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Capital

Alzheimer: a trajetória de quem convive com a doença é tema de discussão hoje

Paula Maciulevicius | 21/09/2011 16:19

“Quando você tem um parente com Alzheimer, aprende a amar outra pessoa”, diz filha de paciente

“No começo eu não aceitei a doença. Queria sair largar o barco para alguém comandar, mas não apareceu ninguém. Tive que encarar”, diz Cláudia (Foto: Pedro Peralta)
“No começo eu não aceitei a doença. Queria sair largar o barco para alguém comandar, mas não apareceu ninguém. Tive que encarar”, diz Cláudia (Foto: Pedro Peralta)

“Saber cuidar da sua mãe, seu pai, tio, tem que ter muito carinho para quem deu tudo à vida toda, esse é o mínimo que você tem para retribuir”, diz a administradora Cláudia Reis, de 48 anos. O relato dela é sobre a trajetória de quem convive com o Alzheimer há 10 anos.

A história de Cláudia é semelhante à de muitos dos mais de 1,5 milhão de famílias brasileiras que tem algum parente com Mal de Alzheimer. O diferencial na vida dela foi a informação sobre a doença e como tratá-la dentro de casa, suporte que ela encontrou sozinha e depois se juntou a Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer).

A missão de passar o que sabe à outras pessoas transformou Cláudia em um exemplo, de quem passou pela experiência e sente a necessidade de compartilhar com outras famílias.

Ver a mãe que agora tem 94 anos e convive há 10 com a doença, ser diagnosticada não foi nada fácil. “Levei um choque, fiquei desesperada que não conseguia parar de chorar nem para conversar com os meus irmãos. Saí do consultório com o diagnóstico, entrei na internet e quando terminei de ler tudo, estava aos prantos”, recorda.

Os sintomas da mãe começaram quando a família morava ainda no Rio de Janeiro. Cláudia conta que chegou do trabalho e a mãe como de costume, saía para caminhar todo dia cedinho, na praia. “Eu liguei e ela não estava em casa. Depois ela me disse que não conseguia lembrar onde é que ela morava. Então da caminhada, ela ficou rodeando, rodeando, até que veio à cabeça”.

Em seguida, dentro de casa, durante as conversas, o olhar da mãe sempre se perdia no meio da conversa. “Ela ficava como uma sombra”, completa Cláudia.

Depois de médicos e exames, o diagnóstico foi confirmado, era Mal de Alzheimer.

Cláudia deixou a vida profissional de administradora. Deixou de lado a própria rotina para se adequar às necessidades da mãe. Por ser a única filha solteira, acabou arcando com a responsabilidade dos cuidados, ainda com a ajuda financeira dos irmãos.

“No começo eu não aceitei a doença. Queria sair correndo, largar o barco para alguém comandar, mas não apareceu ninguém. Se você está disponível aquela hora, é você mesmo. Como eu não tinha como fugir, tive que encarar”, desabafa.

Os cuidados passaram a ser 24 horas. E a família veio do Rio de Janeiro, para Campo Grande.

A conversa com a Cláudia mostra exatamente a tranquilidade com que hoje, ela lida com o assunto. Em casa, recebeu o Campo Grande News em uma espécie de estúdio, local em que ela usa para dar treinamento às cuidadoras, sobre como lidar com a paciente.

Ao fundo uma música com sons de mar. Impossível não se render a sensação de estar caminhando na areia da praia.

Para a mãe de Cláudia, o fato de deixar a independência foi o que mais machucou. “Ela ia ao cinema, andava na praia, saía, fazia aulas de inglês”, descreve.

Abraz discute tema nesta quarta-feira. Aberta ao público e para ensinar a convivência. (Foto: Arquivo/Marcelo Victor)
Abraz discute tema nesta quarta-feira. Aberta ao público e para ensinar a convivência. (Foto: Arquivo/Marcelo Victor)

A rotina agitada deu lugar aos cuidados durante todas as horas do dia, sem descanso, feito por duas cuidadoras que dividem o turno e uma aos finais de semana.

“Em casa também mudamos tudo. Tirei tapetes, degraus, aumentei o vão da porta, tem barras de suporte no banheiro e no quarto para ela mesma se levantar. Quanto mais ela se sentir segura, menos dependente ela vai ser”, acredita.

Desde que as duas se mudaram para Campo Grande, em 2009, a qualidade de vida da mãe melhorou. Com atividades que preenchem todo o dia, Cláudia trabalha o tempo todo o estímulo neurológico da mãe.

“Ela termina de almoçar e já pergunta o que vai fazer hoje. Daí eu digo você vai descansar e depois desenhar. Ela fica com outro semblante, focada no compromisso dela”, narra a filha.

O desenho é só uma das atividades desenvolvidas. A filha conta que ela mesma, a mãe e a cuidadora tem o caderno de artes. Na hora de desenhar, Cláudia pergunta que cores a mãe vai usar e pede para que ela mostre.

“Eu falo ah, você vai fazer um Sol? E que cor vai ser o seu Sol? Pega o lápis. E se ela pega sem ser o amarelo, eu digo que aquele não é, até ela acertar”, explica.

O cuidado com a mãe despertou em Cláudia um lado de preocupação que não se restringe à família. Ela resolveu se abrir também para uma nova profissão. “Eu não tenho medo do Alzheimer, de lidar com ela, passei por isso e agora tenho uma segurança que me fez descobrir que sou apaixonada. A minha missão é de trabalhar com o Alzheimer”, comenta.

O trabalho positivo com a mãe teve o reconhecimento dos familiares e também da Abraz em Mato Grosso do Sul. Cláudia conta que o vice-presidente a convidou para participar da Associação.

“É isso mesmo eu quero poder ajudar, orientar pessoas, familiares. Ensinar que é preciso aceitar as atitudes dela. Eles mudam, se tornam outras pessoas”, ressalta.

Ela fala de uma frase que aprendeu durante todos esses anos e que carrega para a rotina.

“Quando você tem um parente com Alzheimer, aprende a amar outra pessoa. Eles são pessoas distintas, mudam. Muita coisa carregam por causa da personalidade, alguns defeitos enfatizam mais”, finaliza.

Com um ar de toda paciência do mundo, ela conta uma coisa só dela. Íntima. “Eu era grudada no meu pai. Quando ele morreu eu fiquei em depressão e como é que eu ia cuidar da minha mãe? Eu tinha mais contato com o meu pai. Mas com a doença aprendi a amar a minha mãe. Nada acontece por acaso, eu descobri a minha mãe e um jeito de cuidá-la”.

Hoje, dia 21 de setembro, é comemorado o Dia Mundial da Doença de Alzheimer. Em alusão à data, a Abraz promove uma mesa redonda com profissionais da área da saúde, sobre o Mal de Alzheimer. O debate será na ABO (Associação Brasileira de Odontologia), a partir das 19h30 e é aberto ao público.

O evento é promovido pela Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer), que existe em Campo Grande para ajudar familiares e “cuidadores” de idosos que possuem a doença.

Segundo o vice-presidente da Abraz Nacional, o odontogeriatra Marco Polo, o objetivo da Associação é o de passar informação. “A instituição serve para que familiares e cuidadores possam aprender mais sobre a doença. E que saibam que a medicação não é a única forma de tratamento”, afirma.

Doença - O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa que se manisfesta por uma perda acentuada e progressiva da memória e de outras capacidades mentais, a medida que os neurônios morrem e diferentes áreas do cérebro se atrofiam. Por este motivo, se tornou um dos principais objetos de estudo da medicina moderna.

A Associação Brasileira de Odontologia fica na rua da Liberdade, 836.

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