga. Ali, ainda há onde moradores antigos que se recordam do pavor e da tristeza quando o caso aconteceu, na noite de 12 para 13 de maio de 1986. O criminoso estava cuidando a casa de uma família e atraiu o menino até lá para a violência brutal.

Nascido em Minas Gerais, "Buickinho" deixou rastro de sangue também no estado de origem onde cometeu cinco assassinatos, foi considerado psicopata e conseguiu fugir de hospital psiquiátrico.

Veio parar em Mato Grosso do Sul, seguindo, conforme suspeitas da época, o caminho da linha trem a partir do interior de São Paulo. Aqui, depois de estuprar e matar o garoto, sumiu.

Foi procurado, mas nada de localização.

Em 1987, uma matança em fazenda de Ribas do Rio Pardo levou a Osvaldo de Paula Silva como suspeito.

Nascido em Ponte Nova (MG), hoje teria 61 anos. Foi conhecido em solo sul-mato-grossense como assassino de Nilson Lionel de Lima, de 11 anos, e como autor da “Chacina da Pena Verde”, que deixou seis mortos, cinco deles adolescentes. As vítimas Eufrázio Pereira da Silva, 46 anos, Cristiane Francisca de Souza, 12 anos, Antônio da Silva, 16 anos, Jessé Gomes de Oliveira, 14 anos, Lucimar de Campos Silva, 14 anos, e Claudiomar Campos da Silva, de idade não informada, desapareceram, no dia 31 de dezembro.

Sepultura do menino de 11 anos (Foto: Campo Grande News/Arquivo)
Sepultura do menino de 11 anos (Foto: Campo Grande News/Arquivo)

Dois meses se passaram até todos os corpos serem achados, enterrados em lugares diferentes da propriedade, onde Osvaldo trabalhava.

Foi na companhia dele a última vez que os adolescentes e o homem mais velho foram vistos pela última vez. Eufrázio, trabalhador rural de Campo Grande, havia sido contratado para prestar serviço em fazenda vizinha à Pena Verde. Levou consigo dois filhos, sobrinhos e um amigo.

A apuração nos autos do processo demonstra que pegaram carona com "Buickinho". Nunca se soube as circunstâncias dos assassinatos.

As investigações mostraram que, de Mato Grosso do Sul, Osvaldo Paula da Silva foi para Araçatuba (SP), onde moravam os donos da fazenda. De táxi, depois de conseguir dinheiro com eles, partiu para Belo Horizonte.

O caso teve repercussão nacional.

Em Minas Gerais, "Buickinho" foi visto pela última em março de 1987, pela mãe, com quem não tinha convivência desde os 5 anos de idade.  Depois, nunca mais.

Identidades falsas - O processo sobre a morte do menino de 11 anos em Campo Grande mostrou que a polícia procurou pelo homem errado durante meses. Osvaldo usava o nome de Ronaldo Monteiro.

Homônimo dele chegou a ter a casa invadida por policiais, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Visualmente, porém, não havia qualquer semelhança, além de provar nunca ter estado m Mato Grosso do Sul.

No começo de 1987, quando ocorreu a "Chacina da Pena Verde", as informações foram cruzadas e houve o reconhecimento do retrato-falado do criminoso pelos familiares do menino morto.

A investigação das seis mortes em Ribas do Rio Pardo também começou procurando por um nome falso. "Buickinho" se apresentou como José Carlos Cabral, apelidado de Carlão.

Trajetória de mortes - O trabalho policial seguiu o rastro até Minas Gerais, onde onde o taxista que o transportou se recordou da fisionomia. Na polícia mineira, Osvaldo de Paula Silva foi identificado como o matador que aterrorizou o estado no ano de 1981.

Ele próprio admitiu, ao ser preso após denuncia de um irmão, que matou 5 pessoas em um "surto de ódio". Percorreu quatro localidades mineiras nessa sanha de morte.

Em março de 1981, aos 30 anos,  Maria Lopes, uma idosa de 74 anos, foi a primeira vítima conhecida. Osvaldo se desentendeu com ela, estuprou, matou e jogou o corpo em poço de 25 metros de profundidade, na cidade de Ibirité.

