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Em Pauta

Mourão foi o general dos tanques nas estradas. Mourão é o general da nova crise

Mário Sérgio Lorenzetto | 23/09/2017 07:55
Mourão foi o general dos tanques nas estradas. Mourão é o general da nova crise

Nas primeiras horas do dia 31 de março de 1964, o Jornal do Brasil começara a circular. Trazia uma artigo de Carlos Castello Branco intitulado "Minas desencadeia luta contra Jango (presidente do Brasil)". Em Juiz de Fora, o general Mourão Filho iniciava um solilóquio com seu diário. Ás 2h30 da madrugada ele registrou: "Acendi o cachimbo e pensei: não estou sentindo nada e, no entanto, dentro de poucas horas deflagrarei um movimento que poderá ser vencido, porque sai pela madrugada e terá de parar no meio do caminho".
Mourão tinha muito boa opinião a respeito de si. Em 1937, como aluno da Escola de Estado-Maior e chefe do serviço secreto da Ação Integralista Brasileira, fora o redator de um hipotético esquema de subversão comunista. O exercício de ficção fora batizado de Plano Cohen e, dado por autêntico, servira de justificativa para o golpe do Estado Novo.
Às cinco horas, Mourão anotou: "Eu estava de pijama e roupão de seda vermelho. Posso dizer com orgulho de originalidade: creio ter sido o único homem no mundo (pelo menos no Brasil) que desencadeou uma revolução de pijama". Em seguida, disparou sua metralhadora.
No início da tarde nenhum soldado de Mourão tinha saído do lugar, mas ele já trocara o roupão de seda pelo uniforme de campanha, um pouco folgado na sua pequena e magra figura. Às treze horas o general teve fome e foi para casa almoçar. Depois, mantendo seus hábitos, dormiu. Julgava-se à frente de uma revolução, mas continuava a 150 quilômetros do Rio de Janeiro. Tinham se passado oito horas desde o momento em que se considerava insurreto. Salvo os disparos telefônicos que, ao fim, atingiram o general Castello Branco e outros de envergadura no Exército, e a movimentação de um pequeno esquadrão de reconhecimento que avançara algumas dezenas de quilômetros, sua tropa continuava onde sempre estivera: em Juiz de Fora. Mourão surpreendera os dois lados. Tanto os governistas como os oposicionistas o criticavam abertamente. Mas não havia combates à vista.

Mourão foi o general dos tanques nas estradas. Mourão é o general da nova crise
Mourão foi o general dos tanques nas estradas. Mourão é o general da nova crise

Tanques nas estradas, cheiro de medo e indefinição no ar.

Finalmente, Mourão colocou seus tanques na estrada. No fim da tarde a vanguarda da tropa mineira descera 25 quilômetros em direção ao Rio de Janeiro. Deslocava-se pela estrada União e Indústria, e parara na localidade de Estação Paraibuna. Chefiava-a o general Antonio Carlos Muricy. Apanhado de surpresa pelo comando de Mourão, Muricy perdera a manhã ao volante de sua camionete Willys, em direção aos tanques. Depois de inspecionar as tropas, Muricy percebeu que mais de metade de seus homens eram recrutas mal-instruídos. Pior, tinha munição para poucas horas. Mourão atirava um manifesto contra Jango: "Não merece ser havido como guardião da Lei Magna e, portanto, há de ser afastado do poder de que abusa". As coisas pareciam cada vez mais difíceis para os sublevados. Além de Castello Branco, o general Costa e Silva, decidira abandonar seu gabinete no quartel-general. Em Juiz de Fora, Mourão dera-se conta que as tropas prometidas pelo general Guedes havia dias, não apareceriam. Às 22 horas Mourão estava sem armas automáticas, sem comida e sem dinheiro. O general Cordeiro de Farias, que tentara organizar a sedição voando do Rio de Janeiro para São Paulo e de lá para Minas Gerais, fechava seu dia de conspirador com uma ponta de amargura. A verdade é que o Exército dormiu janguista no dia 31... E acordou revolucionário no dia primeiro. Jango Goulart vacilara. Não dera ordem alguma. Não tomara decisão. Seus defensores, vigorosos na retórica, murcharam como um balão furado. O instrumento de trabalho dos militares é o fuzil. Quem tomou o poder no Brasil de 64 foi o telefone. Os sediciosos ganharam a batalha usando tão somente o aparelhinho de fala e escuta. Uma rede de generais e oficiais de alta patente se levantou. Ganhou no grito, com raríssimos tiros.

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Os generais de Minas Gerais se detestavam. A Operação Popeye.

A sublevação mineira foi confusa. Os dois generais de Minas tinham pressa para derrubar Jango. Não podiam esperar. Mourão estava a um passo da aposentadoria compulsória. Restavam-lhe poucos meses para ser metido em um pijama. O general Carlos Luiz Guedes, estava a um passo da substituição. Já sabia até o nome do oficial que iria substituí-lo, relegando-o a um fim de carreira no ostracismo. Mas Mourão e Guedes detestavam-se. Mourão chamava Guedes de "falastrão insuportável". Guedes via Mourão como um indeciso. A ideia de Mourão era derrubar Jango através de um golpe fulminante que denominava Operação Popeye. É isso, o poder mudou de dono por uma operação com nome de personagem engraçada de desenho animado. Desceria de seu quartel, em Juiz de Fora, a 150 quilômetros do Rio de Janeiro, com uma tropa pequena e bem-treinada. Acreditava que poderia tomar de assalto o prédio do Ministério da Guerra em menos de 24 horas. O resto cairia de podre. O general Guedes e o governador de Minas Magalhães Pinto, em Belo Horizonte, trabalhavam em outro linha. Rebelariam Minas Gerais, separando-a do governo Goulart. O resto cairia de podre. Mourão tomou a frente de todos sem avisar.

Mourão foi o general dos tanques nas estradas. Mourão é o general da nova crise

Um novo Mourão e um velho Brasil.

Há um novo general Mourão no velho Brasil. Atirou na democracia combalida em uma reunião com maçons. Podia ser na praça, no banheiro ou no teto de uma casa. O lugar e com quem falou não tem importância alguma. A democracia brasileira não aguenta nem um ataque de cuspe ou de pernilongos. Muito menos de um general que garante ter o apoio do Alto Comando e um planejamento para defenestrar os atuais donos do poder. Os presidentes brasileiros nunca conseguiram se manter no poder quando não trabalham em acordo com os militares. O ministro chefe das Forças Armadas é apenas um cabide de emprego, não manda em nenhum oficial. Assim como em 64, os idiotas de plantão continuam queimando Brasília e açulando os donos das armas. Assim como em 64, o governo está marcado na testa por um "C". Em 64, era "C", de comunista. Em 2017, o "C" mudou para corrupto.
Até há uma semana os militares estavam em paz. Ainda que seus quartéis estivessem fervendo, nem uma nuvem, nem uma bolha transparecia. O país vivia um longa e exaustiva crise política, jurídica e econômica. Começamos a resolver a crise econômica. As outras não parecem ter desfecho possível. Não havia uma crise militar. Pelo contrário, as tropas continuavam nos quartéis ou defendendo a população quando a polícia era derrotada. Temos uma crise militar. Ela não sairá do cenário. O Mourão de Minas,foi o general que colocou os tanques nas estradas e derrubou o governo Goulart. O Mourão de Brasília, não precisa colocar tanque na rua...
Como resolver uma crise militar? Não há ninguém neste país que responda a essa questão que vem sendo repetida desde a instalação da República. A saída heroica seria um militar da ativa saindo candidato em 2018... Cheiro de utopia.

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