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Capital

À espera de indenização, bairro fica sem CEP e morador pena até para pedir pizza

Loteamento foi lançado em 1997, mas só entrou no perímetro urbano há três anos

Aline dos Santos | 26/01/2023 12:09
Na prática, pórtico do que seria um residencial ainda faz a divisa da cidade e zona rural no Portal da Lagoa. (Foto: Marcos Maluf)
Na prática, pórtico do que seria um residencial ainda faz a divisa da cidade e zona rural no Portal da Lagoa. (Foto: Marcos Maluf)

Diferente de boa parte dos bairros de Campo Grande, o Portal da Lagoa até tem placas identificando as suas 23 ruas, mas o problema por lá, na saída para Rochedinho, é que a informação fica sem sentido diante da ausência de CEP (Código de Endereçamento Postal).

Para pedir um cartão de banco, por exemplo, moradora fornece o endereço da irmã em outro bairro. Se o pedido é de pizza ou de carro de aplicativo, a solução é informar a Rua Teobaldo Kafir, último ponto oficialmente dentro de Campo Grande. A partir daí, é preciso mandar localização ou ir direcionando os entregadores ou motoristas.

A rotina de dificuldades impostas ao loteamento, que foi lançado em 1997 pela Correta Empreendimentos Imobiliários, é decorrente de a área ter ficado de fora do perímetro urbano. Desta forma, o local não tem CEP, escritura ou cobrança de IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano).

Mayara Alves conta que nao consegue recebe nem cartão do banco em casa. (Foto: Marcos Maluf)
Mayara Alves conta que nao consegue recebe nem cartão do banco em casa. (Foto: Marcos Maluf)

“Não chega nem cartão do banco. Para receber, eu passo o endereço da minha irmã”, conta Mayara Aparecida Alves, 32 anos, que mora no local desde a adolescência.

A correspondência era distribuída por uma moradora, que cobrava pequena taxa, mas diante da reclamação de que o serviço não poderia ser cobrado, a atividade foi suspensa e, agora, é preciso buscar no Correios, no Centro de Campo Grande. Já as contas de consumo são entregues nos imóveis pelas concessionárias prestadoras dos serviços e água e luz.

Em 2016, a Justiça condenou a empresa e a prefeitura a regularizar o bairro clandestino. Diante da decisão, o Portal da Lagoa ingressou oficialmente na área urbana em agosto de 2019, 120 dias após a publicação da revisão do plano diretor. Capaz de absorver os moradores da cidade até 2099, o perímetro urbano teve que crescer para abraçar o loteamento.

Para o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), o prazo fatal para regularização terminou em 4 de dezembro de 2021. Para a PGM (Procuradoria-Geral do Município), o período se esgotava em agosto do ano passado.

O Campo Grande News solicitou informações à prefeitura sobre o procedimento para regularização fundiária, mas não obteve resposta até a publicação da matéria.

Em documento apresentado à Justiça em dezembro, a Correta Empreendimentos detalhou que foram concluídos levantamento topográfico, projeto geométrico (que mostra os principais elementos do loteamento) e projeto de sinalização viária. Seguiam pendentes os projetos de terraplanagem, pavimentação e drenagem.

Pracinha no Portal da Lagoa, bairro que ainda não tem escola. (Foto: Marcos Maluf)
Pracinha no Portal da Lagoa, bairro que ainda não tem escola. (Foto: Marcos Maluf)

Entre a cidade e a roça - Ainda meio cidade meio zona rural, o Portal da Lagoa tem um pórtico na entrada, resquício dos planos de ser um residencial fechado. Atualmente, a estrutura serve para propaganda de comerciantes. Depois do asfalto da Teobaldo Kafir, tudo é terra.

O bairro tende ao silêncio, com cachorros perambulando e pouca gente circulando. Outro hábito que lembra o campo é anotar a compra na caderneta e pagar só no fim do mês, benefício para a clientela das antigas.

O cenário ainda revela poucos comércios e igrejas. Por lá não tem escola e com essa inclusão documental no perímetro urbano, surgiu um novo problema, o ônibus rural que levava os estudantes até colégio no Cabreúva deve ser desativado.

Maruzane conta que família comprou terrenos no Portal da Lagoa na década de 90. (Foto: Marcos Maluf)
Maruzane conta que família comprou terrenos no Portal da Lagoa na década de 90. (Foto: Marcos Maluf)

De acordo com Maruzane Batista Barbosa, vice-presidente da Associação de moradores do Portal da Lagoa, até o ano passado as crianças e adolescentes eram transportados por dois ônibus. Agora, o serviço fica com o transporte coletivo urbano.

A família de Maruzane comprou lote na década de 90. “Me mudei para cá pensando em estudar, queria fazer faculdade”, diz.

“Sem a regularização, o bairro não avança, somos o único parcelamento atrasado. É muito importante ter a documentação, a escritura é fundamental. Sem CEP é como se você não tivesse nada, não pode fazer uma compra a prazo”, diz Pablo Oliveira, presidente da Associação de Moradores São Caetano e Portal da Lagoa. De acordo com ele, a regularização ainda está em análise pela prefeitura.

O morador Elizeu Ângelo Gonzales Villalba, integrante da comissão que busca a regularização do bairro, afirma que a última informação oficial obtida na prefeitura foi em novembro. “Estavam terminando de fazer o licenciamento, mas não tinha prazo. A nossa principal queixa é o CEP. Os Correios não entram aqui”.

Bairro tem 23 ruas com nomes, mas todas ainda sem CEP. (Foto: Marcos Maluf)
Bairro tem 23 ruas com nomes, mas todas ainda sem CEP. (Foto: Marcos Maluf)

Indenizações – A Justiça também determinou que a Correta Empreendimentos pagasse indenização aos moradores. O valor pelo dano moral inicialmente era de R$ 10 mil, mas foi reduzido para R$ 1 mil pelo TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). São cerca de 70 ações judiciais, mas ainda sem pagamento, apesar de a decisão ter chegado ao fim (transitado em julgado) na data de 6 de maio de 2019.

“O Portal da Lagoa tem contratantes que quitaram seus imóveis, outros que compraram de boa-fé, mas não quitaram e tem também invasores. Cada qual deverá ser tratado com sua devida peculiaridade, é um procedimento longo e burocrático tendo em vista que a sentença fala não só de danos morais, mas de regularização. Até o presente momento, nenhum contratante foi indenizado ou teve sua documentação em mãos”, informa a advogada Karla Rivarola, representante de grupo de moradores.

Em janeiro deste ano, a juíza substituta Monique Rafaele Antunes Krieger determinou prazo de 15 dias para o pagamento da indenização por dano moral para um casal residente no Piauí. O valor atualizado era de R$ 3.763.

No Portal da Lagoa, cliente antigo pendura compra na caderneta. (Foto: Marcos Maluf)
No Portal da Lagoa, cliente antigo pendura compra na caderneta. (Foto: Marcos Maluf)

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