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Capital

Na 'moda' entre jovens, gás tóxico é vendido livremente no comércio

Antonio Marques | 05/04/2016 17:21
O gás de buzina, comercializado livremente no comércio, está virando moda entre a juventude como alucinógeno (Foto: Fernando Antunes)
O gás de buzina, comercializado livremente no comércio, está virando moda entre a juventude como alucinógeno (Foto: Fernando Antunes)

Um produto comercializado para momentos de festas, especialmente em formaturas escolares, e aparentemente inofensível está virando modismo entre jovens de classe média do interior de São Paulo, já trazendo preocupação para especialistas em Campo Grande pelo uso impróprio entre adolescentes. O gás de buzina já matou pelo menos duas pessoas neste ano.

Encontrado nas lojas de produtos para festas, supermercados e até lojas de conveniências por menos de R$ 20,00, o frasco da buzina pode ser comprado por qualquer pessoa, sem restrições.

Em duas lojas visitadas na Capital, a reportagem não teve dificuldade em achar o produto nas prateleiras. Uma das marcas verificadas é importada da China.

O rótulo de uma dessas marcas alerta para os cuidados a serem tomados no acondicionamento do frasco e no seu uso, já que o gás é altamente inflamável. “A utilização do produto por menores de 18 anos deve ser supervisionado por um adulto”, descreve um dos itens, que diz ainda que a “empresa não se responsabiliza pelo uso indevido”.

Ainda em maior destaque, com letras grandes, o rótolo pede para “não inalar. A inalação direta deste produto pode causar danos à saúde”. Mas é justamente essa recomendação que os jovens estão desrespeitando e que tem preocupado as autoridades e especialistas que atuam no tratamento e repressão a substâncias entorpecentes.

O gás que provoca a buzina é composto pela mistura dos gases butano (70%) e propano (30%), mesma composição é encontrada, em dosagens distantas, em botijões, isqueiros, aparelhos de ar condicionados e geladeiras. O produto está sendo usado, com maior frequência, por jovens como alucinógeno e o risco de morte é real.

Para o delegado da Denar (Delegacia Especializada de Repressão ao Narcotráfico), João Paulo Sartori, o uso do gás de buzina por adolescentes para se drogarem não é novidade, mas ainda não houve registro recente na Capital de casos graves, como aconteceu no interior de São Paulo, na semana passada, em que uma adolescente de 18 anos morreu após a inalação do produto.

Segundo o delegado, a melhor forma de evitar que o fato ocorrido no estado vizinho aconteça por aqui é a prevenção. “As famílias precisam conscientizar os jovens. A educação em casa é responsável para coibir o uso dessas substâncias”, comentou, acrescentando que mudança na legislação para proibir o comércio desse produto também é bem vinda, “mas os jovens sempre buscam um subterfúrgio”, alerta Sartori.

Já o médico psiquiatra Marcos Estevão Moura disse que o uso desse gás de buzina é um modismo em São Paulo que ainda não teria chego a Campo Grande. Para ele, como já aconteceu mortes, “não podemos esperar que ocorra o pior. É preciso prevenção, controle e repressão, para evitar que essa moda chegue aqui”, comentou.

Marcos Estevão explica que o produto é um composto pela mistura do gás butano (o mesmo gás de cozinha) com o propano. Quando inalado ele provoca a isquemia cerebral, ou seja, a diminuição do oxigênio no cérebro, causando alterações no nível de consciência, sonolência e alucinações.

O psiquiatra alerta que pode haver confusão no cérebro e tontura, além do estado de euforia no início. “O risco entre uma dose para causar a confusão cerebral e a dose letal é muito tênue. Se exceder, o risco de morte é certo”, garante.

Conforme Marcos Estevão, a redução do oxigênio no sangue obriga o coração a trabalhar mais para suprir essa falta, havendo aceleração dos batimentos, a chamada taquicardia, podendo levar a parada cardíaca e à morte, como aconteceu com dois jovens no interior de São Paulo, a última na semana passada.

Para o especialista, esse gás e o "loló" são drogas de iniciação e virou uma opção acessível para jovens que buscam sensações semelhantes às provocadas por drogas ilícitas. Mesmo não sendo disseminado, como ocorreu com outros inalantes, a exemplo da cola de sapateiro nos anos 80 e 90, a preocupação é a facilidade para se adquirir o produto.

No rótulo do frasco da buzina, a empresa importadora destaca os cuidados no uso do produto (Foto: Fernando Antunes)
No rótulo do frasco da buzina, a empresa importadora destaca os cuidados no uso do produto (Foto: Fernando Antunes)
Cola de sapateiro, usada no passado por crianças e adolescentes como alucinógeno, hoje só é vendida para maiores de 18 (Foto: Fernando Antunes)
Cola de sapateiro, usada no passado por crianças e adolescentes como alucinógeno, hoje só é vendida para maiores de 18 (Foto: Fernando Antunes)

A mudança na legislação para coibir o uso da cola de sapateiro por crianças e adolescentes foi positiva. Encontrado somente em lojas especializadas em produtos de sapataria, a lata de cola não pode ser vendida para menores de 18 anos.

O dono de uma loja visitada pelo Campo Grande News revelou que a venda é mais restrita aos profissionais da área. “Não tenho conhecimento do uso do produto como alucinógeno, como era antigamente”, comentou, pedindo para não ser identificado.

O médico Marcos Estevão observa que os riscos de overdose com o gás de buzina são maiores, por ser difícil controlar a quantidade da inalação da substância.

Outra preocupação é o fato do efeito do gás de buzina ser muito rápido, o que obriga o usuário a inalar o produto por mais tempo para manter o estado de euforia e alucinação. Isso pode causar o infarto, por causa da ação do propano no coração.

Na semana passada, a estudante de direito Maria Luiza Perassolo, de 18 anos, de São José do Rio Preto (a 438 km de São Paulo), teve uma parada cardiorrespiratória e morreu, após inalar o gás com amigos em uma festa no condomínio onde morava.

Meses antes, em Fernandópolis, cidade vizinha a São José do Rio Preto, registou outra morte de um estudante de medicina, também por parada cardiorrespiratória após o uso do gás. Em seu quarto, a polícia encontrou 16 frascos da buzina.

Após a morte da adolescente, a população da cidade se mobilizou para evitar que novas mortes ocorram. Comerciantes estariam retirando o produto das prateleiras e a Câmara Municipal de São José do Rio Preto aprovou, na última quinta-feira, 31, um projeto de lei proibindo a comercialização e o uso da buzina no município.

Conforme o Jornal Folha de São Paulo, publicada nesse domingo, o projeto foi feito em janeiro, depois que outra estudante de 17 anos teve uma parada cardíaca e entrou em coma em decorrência do uso do gás. Ela sobreviveu.

Em Goiás, a venda da buzina é ilegal desde 2012, quando um jovem morreu após inalação do conteúdo de um frasco inteiro. No âmbito nacional, um projeto que quer proibir o produto tramita na Câmara dos Deputados desde 2008, informa o jornal.

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