Por que bancos temem a Recuperação Judicial rural?
Nos últimos anos, o Brasil assistiu a um crescimento expressivo no número de produtores rurais que buscaram a Recuperação Judicial (RJ) como meio de reorganizar suas dívidas e preservar a continuidade da atividade. A forte oscilação dos preços das commodities, o aumento dos insumos, os eventos climáticos extremos, a retração do crédito e a instabilidade econômica criaram um cenário de verdadeira tempestade para milhares de empreendedores do campo.
Esse movimento natural, legítimo e previsto em lei, desencadeou uma reação intensa do sistema financeiro. Alguns bancos passaram a divulgar mensagens diretas ou indiretas com objetivo claro: colocar medo no produtor rural e desestimular o uso da recuperação judicial. São frases repetidas, quase decoradas:
“Se entrar em RJ, nunca mais terá crédito.”
“Isso fecha portas para sempre.”
“O banco não vai mais fazer negócio com você.”
Apesar de parecerem firmes, essas declarações são emocionais, feitas no calor da crise e não representam nem a realidade jurídica nem a realidade econômica do crédito rural no Brasil.
E este é o ponto que precisa ser dito com clareza.
A verdade é que os bancos têm medo da recuperação judicial — e há razões para isso
O temor das instituições financeiras não nasce de uma injustiça. Ele nasce do fato de que a Recuperação Judicial, especialmente no agronegócio, equilibra a relação de forças, limita abusos e retira do banco o poder de impor unilateralmente suas condições.
E esse equilíbrio gera consequências jurídicas importantes que justificam, do ponto de vista do banco, grande preocupação.
Já a abordei em outros textos, mas vou reforçar aqui porquê a RJ pode ser tão boa para os produtores rurais.
O poder do deságio: reduções que seriam impossíveis fora da RJ
Em renegociações privadas, os bancos raramente concedem qualquer deságio significativo.
Mas dentro da recuperação judicial, a realidade muda completamente.
Hoje, é comum vermos deságios entre 60% e 90% em determinados créditos, sobretudo financeiros e quirografários.
Para o produtor rural, isso é a diferença entre:
- reorganizar-se e continuar produzindo, ou
- perder patrimônio e sair do mercado.
Para o banco, porém, isso significa:
- reduzir sua margem de lucro, pois o “banco nunca perde”, pois diante dos benefícios fiscais que possui, apenas ganha menos do que havia planejado;
- aceitar condições que jamais aceitaria voluntariamente e
- ver sua expectativa econômica sendo redefinida pelo plano.
Isso explica a resistência.
A RJ funciona e traz resultados concretos para o produtor. Por isso, os bancos temem.
Carência extensa: o tempo que salva o produtor rural
Outro ponto que incomoda profundamente as instituições financeiras é a carência.
Planos de recuperação judicial no agronegócio frequentemente preveem carência de 1 a 3 anos, permitindo que o produtor:
- recupere fluxo de caixa,
- reorganize produtividade,
- volte a gerar receita,
- renegocie contratos,
- recupere solo, pasto, máquinas, plantel e insumos.
Fora da RJ, os bancos raramente concedem sequer alguns meses de fôlego.
Dentro dela, a carência é instrumento legítimo previsto na lei e alinhado ao objetivo do art. 47 da Lei 11.101/2005: preservar a atividade econômica.
Para o produtor, é vida.
Para o banco, é perda de pressão.
Cram down: o maior pesadelo dos bancos
O cram down merece destaque.
É ele que tira do banco o papel de “senhor da votação”.
Mesmo que a instituição rejeite o plano, o juiz pode homologá-lo se os requisitos legais forem atendidos.
Em resumo:
- O banco perde o poder de veto.
- A vontade da maioria prevalece.
- A função social da atividade e a viabilidade do plano se sobrepõem ao interesse isolado da instituição financeira.
Não é surpresa que esse seja o ponto mais temido.
A chamada “concursalidade”: até créditos com garantias fortes podem ser limitados
Bancos costumam acreditar que, possuindo garantia robusta — especialmente alienação fiduciária — estarão totalmente protegidos.
Mas dentro da recuperação judicial existe um freio relevante: a essencialidade do bem.
Se o bem dado em garantia for indispensável à atividade rural — fazenda, colheitadeira, trator, silo, insumos armazenados — o banco não pode simplesmente retomá-lo.
