“Eu ensanguentado e minha mãe desesperada”, resume Raul sobre cotidiano do vício
Em tratamento há seis meses, Raul buscou acolhimento em comunidade terapêutica

“Você vê a tristeza nos olhos da sua mãe”. Se tratando contra dependência química há seis meses, Raul Bezerra, de 39 anos, reconta as cenas vividas até pouco tempo atrás e ilustra parte do cotidiano de famílias que compartilham a luta contra o vício.
Enquanto retirava do forno os pães que tinha feito pela primeira vez, Raul passou a se dividir entre as memórias “recém saídas da forma” e o passado com cocaína, crack e maconha. “Não tinha vantagem eu ficar lá com os meus pais”, explicou sobre a saída de casa e ida para a comunidade terapêutica Esquadrão da Vida.
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Foram 25 anos dividindo a cama com as drogas até que o aprendiz de padeiro conseguisse sair do ciclo. “Domingo. Dormi, acordei, dormi, acordei, vida miserável”, disse o escritor Franz Kafka, em seu diário de 1910. Se assemelhando à frase do autor, Raul explicou que seus dias se baseavam em dormir, acordar, usar cocaína, brigar, dormir, acordar e usar cocaína.
“Eu estava no limite, não aguentava mais usar. Você pega nojo da droga, mas não tem força para parar. Precisa de um lugar que dê ajuda”, Raul disse. Sobre os últimos meses de uso, o rapaz conta que não conseguia mais conviver com os familiares.
Quantas vezes eu cheguei ensanguentado e minha mãe ficava chorando desesperada. Não tinha como eu ficar mais em casa", explica Raul.
Antes de procurar ajuda sozinho, ele conta que chegou a ser internado mais de dez vezes, todas sem sucesso. “Eu ia pela pressão da família, não por minha vontade. Dessa vez, eu escolhi por minha vontade, eu estava no fundo do poço. Os amigos que você tinha se esquecem de você, porque você está em uma situação precária, caótica. Você não tem mais vontade de procurar emprego e as pessoas acham que você vai morrer assim. As drogas te trazem medo de morte. Todo dia eu pensava que ia morrer”.
De acordo com Raul, o desespero tem se transformado em outros sentimentos desde que conseguiu a internação. “A voz da minha mãe ficou diferente no telefone, meu pai está melhor. Eu preciso continuar assim”.
Pensando nos próximos passos, Raul explica que após finalizar o tratamento, não quer voltar ao zero. “O cansaço da droga vem gradativamente. Quero mudar de cidade, arrumar uma terra para mim e continuar bem”, explicou.
Ajuda - Acolhido no Esquadrão da Vida, Raul buscou ajuda no escritório central da comunidade terapêutica. Pessoas que tenham interesse na reabilitação podem ir até o local, que fica na Rua Amazonas, número 20, no Monte Castelo. De acordo com o fundador do local, Samir Zayed, de 58 anos, o tratamento é gratuito.
Dúvidas sobre o funcionamento podem ser tiradas também através do número (67) 3027-5005. A população também pode buscar os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) distribuídos pela cidade.