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Em Pauta

Jeans capitalistas, pijamas maoístas e véus islâmicos

Mário Sérgio Lorenzetto | 11/08/2017 07:11
Jeans capitalistas, pijamas maoístas e véus islâmicos

Foi há muito tempo, no Velho Oeste, que nasceu a indumentária universal. O jeans começou a vida como a roupa nada prática dos mineradores e vaqueiros. Nos anos 1970, era a peça de roupa mais popular do mundo - e um símbolo politicamente potente, o símbolo do capitalismo.

O jeans, tal como o conhecemos, foi criado em 1873, quando Levi Strauss, um comerciante de produtos secos nascido na Bavária, e Jacob Davis, um alfaiate do Reno, patentearam o uso de rebites de cobre para reforçar os bolsos dos "macacões" dos mineradores. O tecido que eles usaram era o brim ou "denim" (originalmente o brim era chamado "serge de Nîmes", assim como jeans deriva de Genoa, Gênova em português). Esse brim dos primeiros jeans eram fabricados com algodão norte-americano e tingido com índigo, também dos EUA. Nacionalista. As fábricas originais da Leví ´s ficavam em S.Francisco, e foi lá que a conhecida etiqueta de couro foi usada pela primeira vez, em 1886, mostrando dois cavalos que não conseguiam rasgar uma Levi´s. O jeans azul é barato de produzir, fácil de limpar, difícil de destruir e confortável de usar. Por que foi que o jeans - que também foi distribuído para os presos nas penitenciárias dos EUA - passou a dominar o mundo da moda? A resposta está em duas das indústrias de maior sucesso do século XX: o cinema e a publicidade.

Começou quando o jovem John Wayne trocou as "chaparreiras" (roupa de vaqueiro) de couro com franja dos filmes de caubói pelo jeans que usou em "No tempo da diligências" (1939). Então vieram os jeans e jaquetas de Marlon Brando em "O selvagem" (1953), seguidos por James Dean em "Juventude transviada" (1955) e Elvis Presley em "O prisioneiro do rock" (1957). Os publicitários promoveram ainda mais o visual rústico com o "homem de Marlboro", o caubói que usava jeans e fumava cigarro, concebido em 1954.

Jeans capitalistas, pijamas maoístas e véus islâmicos

Os pijamas maoístas

Com a revolução comunista de Mao Tsé-Tung em 1949, a China se tornou a sociedade mais sombria do mundo. Os últimos vestígios da seda da era Qing haviam desaparecido, assim como os trajes ocidentais favorito dos chineses nacionalistas. Na busca pela igualdade total , todos receberam vestimentas que eram muito parecidas com pijamas. Cinza. Mas hoje, ao caminhar por uma típica rua chinesa o que vemos é um caleidoscópio de estilos de jeans. Outdoors em todas as cidades exaltam as virtudes das marcas de jeans ocidentais, de Armani a Ermenegildo Zegna.
Assim como em todas as revoluções industriais, a da China começou com a produção têxtil. Até recentemente, a maioria das peças manufaturadas por lá era destinada à exportação para o ocidente. Hoje, com a demanda em baixa nas economias ocidentais, o principal desafio das autoridades chinesas é como fazer o trabalhador de seu país poupar menos e consumir mais; em outras palavras, comprar mais jeans. É como se o triunfo da sociedade de consumo do ocidente estivesse próximo de ser completo. Ou não? Os véus islâmicos estão aí para desmentir esse domínio total e absoluto do jeans.

Jeans capitalistas, pijamas maoístas e véus islâmicos

Os véus islâmicos chocam o ocidente

É estranho, mas tanto católicas como muçulmanas há bem pouco tempo usavam véus. Hoje, a dissensão entre as duas religiões está escrita por conta desse pano que cobre a cabeça. Istambul é a demonstração clara dessa separação. Ela é uma cidade cosmopolita, onde as roupas e acessórios da civilização ocidental há muito são lugar-comum nas ruas. Caminhando pelos principais centros de compra de Istiklâl Caddesi, a sensação é de que poderíamos estar qualquer cidade ocidental. Mas basta ir a outra parte na mesma Istambul - na área de Fatih, perto de Sultão Ahmed, por exemplo - e as coisas parecem muito diferentes. Para os mulçumanos devotos, as normas ocidentais de indumentária feminina são inaceitáveis, porque revelam mais do permite a religião. E é por isso que, em um país que é majoritariamente muçulmano, o turbante, o veú (niqãb ou khimãr) e a capa preta solta (abaya) estão de volta.

Isso representa uma importante mudança de direção para a Turquia. O fundador da república turca, Kemal Atatürk ocidentalizou o modo como os turcos se vestiam, proibindo o uso de roupas religiosas em todas as instituições estatais. O governo militar que chegou ao poder em 1982 ressuscitou essa política proibindo as estudantes de usar véus na universidade. Essa proibição, no entanto, não foi rigorosa até 1997. Mas quando as autoridades convocaram as tropas para fazer valer a lei, o país mergulhou na crise. Em outubro de 1998, por volta de 140 mil pessoas protestaram contra a proibição, dando as mãos para formar uma corrente humana em mais de 25 províncias. Uma série de mulheres chegou a cometer suicídio em protesto. Em 2008, o governo islâmico de Erdogan, alterou a lei para permitir o uso de véus, mas a decisão foi derrubada pelo Tribunal Constitucional. A Corte Europeia de Direitos Humanos também defendeu a proibição do véu.

A questão ilustra como nossas roupas e acessórios podem ter um significado profundo. O lenço de cabeça ou o véu são meramente uma questão da fé pessoal, que qualquer sociedade ocidentalizada deveria tolerar com base no princípio de igualdade de expressão? Ou são símbolos antiquados da desigualdade social determinada pelo Islã, que uma sociedade secular deveria proibir? Em suma, o que as pessoas vestem é importante, por vezes, fundamental.
Talvez a ameaça definitiva ao modo de vida ocidental venha não do islamismo radical nem de outra força externa, e sim de nossa falta de compreensão e de fé com relação à nossa própria herança cultural.

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