Fugiu para Ponte Nova, onde a família morava, e matou jovem de 18 anos, não identificado, durante briga de bar.

Reproduçao de processo do matador que virou "fantasma"
Reproduçao de processo do matador que virou "fantasma"

Impressiona pela banalidade a terceira morte. Osvaldo contou ter economizado dinheiro para comprar um rádio, mas foi convencido a comprar um bezerro.

No dia seguinte, achou que o animal estava doente e decidiu matar o vendedor. Não o encontrou e o que fez segundo documentos anexados a processo em Mato Grosso do Sul contra ele? Vingou-se matando um sobrinho do negociador.

José Marcolino da Silva, de 11 anos, foi violentado antes de ser morto, em Barbacena.

De lá, "Buickinho" foi para a região conhecida como Fecho do Funil, no município de São Joaquim das Bicas. Teve promessa de trabalho não cumprida e, ainda de acordo com a documentação localizada, golpeou até a morte Geraldo Rosa Soares, usando machado. Soares foi quem ofereceu o serviço não concretizado.

Por fim, a última vítima em Minas Gerais foi Inês Rodrigues de Oliveira, esposa de fazendeiro que abrigou Osvaldo. Expulso da casa pelo dono, deu cabo da vida da mulher do desafeto.

É preciso puxar fôlego para pensar no quanto a vida do outro não tinha valor para "Buickinho".

Após todos esses crimes, ele escapou. Chegou a ser preso, denunciado pelo irmão. Mas, em 1983, escapou novamente, de manicômio judiciário.

Manicômio Judiciário de Barbacena, onde Osvaldo Paula da Silva ficou internado e fugiu (Foto: Reprodução)
Manicômio Judiciário de Barbacena, onde Osvaldo Paula da Silva ficou internado e fugiu (Foto: Reprodução)

À época, laudo psiquiátrico identificou que cometia os crimes conscientemente, além de falar com frieza deles. A personalidade foi classificada como psicopática, com "baixo limite para frustrações".

O histórico disponível para a Justiça conta uma vida de transgressões à lei. Nascido em família de 18 filhos, com um pai “ignorante”, segundo revela trecho de processo, Osvaldo de Paula Silva cresceu em abrigos para crianças. Aos 19 anos, fugiu de unidade para jovens infratores, por volta de 1970.

Pouco mais de uma década depois, transformou-se na fera descrita acima. As ações penais contra ele em Mato Grosso do Sul, pelo assassinato em Campo Grande e pela chacina, ficaram paradas até 2008, porque a lei exigia intimação pessoal do réu.

Quando passou a ser aceita a citação por edital para dar andamento aos feitos, os casos foram retomados. O réu foi condenado pela morte do menino no Bairro Piratininga, a pena próxima de 20 anos. Ficou livre da sentença por estupro, pois o prazo para a responsabilização já havia prescrito.

Outra foto de restos mortais de vítima de "Buickinho" (Foto: Campo Grande News/Arquivo)
Outra foto de restos mortais de vítima de "Buickinho" (Foto: Campo Grande News/Arquivo)

Em relação às seis mortes em Ribas do Rio Pardo, a condenação em segundo grau foi confirmada em 2011, portanto não houve prescrição. O mandado de prisão segue em aberto. Periodicamente, é feita a revisão para saber se a decisão judicial já caducou.

Nenhum sinal de Osvaldo Paula da Silva, vivo ou morto, apareceu conforme a consulta ao Judiciário. Ele pode estar por aí, vivo, clandestino, com outro nome, ou mesmo ter morrido e sido sepultado, também com identidade falsa.

Segue, então, como o matador que virou fantasma.

(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal divulga informações sobre investigações criminais, seus personagens principais, e seu andamento na Justiça.

Participe: Se você tem alguma sugestão de história a ser contada, mande para o e-mail marta.ferreira@news.com.br. Você também pode entrar em contato pelo WhatsApp, no Canal Direto das Ruas, no número  67 99669-9563.

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