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Cidades

Morte na Buriti deflagrou de sem-fim de autoridades à promessa presidencial

Naquele 30 de maio, feriado de Corpus Christi, foi o corpo de um homem que jogou sangue e luzes sobre a disputa por terra em MS

Aline dos Santos | 04/03/2018 09:21
Corpo foi retirado para autópsia e velório que começou no dia 30 de maio, na pequena varanda da casa de Oziel, só terminou em 3 de junho. (Foto: Marcos Ermínio)
Corpo foi retirado para autópsia e velório que começou no dia 30 de maio, na pequena varanda da casa de Oziel, só terminou em 3 de junho. (Foto: Marcos Ermínio)

Uma quinta-feira, trinta de maio de 2013 era feriado de Corpus Christi, mas foi o corpo de um homem que jogou sangue e luzes sobre a disputa por terra em Mato Grosso do Sul. A morte do índio terena Oziel Gabriel, 35 anos, durante cumprimento de ordem judicial de reintegração de posse na fazenda Buriti, em Sidrolândia, mobilizou um sem-fim de autoridades.

Ministro da Justiça, efetivo da Força Nacional de Segurança, reuniões com conciliadores do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e audiências acaloradas, em que bate-boca e dedos em riste só cessaram mediante um telefonema presidencial. A promessa era de que a terra seria comprada pelo governo federal, atendendo assim fazendeiros e índios.

Quase cinco anos depois, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) manteve decisão que a posse é dos produtores rurais. Para amanhã (dia 5), os índios organizam um protesto em Sidrolândia. 

A véspera – A fazenda Buriti, em Sidrolândia, que pertence ao ex-deputado estadual Ricardo Bacha, faz parte dos 17 mil hectares exigidos pelos índios. A área foi invadida no dia 15 de maio de 2013. No mesmo dia, a Justiça Federal determinou a saída dos terenas. Na ocasião, foi feito um acordo para que a área fosse desocupada até 15 horas de 18 de maio.

No entanto, eles não saíram e ampliaram o processo de invasão, chegando à sede da fazenda. A PF (Polícia Federal) chegou a enviar efetivo para o local, mas a reintegração de posse foi suspensa pela Justiça até o dia 29 de maio, data da audiência para tentativa de acordo.

Após quatro horas de negociação, não houve entendimento e o juiz federal José Ronaldo da Silva determinou o cumprimento da reintegração de posse. Em caso de desobediência, foi fixada multa de R$ 10 mil para cada pessoa que permanecesse na propriedade.

A decisão judicial foi cumprida no dia 30 de maio, feriado de Corpus Christi. Os terenas relatam que equipes da PF e da PM (Polícia Militar) chegaram às 6h. Houve resistência e a situação acabou em confronto. A desocupação terminou às 15 horas.

A PF informou que três policiais ficaram feridos. No colete balístico de um deles foi encontrado um projétil. Os terenas atearam fogo a imóveis da fazenda. Dezoito índios foram detidos, sendo três adolescentes.

Em protesto, índios terenas atearam fogo na seda da fazenda Buriti. (Foto: Marcos Tomé/ Região News)
Em protesto, índios terenas atearam fogo na seda da fazenda Buriti. (Foto: Marcos Tomé/ Região News)

Carona no socorro - Oziel Gabriel foi baleado no abdômen. Ele foi levado pelos companheiros até o hospital beneficente Elmíria Silvério Barbosa. No meio do trajeto, o carro onde era transportado desgovernou e a vítima, inconsciente, foi levada de carona por um avicultor que passava pelo local. Ele morreu no hospital. A notícia foi recebida pelos parentes com protesto e gritos de “guerreiro”.

De lá, o corpo seguiu direto para a Pax Bom Jesus, sem passar pelo IML (Instituto Médico Legal). A plantonista do instituto havia viajado e levado a chave do local. Então, dois médicos foram à Pax. Conforme o laudo, o óbito foi por choque hipovolêmico decorrente de ferimento por arma de fogo. Oziel foi atingido por um tiro no abdômen, a bala passou pelo fígado e o projétil saiu pelas costas.

Com o impasse sobre a procedência da bala que tirou a vida de Oziel, o MPF (Ministério Público Federal) requereu uma nova perícia no corpo. O velório do indígena foi suspenso e o corpo levado ao IML de Campo Grande.

A autópsia foi realizada por peritos de Brasília. Desta forma, o velório que começou no dia 30 de maio, na pequena varanda da casa de Oziel, só terminou em 3 de junho, quando, finalmente, a vítima pode ser sepultada na terra da aldeia Lagoa do Meio, no entorno da fazenda em disputa.

Morto pela PF – Três anos depois, em 2016, o MPF concluiu que a bala 9 mm que matou Oziel era de uso exclusivo da Polícia Federal. Mas, sem saber quem atirou, o caminho era arquivar o caso. Uma delegada foi denunciada por improbidade administrativa, por ter concluído que não houve irregularidade na ação, cujo um dos comandantes era seu esposo.

Para o Ministério Público, a operação “Ego Sum Lex” teve uma sequência de erros e recomendou planejamento prévio, utilização de câmeras filmadoras e informar os demais órgãos da União, como a Funai (Fundação Nacional do Índio) e o próprio MPF, com antecedência de 48 horas.

A Polícia Federal negou que o disparou partiu de um dos seus agentes e de que a conclusão do MPF era “divorciada dos laudos necroscópicos realizados no Instituto Médico Legal de Sidrolândia e no Instituto Nacional de Criminalística, e, por isso, não está de acordo com a verdade”.

Então ministro, José Eduardo Cardozo veio várias vezes a MS. (Foto: Cleber Gellio/Arquivo)
Então ministro, José Eduardo Cardozo veio várias vezes a MS. (Foto: Cleber Gellio/Arquivo)

Romaria – A morte de Osiel deflagrou uma romaria de autoridades a Mato Grosso do Sul. A primeira missão do então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi em 5 de junho, quando desembarcou em Campo Grande com discurso de paz e o anúncio de 210 policiais da Força Nacional de Segurança.

Quinze dias depois, o ministro voltou à Capital e, desta vez, acompanhado por uma comitiva: ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, advogado geral da União, secretário nacional de Articulação Social e representante do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Naquele 20 de junho de 2013, foi anunciado que a presidente Dilma Rousseff (PT) autorizou por telefone a compra de 15 mil hectares de “terra nua”.

Até então, o processo de demarcação de área indígena determinava pagamento somente pelas benfeitorias. Em 13 de agosto, nova rodada de negociação entre o ministro da Justiça, índios e fazendeiros, com impasse sobre o valor a ser pago pelas terras. A União ofereceu R$ 78 milhões, mas laudo dos fazendeiros apontava para R$ 130 milhões. De impasse em impasse, nada foi resolvido. 

Em 2016,  MPF concluiu que bala partiu de arma da PF, mas sem autor definido, ninguém responde por morte de Oziel. (Foto: Simão Nogueira)
Em 2016, MPF concluiu que bala partiu de arma da PF, mas sem autor definido, ninguém responde por morte de Oziel. (Foto: Simão Nogueira)
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