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Capital

Dona de loja diz que "vende igual em SP" e sofre preconceito por origem

Marilene Murad, que responderá em liberdade por injúria e desacato, diz estar cansada de ser chamada de turca nos 51 anos de atuação no comércio local: "são meio quietinhos, aí se ofendem fácil"

Rafael Ribeiro | 10/02/2017 11:48
Comerciante diz estar cansada de sofrer preconceito: "me chamam de turca, mas meu pai era da Síria" (Foto: Marcos Ermínio)
Comerciante diz estar cansada de sofrer preconceito: "me chamam de turca, mas meu pai era da Síria" (Foto: Marcos Ermínio)
Comerciante presa diz que utiliza métodos de venda das lojas populares paulistanas (Foto: Marcos Ermínio)
Comerciante presa diz que utiliza métodos de venda das lojas populares paulistanas (Foto: Marcos Ermínio)

O relógio apontava 8h52 nesta sexta-feira (10) quando Marilene Murad, 55 anos, desceu de um carro com dois funcionários e cumpriu o que prometeu na internet: abriu as portas da sua loja de roupas na Avenida Calógeras, região central de Campo Grande, um dia depois de ter sido presa junto da irmã, acusada de brigar com uma cliente e desacatar policiais militares chamados para atender no local.

A fama da “mulher que esculhamba clientes”, como é taxada na internet, é proporcional à loja. Conforme os concorrentes ao redor alertaram o Campo Grande News, apesar do mau humor costumeiro, a Cooperativa da Moda é um sucesso. Dez minutos depois, com araras e gôndolas posicionadas, mais de 50 clientes entre moradores da capital e do interior já enchem cestinhas de produtos.


“A fama existe pela inveja. É assim desde 2011, quando abri aqui, a segunda loja da família. Prego que se destaca metem o martelo”, brinca a lojista, entre um telefonema e outro de clientes, interessados em reservar mercadoria e, claro, saberem o que aconteceu no Decon (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra as Relações de Consumo), onde prestou depoimento e foi liberada após ser indiciada por injúria, ameaça e desacato.


Segundo a polícia, constantemente atacada por ela, não foi a primeira vez. Desde 2011 as acusações se acumulam, sejam de injúria e até de ameaça e racismo. Ela se defende, novamente de forma ofensiva.


“Eu trabalho que nem São Paulo, falo alto mesmo, gesticulando, sou direta. Não sei se é porque aqui são quietinhos, vivem com vergonha, mas se ofendem fácil. Vai em São Paulo ver se tem regalia em loja popular”, apontou.


O ataque à população que lhe garante o sustento é explicativo, segundo ela, pelo que chama de ‘bullying sofrido’. Marilene diz que cansou de ser chamada de “turca”, quando na verdade seu pai é da Síria, e de sofrer preconceito com isso.


“Eu trabalho desde os 8 anos, nascida e criada aqui na cidade e falam para voltar ao meu país. Cansei. Lido com muito ódio. São 51 anos atuando em comércio e não aceitam nosso sucesso. Pergunte aos funcionários como eu sou, como é o tratamento, se há reclamações”, disse.

Fama - Uma das funcionárias, ouvida pela reportagem antes da abertura da loja, disse que já estão acostumados com o jeito das donas. “Ela xinga, trata mal e no dia seguinte o cliente volta, porque não vai encontrar mais barato”, apontou. “Até sobra para a gente, mas em que outro lugar vamos tirar menos de R$ 3 mil em vendas em um único dia? Não existe.”

Apenas dez minutos de funcionamento foram o suficiente para clientes encherem loja polêmica (Foto: Marcos Ermínio)
Apenas dez minutos de funcionamento foram o suficiente para clientes encherem loja polêmica (Foto: Marcos Ermínio)

Apesar da ponderação, a própria funcionária revela a orientação da patroa para que troquem suas roupas comuns pelo uniforme apenas dentro da loja. “Depois disso aí que aconteceu, fica o medo de confundir a gente com ela. Só cumpro ordens moço”, disse.

Hoje estoquista de uma loja de sapatos rival na mesma via, um homem de 34 anos trabalhou durante sete deles com Marilene, confirma a fama de “bocuda”, como ele mesmo define, e concorda, em partes, que a fama foi aumentada pelos rivais pelo sucesso da loja.

“Todos já estão acostumados com ela, com o jeito, mas ninguém vende como ela”, revelou, também ponderando. “Até acho que esse jeito dela é prejudicial. Se ela fosse mais maleável, ia ter muito mais cliente, ia ser rica. Ninguém aqui faz o que ela faz, de diminuir o lucro para reduzir o preço. E essa boa vontade acaba sendo superada pelas atitudes e ofensas, inclusive com os concorrentes, que não tem fornecedores bons como ela.”


Direito – Sobre o caso que motivou sua prisão, Marilene diz que a cliente foi intransigente. “Ainda atendi ela fora do horário permitido para trocas (das 11h às 12h e das 17h às 18h), mas ela queria trocar um jeans por uma roupa de linho. Não posso permitir. E por isso iniciou uma discussão”, explicou.


Segundo o Código de Defesa do Consumidor, a comerciante tem razão. O texto esclarece que o consumidor deve ficar atento às normas das lojas no caso de troca de roupas de modelos diferentes das compradas. O estabelecimento, por exemplo, não obriga seus donos a trocar produtos porque o comprador mudou de opinião ou a pessoa a quem presenteou prefere um presente de outra cor, modelo ou manequim diferente.


Chateada, Marilene exibe na loja a faixa em letras garrafais que anuncia a venda da loja há seis meses (concorrentes dizem que a conversa de fechar as portas já dura seis anos). “Eu desisti. Se o Brasil continuar assim, vou morar no Paraguai”, disse.

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