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Cidades

MPT vê como retrocesso mudança no combate a trabalho escravo

“Mas existem as correntes invisíveis, como a servidão por dívida”, alerta procurador de MS sobre mudanças

Aline dos Santos | 17/10/2017 13:47
Resgate de trabalhadores em fazenda de Bataguassu, a 335 km de Campo Grande. (Foto: PRF/Divulgação)
Resgate de trabalhadores em fazenda de Bataguassu, a 335 km de Campo Grande. (Foto: PRF/Divulgação)

Feitas à canetada e de surpresa, as mudanças na divulgação da Lista Suja e no conceito de trabalho escravo, tornadas públicas ontem (dia 16) no Diário Oficial da União, são encaradas como “retrocesso absurdo” e um afago do governo federal a setores retrógrados da bancada ruralista.

Para o coordenador regional do Combate ao Trabalho Escravo do MPT/MS (Ministério Público do Trabalho), procurador Jonas Ratier, a portaria 1.129 acumula irregularidades.

“É uma portaria que nos causou muita surpresa e altera dispositivo de lei que só o Congresso pode alterar, a interpretação do que é trabalho escravo. A portaria é manifestamente inconstitucional , viola convenções. O Brasil, recentemente, foi condenado a estabelecer políticas públicas para combate ao trabalho escravo”, afirma.

Para quem associa escravidão ao Brasil do império, com pessoa amarrada a um tronco, sendo açoitada como num quadro de Debret, que marca presença nos livros de História; a modernidade trouxe o cenário análogo de trabalho escravo. Saem as correntes, mas entram condições precárias, como a encontrada em abril deste ano numa fazenda de Corumbá, no Pantanal.

Os trabalhadores viviam em barraco de madeira, dormiam em camas adaptadas em tábuas e tijolos; dividiam o espaço com remédios para gado, sacos de sal, material de montaria, galinhas, porcos e insetos; faziam as necessidades fisiológicas no mato e cozinhavam num fogão de lata improvisado. Na ocasião, foram retirados do local.

Com a mudança, conforme o procurador, as condições degradantes e a jornada exaustiva estão condicionadas à existência de cerceamento a liberdade de ir e vir, contrariando o Códio Penal. “Mas existem as correntes invisíveis, como a servidão por dívida”, diz.

Alojamento tinha condições precárias em fazenda de Bataguassu. (Foto: Divulgação/PRF)
Alojamento tinha condições precárias em fazenda de Bataguassu. (Foto: Divulgação/PRF)

Para ele, não esta dúvida sobre o que é situação degradante. “O trabalhador que mora em barracos de lona, dormindo nas camas de toras de madeira. Se não for degradante, se o fiscal, procurador, autoridade não puder interpretar, estamos num retrocesso absurdo. A palavra degradante já diz, o que desce de degrau da condição humana. Nós, homens médios, pensamos nas condições que as pessoas precisam para ter saúde, dignidade”, afirma.

Em 2017, o MPT contabiliza 20 trabalhadores resgatados de condição análoga à escravidão. Em 28 de janeiro, o flagra foi em fazenda de Bataguassu, com resgate de 11 pessoas. No dia 7 de fevereiro, quatro homens foram retirados de uma fazenda localizada no Pantanal, em região de difícil acesso.

Um deles tinha 64 anos e estava há quase duas décadas em condições degradantes de trabalho. O último flagrante foi em abril, com cinco trabalhadores retirados de fazenda em Corumbá.

No ano passado, o Estado aparece na lista das unidades federativas que mais libertaram trabalhadores. O ranking é liderado por Minas Gerais (129 trabalhadores), Piauí (105), Pará (91) Mato Grosso do Sul (82) e Bahia (70).

Neste ano, no Brasil, foram realizadas apenas 18 operações pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel. Em 2016, foram 106.

Lista Suja – Com a portaria, a divulgação do cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas às de escravo, conhecido como Lista Suja, será feita somente por determinação do ministro do Trabalho. Antes, era feito pela área técnica do ministério. A última edição traz um empregador de Mato Grosso do Sul: a fazenda Santo Antônio, localizada em Dourados.

Há cinco anos, por exemplo, o cadastro tinha 20 empregadores do Estado. “Temos avançado nessa parte. Algumas denúncias chegam ao nosso conhecimento, mas pelo menos tem diminuído”, afirma o procurador. A expectativa é que o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira de Oliveira, recue.

“Esperamos que o bom senso prevaleça. Que reveja essa posição defendida por setores retrógrados da bancada ruralista, que não entendem que o Brasil precisa avançar”, afirma.

Valioso – Por meio de nota, o Ministério do Trabalho informa que o cadastro de empregadores é um valioso instrumento de coerção estatal, e deve coexistir com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Para o ministério, a portaria aprimora e dá segurança jurídica à atuação do Estado Brasileiro, ao dispor sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo, para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização promovida por auditores fiscais do trabalho.

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