Orfãs em acidente que matou os pais na 163, mulheres viram irmãs na dor
Uma mesma dor fez brotar a amizade entre duas mulheres que tiveram as vidas atravessadas pela tragédia. Num domingo, 11 de maio de 2008, Angelina e Fátima perderam os pais em colisão frontal na BR-163, no município de Bandeirantes.
“Surgiu uma amizade, somos amigas. Eu fiquei muito revoltada, ela também. Tentei buscar todos os caminhos. É muito difícil, a gente não supera”, conta Angelina Penze Campagna Nunes da Cunha, 51 anos.
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Nos diálogos para resolver coisas práticas quanto ao seguro dos veículos, descobriram outras coincidências. “Ela também tinha dois filhos, o marido dela também estudou no Rio de Janeiro”, diz. Mas o principal ponto em comum foi o sofrimento. Nas tentativas de silenciar a dor, Angelina procurou pessoas que perderam pais, pessoas que perderam filhos, mas foi na amiga de infortúnio que encontrou sinônimo para a sua tristeza.
“É muito difícil. Conversava com todo mundo, nada batia. Conversei com quem tinha perdido mãe ou pai, com quem perdeu a mãe e o pai. Nada aliviava. Conversei com uma senhora que perdeu mãe e filho. Mas não batia, não era a mesma coisa”, diz, emocionada, Angelina.
Com a filha do outro casal, foi diferente. “Era a mesma situação. A gente chorava junto. Ela lembrava o que a mãe fazia, eu lembrava o que a minha mãe fazia”, relata.
Incrédula, até hoje Angelina tenta entender como o pai, um condutor precavido e que conhecia a BR-163 desde os tempos que passava a cavalo na estrada de terra, se envolveu em acidente. “Ele voltava do velório de uma irmã, mas estava bem, tinha dormido. Sempre foi muito cauteloso”, recorda.
Ayres Penze e a esposa Eraide Campagna Penze, 76, estavam em uma caminhonete S-10. O veículo bateu de frente com um Corsa Classic, onde estavam Geraldo Sanches, 70, e Geraldina Teixeira Sanches, 71. Eraide, Geraldo e Geraldina morreram na rodovia.
Ayres chegou a ser socorrido, mas morreu quando a ambulância se aproximava de Campo Grande. “Saber da morte da minha mãe já foi um baque. Não quiseram falar do meu pai para mim. Consegui entrar na Santa Casa e chacoalhava meu pai. Pedia: ‘Você não, pai. Você não, pai’”.
Morando em Bandeirante, a 70 quilômetros de Campo Grande, Angelina afirma que a BR-163 foi a sua vida. “Nunca tive medo dela. Ia e voltava todos os dias, levando meus filhos para estudarem em Campo Grande”, relata.
A exemplo de Angelina e Fátima, a BR-163 foi determinante em muitas histórias. Entre 2010 e 14 de fevereiro deste ano, 362 pessoas perderam a vida na estrada, que leva a alcunha de Rodovia da Morte.