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Capital

Famílias pobres veem despejo iminente de barracos da “Casa do Rei Davi”

Proprietária conseguiu reintegração de posse na Justiça e acusa líderes da ocupação de tentarem extorqui-la para deixarem lotes

Izabela Sanchez e Bruna Marques | 15/06/2020 09:16
Famílias são chefeadas especialmente por pais e mães desempregados (Foto: Marcos Maluf)
Famílias são chefeadas especialmente por pais e mães desempregados (Foto: Marcos Maluf)

No Jardim Noroeste a Casa do Rei Davi é feita de lona e madeira e não é um palácio pomposo para abrigar líder tão importante do povo de Israel, conforme as passagens bíblicas. Nesta segunda-feira (15), vencido prazo para que deixassem área particular invadida no Bairro Jardim Noroeste, famílias dessa ocupação dizem não ter o que fazer diante do despejo eminente.

Enquanto as cerca de 20 famílias dizem não ter para onde ir diante do desemprego, a proprietária, uma dona de casa, também alega não ter condições financeiras, conforme ação judicial, e acusa líderes da ocupação coletiva de tentarem extorqui-la com pedidos para que pague R$ “2 mil” para deixarem a área.

Madeira e lona formam a estrutura precária do local (Foto: Marcos Maluf)
Madeira e lona formam a estrutura precária do local (Foto: Marcos Maluf)

A proprietária é representada por uma advogada e um advogado, pediu para não arcar com as custas processuais por não ter condições e mora no Bairro Coopharadio. Ela alega propriedade sobre 20 lotes localizados em área próxima à Penitenciária de Segurança Máxima Jair Ferreira de Carvalho, no Jardim Noroeste.

Ainda assim, na ação, cita que comprou a área em 2011, que tem a carta de adjudicação de compra e venda, mas que, até agora, os imóveis não foram transferidos para o nome dela. Conforme os advogados, ela chegou a construir casas para aluguel, mas depois que os últimos locatários desocuparam as casas, o local ficou vazio e foi depredado. Com isso, alega a autora da ação, ela não teve condições de construir novamente o que foi perdido e ficou sabendo que a área tinha sido invadida em dezembro de 2019.

As cerca de 20 famílias temem serem despejadas nesta segunda (Foto: Marcos Maluf)
As cerca de 20 famílias temem serem despejadas nesta segunda (Foto: Marcos Maluf)

Despejo eminente – Com decisão favorável desde 2019 e várias tentativas de cumprir reintegração de posse, as famílias agora dizem que o despejo é eminente. O carpinteiro e pedreiro Agnaldo José de Oliveira, 28, é um dos representantes da ocupação e um dos nomes implicados na ação movida pela proprietária da área.

Ele vive em barraco de madeira e lona, com dois cômodos para os quartos e outros para o banheiro e cozinha-sala. Disse estar vivendo na área há um ano e meio e há sete meses está desempregado. Vive no espaço com a esposa e dois filhos, um bebê recém-nascido, com apenas 15 dias e um filho de 5 anos.

Ele contou que no domingo (14), por volta das 16h, as pessoas avistaram oficial de Justiça no local. “Ele disse que era pra ver se as pessoas saíram porque se não iria agendar com Bope para retirar”, disse.

Agnaldo se auto intitula líder da ocupação (Foto: Marcos Maluf)
Agnaldo se auto intitula líder da ocupação (Foto: Marcos Maluf)

“A pressão é 100%, não temos para onde ir, não temos condições de pagar aluguel, só queríamos que a prefeitura arrumasse um lugar pra gente ficar. Nossa situação aqui é complicada, aqui tem criança, idosos. A partir de hoje, a qualquer momento, eles podem vir aqui e retirar a gente”, comentou. “Ainda bem que tem pessoas de coração bom nesse mundo e nós conseguimos viver com as doações, Graças a Deus”, disse.

O pintor Fernando Aparecido, 46, disse que também está sem emprego e vive em um barraco de apenas um cômodo com a esposa e a filha de 7 anos, há oito meses.

“A gente não tem nem o que comer, como vamos sair daqui?”, questiona o pintor.

Fernando, pintor, carpinteiro e desempregado (Foto: Marcos Maluf)
Fernando, pintor, carpinteiro e desempregado (Foto: Marcos Maluf)

“O medo que nós temos é que não temos para onde ir, estamos em uma época difícil, sem emprego, não sabemos o que vamos fazer com as crianças e com os idosos, queríamos a ajuda de alguém, pelo menos o Ministério Público para passar a gente para outra área. Aqui as crianças ficam doentes, a gente leva no posto, não tem atendimento e falam que é só urgência. A gente sofre demais aqui”, disse.

Vicente Ferreira dos Santos Filho, 59, também disse trabalhar como pintor e carpinteiro e contou que está há oito meses sem trabalho. Nesta manhã, à reportagem, disse ter voltado de uma tentativa de conseguir emprego no condomínio de luxo Dhama, sem sucesso. “Falaram que por causa da idade não pode contratar”. Ele disse vive na área há um ano e cinco meses. Vicente vive em um barraco de madeira com apenas um cômodo.

“Meu medo é ser despejado e não ter para onde ir. Se tivéssemos dinheiro não estaríamos nessa situação. Tenho inscrição na Emha e Agehab há anos e até agora a gente nunca ganhou nada. A qualquer momento eles podem vir e retirar a gente”, relata.

“Aí te pergunto: para onde a gente vai?”, disse Vicente.

Vicente disse ter procurado emprego nesta manhã e não conseguiu pela idade (Foto: Marcos Maluf)
Vicente disse ter procurado emprego nesta manhã e não conseguiu pela idade (Foto: Marcos Maluf)

A Defensoria Pública Estadual foi procurada por Agnaldo e outros moradores e os representa pois eles não têm condições de arcar com advogados. A defesa disse que a área está ocupada desde “maio de 2018” e cita este prazo para alegar que o caso não se trata de posse nova em que cabe reintegração de posse.

“Convém ressaltar que o próprio Oficial de Justiça informou que existe no local mais de 13 famílias, evidenciando a existência de contingente de pessoas que estará sendo privada de moradia, que, ao lado do direito à alimentação, vestuário, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, é um direito fundamental desde 1948, quando foi inserido na Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo XXV)”, cita a Defensoria.

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