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Sem superintendente e com diretores em férias, Funai está abandonada

Indígenas classificam Fundação como caótica e dizem que entidade não escuta as demandas dos povos originários

Gabriela Couto | 20/01/2023 12:45
Desde 2018 prédio na Rua 7 de Setembro, no Centro da Capital, funciona a Fundação Nacional dos Povos Indígenas. (Foto: Gabriela Couto)
Desde 2018 prédio na Rua 7 de Setembro, no Centro da Capital, funciona a Fundação Nacional dos Povos Indígenas. (Foto: Gabriela Couto)

Apenas três funcionárias e dois seguranças armados estavam no prédio da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) na manhã desta sexta-feira (20) em Campo Grande. Localizado na Rua 7 de Setembro, número 1733, no Centro da Capital, um pequeno adesivo de um cocar nas portas espelhadas indica que ali é a ‘casa’ dos povos originários. Mas não foi o que a reportagem encontrou no local e nem o que ouviu de indígenas.

Duas mesas e cadeiras vazias fazem parte da recepção. A visita foi motivo de surpresa dos funcionários, que não quiseram falar com a equipe de reportagem.

Fomos informados que a exoneração da coordenadora da regional de Campo Grande, Tatiana Marques Garcia, será publicada no DOU (Diária Oficial de União). Isso deve ser feito de forma retroativa à data que a coordenadora foi notificada. Tatiana era uma indicação do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL) e estava na função desde maio de 2020.

Os dois diretores que estão abaixo da coordenadora e que poderiam responder pela Fundação estão de férias. Na parte interna do prédio todas as portas do segundo andar estavam fechadas no início da manhã de hoje, inclusive o gabinete.

Nas redes sociais, houve a denúncia de que Tatiana Marques teria esvaziado gavetas e levado objetos culturais que faziam parte da decoração da sala do órgão público. Mas nenhum funcionário confirmou e nem foi autorizado acesso ao local. Vizinhos da entidade afirmaram que houve uma movimentação diferente no órgão, na tarde de ontem.

Gabinete onde denunciaram ter sido furtado pela ex-coordenadora Tatiana Marques está fechado. (Foto: Gabriela Couto)
Gabinete onde denunciaram ter sido furtado pela ex-coordenadora Tatiana Marques está fechado. (Foto: Gabriela Couto)

Um dos diretores que está de férias, identificado apenas como Jackson, chegou a ir na sede ontem fechar o gabinete. Ele entregou a chave para os seguranças e não confirmou se deu falta de objetos. Questionado sobre a existência de um documento com inventário dos patrimônios públicos que pertencem à Funai, ele que seria responsável pelo catálogo do material afirmou que existe apenas a relação de material de escritório da fundação, mas que presentes de indígenas que são dados a coordenadores para decoração do gabinete não entram na listagem.

A assessoria de imprensa da Funai afirmou que não sabe quando será anunciado o novo coordenador e nem tem um nome definido até o momento. Já Tatiana alegou que estava em consulta médica e não poderia falar no momento. Até a publicação desta matéria não houve retorno por parte dela para saber qual a versão sobre a suspeita de levar embora itens do patrimônio do gabinete.

Desde de 2018 a Funai está funcionando no endereço, mas não se vê indígenas frequentando o local. Fomos saber o porquê e as respostas são muitas. Uma liderança indígena afirmou que Tatiana nunca representou os povos originários. E disse até que estava contente com a saída dela do posto.

Vale acrescentar que Mato Grosso do Sul é o segundo estado do País com o maior número de indígenas. Só em Campo Grande são em torno de 19 mil indígenas vivendo dentro do contexto urbano, no total de 20 comunidades indígenas. Eles estão na expectativa de que a Funai cumpra seu papel com a próxima nomeação.

Outra liderança indígena, Valmir Terena, que mora na Aldeia Água Bonita, resume a fundação com a palavra “caótica”. “É um órgão que poderia receber nós, para pelo menos ouvir a gente. Mas é cheio de segurança, como se tratassem a gente como bandido. Estão sempre fortemente armados, e nos escoltando. Os quatro anos foram assim. Então é só um cabide de emprego. Porque se investiu muito em segurança particular, do que atendimento in loco. Quando chegamos lá não somos bem atendidos”, explicou.

Nos últimos quatro anos, a única ação da Funai que recebe o reconhecimento de Valmir foi no contexto da entrega de cestas básicas durante a pandemia. Ele chegou a procurar ajuda na entidade com o interesse de criar cooperativas nas comunidades, mas foi informado que eles não podiam fazer nada a respeito.

“Ao longo dos 522 [anos] que o Brasil foi descoberto a gente vem sofrendo muito. Fomos esquecidos. Somos a escória da sociedade, vivendo como coitadinhos, recebendo cesta básica. Somos massa de manobra para o governo, porque é muita mais satisfatório a gente depender deles, do que eles dependerem de nós. Não reconhecem que somos uma potência. Não viemos lá do lado rural para ficar mendigando atenção. Queríamos uma mão estendida. Não só na época da política. O meu sonho é ver um indígena numa multinacional capacitado”, concluiu.

Dourados - O coordenador regional da Funai de Dourados, Valdir Roloff, confirmou que recebeu um e-mail informando que seria exonerado por meio de uma portaria do Ministério da Justiça, com data retroativa a 18 de janeiro em publicação no Diário Oficial da União. Valdir estava no cargo desde junho de 2020. Quem assume no lugar dele é o coordenador substituto, Vanderson Aparecido de Souza.

Para os indígenas ele foi conhecido como um coordenador atencioso, mas a presença de seguranças armados no prédio localizado na Avenida Marcelino Pires nº 3.923, no Jardim Caramuru, também incomodava a comunidade. O ex-coordenador explica que o serviço é comum nos prédios federais. "Esta prevista a segurança, por ser uma instituição pública federal", justificou.

De acordo com o coordenador indígena da Prefeitura de Dourados, Leomar Mariano Silva, a expectativa é que o futuro coordenador mude a tratativa com os povos originários. "Usamos muito pouco a Funai e estamos muito descontentes. Já barram a gente com atendimento bruto. Aqueles seguranças lá dão uma sensação ruim, até parece que estamos indo lá para tomar algo. Queremos alguém que nos represente", afirmou.

A distância do prédio da aldeia mais próxima é de 12 km. "É muito longe para os indígenas, que muitas vezes não tem uma bicicleta pra ir até lá. E eles não vêm na aldeia. Uma mãe que via lá e tem que levar até quatro filhos junto, é introvertida, vai buscar ajuda e ninguém pergunta nada. Tem gente que não é atendido e volta sem resolver nada", revela.

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