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Capital

Favela só mudou de endereço, dizem ex-moradores da Cidade de Deus

ONG recebeu R$ 2,7 milhões da prefeitura e só entregou 42 casas

Anahi Zurutuza e Adriano Fernandes | 09/04/2017 08:35
Famílias continuam debaixo de lona no Jardim Canguru (Foto: Adriano Fernandes)
Famílias continuam debaixo de lona no Jardim Canguru (Foto: Adriano Fernandes)

Transferidos há um ano para quatro loteamentos improvisados criados pela Prefeitura de Campo Grande, ainda na administração de Alcides Bernal (PP), ex-moradores da favela Cidade de Deus continuam vivendo debaixo de lona. As famílias reclamam da demora para que providências sejam tomadas, enquanto esperam um dia não terem de perder o sono a cada chuva.

“Na prática criaram mais três favelas”, diz o catador de recicláveis Antonio Larrea, de 59 anos, se referindo aos loteamentos Bom Retiro (região da Vila Nasser), Pedro Teruel (no Dom Antônio Barbosa) e do Jardim Canguru (veja favela do alto no vídeo). Ele mora com a mulher e os três netos num barraco nos fundos da estrutura da residência deixada sem telhado e apenas com as paredes levantadas.

A Prefeitura de Campo Grande e o Governo do Estado negociam convênio para concluir as obras. O município já orçou que o trabalho custará ao menos R$ 9 milhões, mas o prefeito Marquinhos Trad (PSD) afirma que não há prazo para a retomada das construções.

Enquanto isso, famílias convivem com animais peçonhentos e muita lama, sempre que chove. “Aparece muito escorpião, cobra, sapo”, afirma a dona de casa Cleide Souza, de 31 anos, que mora em barraco de três cômodos com o marido e os cinco filhos.

Antoniele Sobral, de 26 anos, ainda sonha com a casa de tijolos. “Poderíamos estar dentro da nossa casinha. É muito triste essa situação”.

Telhado de casas do Vespasiano Martins é arrancado a cada ventania (Foto: Adriano Fernandes)
Telhado de casas do Vespasiano Martins é arrancado a cada ventania (Foto: Adriano Fernandes)
Moradora reclama de vazamentos nos banheiros (Foto: Adriano Fernandes)
Moradora reclama de vazamentos nos banheiros (Foto: Adriano Fernandes)

Mal feito – Quem chegou a desmontar o barraco também sofre. As 42 casas do Vespasiano Martins, que foram entregues sem o acabamento, já apresentavam problemas na semana seguinte à inauguração e a lista de defeitos só aumenta.

A casa de Rosária da Costa de Oliveira, de 50 anos, é iluminada por apenas duas lâmpadas. Ela conta que quando foi entregue, a fiação elétrica estava exposta. “Só duas tomadas na sala funcionam”.

Durante um temporal, em dezembro parte, o telhado da casa foi levado pelo vento. “Quando chove a água toma conta da sala e se venta muito vai parar no quarto”, se queixa.

Problema que já deu dor de cabeça também para a dona de casa Mariana Gonçalves, 24, que vive com o marido e os filhos, de 4, 6, 7 e 8 anos, na casa de quatro cômodos. “Esse telhado que foi mal colocado, foi levado na primeira chuva que deu”, se queixa.

A solução que ela encontrou foi usar as telhas do antigo barraco para refazer a cobertura. “E mesmo assim tivemos que reforçar com lona por baixo porque a água ainda entra. Tem que rir para não chorar”, completou.

Aparecida Conceição Guimarães, 58, é mais enfática quanto as poucas vantagens da transferência feita há pouco mais de um ano. “Era melhor ter nos deixado na Cidade de Deus porque quando fomos transferidos esperávamos que fosse para um lugar melhor”, reclama.

As poucas melhorias feitas na casa ela resume em mostrar que foi o reboco feito pelos filhos no banheiro e a fiação elétrica que também não havia sido instalada (veja no vídeo). 

A remoção das famílias da Cidade de Deus começou no dia 7 de março de 2016 e durou 37 dias.

Sumiço – Deixando outras 258 famílias “sem teto”, a Morhar Organização Social sumiu desde que “concluiu” a construção de 42 casas no loteamento Vespasiano Martins.

A ONG (Organização Não Governamental) foi contratada pelo prefeito Alcides Bernal para coordenar o mutirão de construção de 300 casas para ex-moradores da Cidade de Deus. Do convênio de R$ 3,6 milhões, R$ 2,7 milhões foram repassados à entidade, que sequer tem sede, conforme apurou a administração de Marquinhos Trad (PSD).

A entidade justificou gastos no valor de R$ 1,9 milhão. O restante, R$ 800 mil, foi retirado, mas não há comprovação do que foi comprado com o valor na prestação de contas.

A prefeitura bloqueou R$ 900 mil destinados ao convênio e promete ir à Justiça contra a Morhar, mas ainda não moveu o processo.

Alvo de outras ações de cobrança, a ONG não é localizada nem por oficiais de justiça.

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