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Compartilhando Justiça

O projeto anticrime e a execução provisória

Juliana Medina de Aragão | 20/02/2019 09:00
O projeto anticrime e a execução provisória

Após a dimensão tomada pelas descobertas realizadas na operação Lava Jato que deram ensejo a várias investigações, prisões e até mesmo condenações de pessoas que sempre estiveram à margem da lei, surge a ideia do projeto anticrime. O que se nota é uma necessidade de mudança na interpretação sistêmica das normas constitucionais e infraconstitucionais como forma de se tentar prevenir e combater crimes considerados graves, em especial o de “corrupção”. Referidas modificações se fazem necessárias para atender aos anseios sociais, mas evidentemente é imprescindível que estejam em equilíbrio com as normas constitucionais que asseguram às pessoas os direitos e garantias fundamentais que foram com muito custo implementadas no ordenamento jurídico.

Neste contexto, o então Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, autor do projeto em questão, propõe a alteração de diversas legislações, dentre as quais do Código de Processo Penal (Decreto – Lei nº3.689, de 3 de outubro de 1941), que regulamenta as normas a serem observadas pelo Estado para efetivar o seu poder de punir.

Entre as modificações a serem realizadas no Código de Processo Penal, propõe-se a criação do art. 617-A, estabelecendo que o acórdão condenatório proferido pelo tribunal já terá o condão de assegurar o início do cumprimento de pena, independentemente da espécie de pena aplicada ao infrator. Já faz muito tempo que esta questão vem sendo objeto de acirradas discussões na seara jurídica, por entenderem alguns juristas que assim agindo o Estado Administração da Justiça detentor do direito de punir estaria violando o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que estabelece que ninguém poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Nesta visão, para que o infrator da norma tenha sua liberdade definitivamente cerceada, seria imprescindível o esgotamento das vias recursais.

Em outra posição, há entendimento de que os recursos Especial e Extraordinário não são destinados a reanálise de provas, ou seja, a análise fática e probatória se esgotaria com a confirmação de sentença condenatória pelo acordão mantenedor da decisão. Nesta perspectiva, não havendo nenhuma violação a qualquer espécie de garantia assegurada pela Constituição ou pela lei ao acusado. Esse debate já vem há muito sendo realizado pelo Supremo Tribunal Federal, que decidiu após o julgamento do habeas corpus 126.292/SP, em 17 de fevereiro de 2016, pela possibilidade de se iniciar o cumprimento da pena após ser proferido o acordão condenatório. Os parágrafos 1º e 2º, do art. 617-A em comento, estabelecem, respectivamente, que em caráter excepcional o tribunal poderá deixar de autorizar a execução provisória das penas, desde que haja possibilidade plausível do Tribunal Superior rever a condenação. O projeto tenta deixar claro o cuidado no sentido de não serem todas as decisões confirmatórias de condenação que necessariamente serão passíveis de execução provisória.

O projeto prevê também a alteração do art. 637, do Código de Processo Penal e dos seus parágrafos 1º e 2º, estabelecendo que os recursos: Especial para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e Extraordinário para o STF (Supremo Tribunal Federal) não terão efeito suspensivo, fazendo ressalva, entretanto, à possibilidade desses tribunais superiores excepcionalmente atribuírem referido efeito em determinadas hipóteses previstas em lei, desde que verificado cumulativamente que o recurso: I- não tenha caráter protelatório; e II - levante uma questão de direito federal ou constitucional relevante, com repercussão geral e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou alteração do regime de cumprimento de pena para o aberto.

Ainda, no sentido de legitimar a execução provisória do acordão condenatório, prevê-se alteração do art. 283, com a redação de que ninguém será preso senão em virtude de condenação criminal transitada em julgado ou “exarada por órgão colegiado”. Com isso o tribunal estará autorizado a determinar que o acusado possa começar a cumprir a pena a ele infligida após decisão proferida.

Em suma, um dos aspectos mais polêmicos do projeto anticrime na esfera processual penal está adstrito a possibilitar, por intermédio de lei, que o acusado possa vir a cumprir a pena proferida na sentença condenatória após a confirmação da sentença pelo acordão condenatório. A lei assim, pacificaria o entendimento que já vem sendo realizado pelo Supremo Tribunal Federal de que após a confirmação da responsabilidade do infrator da norma penal por intermédio da análise probatória reavaliada em segunda instância, não há necessidade de se aguardar o término do prazo dos recursos para as instâncias superiores para que o réu possa iniciar o seu cumprimento da pena.

No nosso entendimento, o ativismo judicial realizado pelo Supremo Tribunal Federal não garante a segurança jurídica, isto é, tenta-se resolver o problema corrupção generalizada, mas acaba sendo uma ameaça para o devido processo legal acusatório, no qual o juiz deve atuar de forma imparcial para dirimir as controvérsias jurídicas ocorridas no âmbito penal. Ainda que não estejamos convencidos de que a interpretação dada à Constituição Federal pela nova legislação seja a mais adequada, nem de que o projeto anticrime será o caminho mais eficaz para o combate à corrupção, entendemos que a conversão do projeto em lei trará maior clareza e segurança jurídica às partes no processo penal.

O projeto anticrime e a execução provisória

JULIANA MEDINA DE ARAGÃO

Advogada Criminalista. Professora mestre em direito da Universidade Católica Dom Bosco.

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