O juiz pode suspender a execução e impedir a retirada.
A razão é simples:
Não faz sentido destruir a atividade que gera renda justamente para pagar a dívida.
Essa limitação jurídica tira do banco a ferramenta de pressão mais poderosa que ele possui: a execução imediata.
A ameaça dos bancos é emocional — e não se sustenta no tempo
Aqui está o ponto fundamental que você pediu para reforçar.
As declarações de que “o produtor nunca mais terá crédito” são ameaças emocionais, típicas de momentos de turbulência.
Elas não se confirmam na prática por três motivos principais:
a) Os bancos precisam emprestar — por lei e por negócio
O crédito rural não é um favor: é uma política pública estruturada, envolvendo recursos controlados que obrigam o banco a operar financiamentos.
Mesmo quando se trata de recursos próprios, o banco precisa emprestar para:
- manter margem financeira,
- girar capital,
- obter resultados,
- cumprir metas internas.
Quando a fase ruim passa e o produtor volta a ter patrimônio, organização e garantias, os bancos voltam sim a financiar — porque precisam, porque é lucrativo e porque é assim que o sistema funciona.
b) O agronegócio sempre renasce — e os bancos sabem disso
A história econômica brasileira comprova:
toda crise agrícola é seguida por retomada.
A produção volta. O crédito volta. O mercado volta.
E o produtor rural continua sendo um dos melhores devedores do país.
Quando a poeira baixar, o sistema financeiro não vai abrir mão de um cliente sólido por ressentimento de crise. Não há racionalidade econômica nisso.
c) O produtor rural não depende mais apenas do banco tradicional
Este é outro ponto estratégico.
Hoje, a atividade agrícola conta com:
- Fundos de investimento dedicados ao agronegócio;
- Fundos especializados em financiar empresas em recuperação judicial;
- Investidores institucionais;
- Securitizadoras;
- CRA, CPR, FIAGRO;
- Cooperativas de crédito;
- Plataformas digitais de financiamento;
- Modalidades específicas previstas na própria Lei 11.101/2005.
Isso altera a dinâmica:
Os bancos perderam o monopólio do crédito rural.
E, justamente por isso, temem que o produtor que antes dependia apenas deles encontre alternativas melhores fora deles.
Ou seja, a Recuperação Judicial é um direito, não um último suspiro
Nada do que está acima é artificial ou improvisado.
A recuperação judicial é um direito previsto em lei, criado para permitir que empresas e produtores em dificuldade preservem seu patrimônio, reorganizem suas dívidas e continuem produzindo.
Ela não é:
- vergonha,
- fraude,
- golpe,
- nem mancha eterna.
Ela é uma ferramenta jurídica de reorganização.
E funciona.
Conclusão: a verdade que o produtor rural precisa ouvir
Os bancos têm medo da recuperação judicial porque ela:
- reduz dívidas por meio de deságio;
- concede carência para o produtor respirar;
- permite o cram down contra a vontade do banco;
- limita a execução de garantias essenciais;
- quebra a pressão unilateral nas renegociações e
- fortalece a posição jurídica do produtor.
E têm medo também porque:
- o mercado de crédito rural deixou de ser concentrado;
- os fundos especializados cresceram;
- há dinheiro novo disponível;
- e o produtor não depende mais de um único agente.
Quanto às ameaças de “nunca mais dar crédito”, a verdade é simples:
Elas não se sustentam.
Quando a crise passar — e ela vai passar — os bancos voltarão a emprestar, porque isso é lei, é negócio e é lucrativo.
A recuperação judicial não destrói relacionamentos.
O que destrói relacionamentos é o medo, a desinformação e a tentativa de intimidar o produtor rural justamente quando ele mais precisa de apoio.
Mais do que nunca, o produtor rural precisa saber que:
A recuperação judicial não é o fim.
É o recomeço.
E é um recomeço com proteção, estratégia e dignidade.
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Autor:
Henrique Lima é advogado com atuação focada no atendimento a produtores rurais, empreendedores, empresas e grupos familiares com problemas jurídicos, especialmente em temas envolvendo direito agrário, contratual, dívidas bancárias, família, sucessões, tributário, direito e responsabilidade civil. É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e com cinco pós-graduações (lato sensu). É sócio-fundador do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados que possui unidades em Curitiba-PR, São Paulo-SP e Campo Grande-MS, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.



