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Em Pauta

Espelho meu, existe alguém mais individualista que eu?

Mário Sérgio Lorenzetto | 14/05/2019 06:36
Espelho meu, existe alguém mais individualista que eu?

A bruxa má errou. A ideia do espelho não era a de perceber a beleza. Com a criação do espelho de vidro a grande transformação foi a do coletivismo em individualismo. Essa foi uma das maiores transformações do mundo, surgida no século XV, foi gradualmente aprofundada até nossos dias, uma época que pode ser denominada de "Era do Individualismo".

Espelho meu, existe alguém mais individualista que eu?

Sai o espelho de metal, entra o de vidro.

Metais polidos e espelhos de obsidiana existem desde tempos muito antigos. O advento dos espelhos de vidro é uma transformação crucial, permitiram que as pessoas vissem a si mesmas com clareza pela primeira vez. Espelhos de cobre ou de bronze polidos eram muito ineficientes, refletiam apenas 20% da luz. Além dos mais, eram extremamente caros. Até o século XV, as pessoas só viam o reflexo embaçado do próprio rosto em uma poça de água.
O espelho de vidro convexo foi inventado pelos venezianos por volta de 1.300, possivelmente em consequência do desenvolvimento das lentes de vidro usadas nos primeiros óculos (inventados em 1.280).
Em fins do século XIV, o espelho já tinha chegado ao norte da Europa. As pessoas começavam a saber como eram vistas por outros seres humanos.

Espelho meu, existe alguém mais individualista que eu?

A individualidade não existia.

O simples fato de alguém se ver no espelho o incentivava a pensar em si mesmo de uma forma diferente. Ele começou a ver a si próprio como um ser único. Antes, os parâmetros da própria identidade limitavam-se às relações com pessoas do mesmo círculo de convivência. Portanto, a individualidade não existia. As pessoas só entendiam a individualidade no contexto de grupos - sua casa, sua propriedade, sua paróquia, sua cidade. É por isso que, na Idade Media, o banimento e o exílio eram consideradas punições extremamente severas. O comerciante que fosse expulso de sua terra natal perderia tudo que lhe dava identidade. Seria incapaz de conseguir o próprio sustento. Também não conseguiria empréstimos e nem qualquer transação comercial. Perderia a confiança de todo mundo. Perderia toda a proteção física, social e econômica.

Espelho meu, existe alguém mais individualista que eu?

Surge a auto-estima.

O que aconteceu no século XV com o advento dos espelhos não foi bem o fim da identidade comunitária, mas o início da conscientização das pessoas de suas qualidades individuais, independentemente dos vínculos que tinham com suas comunidades. À velha noção de identidade coletiva somou-se um novo sentimento de auto-estima. Foi uma transformação profunda. Chegou até a tudo que se escrevia. Pela primeira vez, as pessoas comuns começam a falar e escrever sobre seus sentimentos e pensamentos. Há outra transformação que jamais poderíamos imaginar: as pessoas comuns passaram a registrar a data e a hora de seu nascimento. Só os nobres e os muito ricos sabiam quantos anos tinham.

Espelho meu, existe alguém mais individualista que eu?

Os primeiros passos da privacidade.

Também começou a surgir o desejo de maior privacidade. Até então, os chefes de família e seus familiares dividiam o mesmo ambiente, se alimentavam e dormiam no mesmo cômodo, junto com os criados. Todos ficavam em um salão. Com os espelhos, começaram a construir quartos particulares para si mesmos e até para possíveis hóspedes. Todos longe do salão principal. Assim como em outras transformações profundas ao longo da história, eles não tinham consciência da importância do que faziam. Espelho, espelho meu... que transformação!

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