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Cidades

Obras na informalidade viram armadilha e podem causar tragédias

Luana Rodrigues | 12/11/2015 08:00
O pedreiro Vanilton perdeu a vida em uma situação semelhante a deste trabalhador. (Foto: Marcos Ermínio)
O pedreiro Vanilton perdeu a vida em uma situação semelhante a deste trabalhador. (Foto: Marcos Ermínio)
Jessica Alcantara de 21 anos, filha de Vanilton, que morreu num acidente de trabalho. (Foto: Marcos Ermínio)
Jessica Alcantara de 21 anos, filha de Vanilton, que morreu num acidente de trabalho. (Foto: Marcos Ermínio)

Depois de 30 anos construindo e fazendo reformas em casas de conhecidos, outros que nem conhecia, o maior sonho do pedreiro Vanilton de Souza de 43 anos, era terminar a própria casa, para dar um teto digno a família. Com ele moravam as quatro filhas que, após a separação da esposa, criou sozinho desde muito pequenas. O sonho não se concretizou, porque o pedreiro perdeu a vida em um acidente de trabalho no dia 18 do mês passado. Vanilton caiu de escada em uma obra informal, onde trabalhava sem nenhum equipamento de segurança, e sem registro em Carteira de Trabalho.

É a filha do pedreiro, Jessica Alcantara de 21 anos, que conta ânsia do pai em terminar a própria casa. O último serviço, que o levou a morte, renderia a quantidade de gesso necessária para revestir o imóvel, que ainda está no tijolo cru. "Pra nós foi muito difícil, porque ele que semrpe sustentou a casa, ajudou a mim e minhas irmãs e queria muito que tivéssemos uma casa melhor. Mas agora nós vamos batalhar para terminar", disse a moça.

Jessica conta que no momento em que morreu, Vanilton estava arrumando algo numa caixa d'água, e a obra era de um amigo dele, por isso eles até agora não procuraram a justiça para pedir qualquer indenização. "Ele sempre fazia esses serviços, já estava acostumado, foi uma fatalidade", afirma.

O que chama atenção nessa história, é que o caso de Vanilton não é o único. Dados da Previdência Social, mostram que são registrados de 350 a 400 acidentes de trabalho por ano na construção civil no Estado. Esses dados incluem somente aqueles acidentes graves e típicos, ou seja, excluem acidentes em que o trabalhador fica menos de 15 dias afastado do trabalho e não consideram acidentes de trajeto.

Além disso, conforme o MTE/MS( Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul), a proporção de registros de acidentes está diretamente vinculada a informalidade. Há estudos que estimam que os dados oficiais de acidentes de trabalho na construção civil contabilizam somente 20% dos ocorridos, pois a informalidade no setor é muito grande, e sendo assim, 80% dos acidentes não são registrados.

Em 2015, de janeiro e setembro, foram registrados 199 acidentes típicos e graves na construção civil em MS. Estima-se, porém, que esse número pode chegar a 1000, em razão dos acidentes não computados nos dados oficiais. Oficialmente, foram registrados três acidentes fatais na construção civil em 2015, mas há notícias de pelo menos cinco acidentes fatais não registrados.

Ainda segundo o MTE, levando isso em consideração, a média anual de acidentes graves e típicos na construção civil no Estado varia entre 1750 e 2000, e que grande parte do risco está em obras e trabalho informal. "A informalidade é muito grande. Tem empregador que chega a reter a carteira de trabalho e só registra em caso de acidente, para evitar um problema maior", explica o auditor fiscal do MTE, Leif Raoni de Alencar Naas.

Na avaliação de Leif, a precarização do setor, pode estar ligada à expansão acelerada do setor. A terceirizações e quarteirizações, que precarizam a saúde e segurança do trabalho. Houve até casos recentes de trabalho escravo no setor. Isso porque, em termos de crescimento, um dos setores que mais tem se destacado no Brasil é certamente o da construção civil.

No entanto, a principal razão apontada pelo auditor para a quantidade de acidentes é a falta de treinamento dos trabalhadores e responsabilidade por partes dos empregadores, e a informalidade.

Auditor fiscal do MTE, Leif Raoni de Alencar Naas. (Foto: Marcos Ermínio)
Auditor fiscal do MTE, Leif Raoni de Alencar Naas. (Foto: Marcos Ermínio)

Trabalhador X empregador - A Norma Regulamentar (NR) 18, que rege as condições e meio ambiente de trabalho na indústria da construção, obriga as empresas a fornecerem treinamento. Na prática, contudo, as instruções muitas vezes não são dadas adequadamente, principalmente quando se tratam de contratações informais. "A grandes empresas costumam fazer algum treinamento protocolar, mas nada de palestras palestras específicas sobre o uso de EPI's, por exemplo", explicou.

Além disso, segundo MTE, a maioria dos trabalhadores não tem consciência de que manter o ambiente de trabalho organizado e seguro, é de responsabilidade dos empregadores. "A obrigação de conceder a segurança no trabalho é do empregador e essa obrigação não pode ser passada para o empregado, por exemplo, não é o empregado que vai ter que comprar um andaime correto, não é o empregado que vai ter comprar um cinto de segurança, um capacete, quem tem comprar todos os equipamentos de segurança é a propria empresa", esclareceu.

Ocorre que muitos trabalhadores não sabem que essa responsabilidade é de quem emprega e por isso não buscam direitos quando se veem em uma situação complicada após um acidente de trabalho. "É muito comum você escutar um trabalhador dizendo que não prestou atenção, ou que estava muito cansado, quando na verdade o principal fator contribuinte para o acidente é o ambiente de trabalho", diz.

Fiscalizações já renderam 986 autos de infração em obras no Estado. (Foto: Marcos Ermínio)
Fiscalizações já renderam 986 autos de infração em obras no Estado. (Foto: Marcos Ermínio)

Fiscalização - Com a informalidade se alastrando por aproximadamente metade de toda construção civil, o MPT tem intensificado a fiscalização com o objetivo de atuar de forma preventiva, para tentar evitar a ocorrência de mais problemas no setor.

Mas são as denúncias as principais ferramentas contra os acidentes, já que atualmente, existem só 40 auditores fiscais em todo estado, dos quais somente 30 fazem serviço externo. O número é defasado, pois segundo critérios da Organização Internacional do Trabalho, a quantidade correta deveria ser de 200 auditores.

Para combater a informalidade e idenitifcar os acidentes que ocorrem nas obras não registrada, até a imprensa ajuda. "Estamos sempre atentos aos veículos de comunicação, que acaba sendo uma das úncias ferramentas para identificar os acidentes nas obras informais", conta Leif.

Mesmo com pouco efetivo, o MTE realiza visitas sazonais nas obras existentes no estado, a prova está nos números. Em 2015, 85 obras foram embargadas pelo MTE por conta de problemas quanto a segurança no ambiente de trabalho.

Também foram aplicados 986 autos de infração. As multas decorrentes desses autos de infração variam de R$ 900,00 a R$ 8.000,00 por infração. Em média, em cada fiscalização de construção civil há a lavratura de 10 a 15 autos de infração.

Canteiro de obras vira armadilha e acende alerta para riscos da informalidade. (Foto: Marcos Erminio)
Canteiro de obras vira armadilha e acende alerta para riscos da informalidade. (Foto: Marcos Erminio)
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