Acidente é fim do sonho e só começo de pesadelo na vida de vítimas
No corredores do hospital, história de vítimas do trânsito que ficam incapacitados ou têm de dar stand-by na vida
Foi no dia 5 de novembro de 2016 que Thiago*, de 23 anos, viu seus planos para o futuro irem por água abaixo. Era um sábado e o jovem ia de moto para a casa de um amigo na região do bairro Nova Bahia – norte de Campo Grande – quando um carro o atingiu.
A motorista – segundo testemunhas, era uma mulher – nunca foi identificada e teria invadido a preferencial. Fugiu sem prestar socorro.
Thiago teve a perna esmagada e desmaiou. Quando recuperou a consciência, minutos depois, já sabia que o sonho de ser militar havia acabado ali.
Nascido no interior, o jovem veio para a Capital com 18 anos, quando se alistou. Depois de prestar o serviço militar obrigatório, ele e outros colegas da farda montaram um grupo de estudos e passaram a fazer cursinho para tentarem vaga na ESA (Escola de Sargentos da Armas).
O jovem, que além de estudar trabalhava como operador de máquinas pesadas, passou 82 dias internado na Santa Casa e por várias cirurgias. Passa o Natal e o Ano Novo longe da família foi o mais difícil desde o acidente, afirma o rapaz.
Mas, só quando teve alta e começou o acompanhamento com o médico do ambulatório de ortopedia do hospital que Thiago teve a certeza de que não poderia mais se tornar sargento. “Eu fraturei a tíbia e a fíbula, perdi tendões, teria de amputar, mas conseguiram me salvar. Vou ficar com uma perna 4 centímetros mais curta que a outra e talvez não consiga mover o pé”, conta.
Não bastasse as sequelas físicas e psicológicas do acidente, o jovem também perdeu uma das fontes de apoio emocional, a mulher. “Ele me deixou. Disse que não queria um homem pela metade”.
Thiago afirma que ainda está se recuperando, com a ajuda de um padrinho e da família dele. “Foi tudo ao mesmo tempo. Só não enlouqueci por um milagre”.
O rapaz é mais um dos pacientes que, depois de passar pela emergência da Santa Casa de Campo Grande, tem de voltar ao hospital por meses ou até anos para tratar das sequelas de acidentes. Principalmente os que acontecem no trânsito da Capital e de algumas cidades do interior.
Estatísticas – Thiago usa um aparelho imobilizador, que só deve ser retirado daqui um ano e meio. Mesmo período que ele terá de dar um stand-by na própria vida, se sustentando através da auxílio do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social).
E este é o caso da maior parte dos 33.185 pacientes atendidos no ambulatório da ortopedia da Santa Casa entre janeiro do ano passado e o início de fevereiro deste ano. Média de 2,5 mil por mês, pelo menos 80 por dia.
Deste total, as pessoas que tiveram a sorte de não ficarem incapacitadas pelo resto da vida, terão de voltar ao hospital por seis, oito, dez meses, quando não por até dois anos.
De acordo com a assessoria de imprensa do hospital, médicos do setor garantem a maioria é vítima do trânsito. Prova disso é que, neste mesmo período entre o ano passado e 2017, o hospital recebeu 7.976 novos acidentados nas ruas da Capital e do interior – 613 por mês.
*O nome usado é fictício a pedido do entrevistado que queria ter a identidade preservada.