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Em Pauta

Semi-escravidão existe, persiste e é ignorada pela maioria!

Mário Sérgio Lorenzetto | 23/09/2013 07:00
Semi-escravidão existe, persiste e é ignorada pela maioria!

Surpresa...

Sabem qual é o setor de nossa economia mais nefasto, que gera as mais sentidas e emocionais reclamações, que mesmo diuturnamente perseguido continua forte e praticando seus desmandos e ilegalidades? Resposta fácil: telefônicas! Outros apostarão na rede bancária, na Enersul (Empresa Energética de Mato Grosso do Sul). Há quem se lembre das TVs pagas. É, essa é a visão do cidadão urbano. O setor mais perverso de nossa economia não está localizado nas cidades. Está na zona rural. São as carvoarias, que resistem, mesmo com dezenas de anos de perseguição por parte das autoridades estaduais e federais. As práticas usadas pouco mudaram e assemelham-se ao trabalho escravo. Exploram irmãos nordestinos que vivem em situação degradante e correm sérios riscos de saúde.

Semi-escravidão existe, persiste e é ignorada pela maioria!

Doença de pobre...

A doença ocupacional típica dos explorados nas carvoarias chama-se pneumoconiose, também conhecida como “pulmão negro”, causada pelo acúmulo de pó de carvão nos pulmões. Com a lenta e contínua exposição à fumaça, o órgão transforma-se em uma extensa fibrose. Resultado: enfisema pulmonar, falta de ar e tosse. Não há cura (afinal de contas é doença de pobre, quem irá pesquisar?). O cenário é dos piores. Trabalhadores, geralmente seminus, têm o corpo coberto pela fuligem, aparecendo só os olhos e dentes. Crianças de quatro anos acompanham os pais e “brincam” de encher os fornos com madeira.

Uma parte do carvão produzido vai para as siderúrgicas de Minas Gerais, outra parte fica nas siderúrgicas locais e uma ínfima porção vai para as nossas churrasqueiras dos santos domingos. Qual a real dificuldade de nossas poucas siderúrgicas em não adquirir essa matéria-prima produzida artesanalmente nos “cones da morte”, a melhor tradução para fornos produtores de carvão que saltam de região para outra região em nosso território?

Solução existe!

Uma ação conjunta de governantes e empresários com pequeno investimento poderia substituir essa prática execrável por uma pequena e moderna planta fabril. Bastaria ser construída uma fábrica com fornos modernos, instalações corretas e com atenção à saúde dos trabalhadores. Pensem! Um imenso forno (que existe para ser adquirido), algumas centenas de casas de alvenaria (hoje vivem debaixo de lona), um barracão e está pronta a indústria de carvão. Estaria abolida a semi-escravidão dos trabalhadores do carvão.

Semi-escravidão existe, persiste e é ignorada pela maioria!
Semi-escravidão existe, persiste e é ignorada pela maioria!

Trabalho, trabalho, trabalho, trabalho...

Na Idade Média, a praça de uma cidade se enchia todas as manhãs. Eram trabalhadores que não faziam parte de uma corporação, que não tinham emprego fixo. Essa imagem do passado é reproduzida em nossos dias. Esses trabalhadores, hoje denominados temporários, além das praças estão nas beiras das estradas e nas agências de emprego.

No passado, eram trabalhadores sem defesas, vulneráveis, chegavam pela manhã para oferecer seu trabalho para o dia todo. A essas pessoas precarizadas restava somente revolta.

No século XII, na cidade de Colônia (Alemanha), um religioso virou servente de pedreiro por devoção. Trabalhava gratuitamente como forma de penitência e de piedade. Desencadeou-se uma greve, que ele não participou porque, de certo modo, era um falso operário. O resultado? Os grevistas o lançaram ao rio Reno. Ao lado dessa simpática história outras revoltas tiveram resultados atrozes.

Ainda há pouco tempo, tivemos no município de Três Lagoas alguns levantes desse mesmo segmento de trabalhadores. Incendiaram barracões e tudo que encontraram pela frente. Revoltas impressionantes! Na Idade Média os trabalhadores temporários – denominados jornaleiros por trabalharem por jornada – eram a imensa maioria. Algo como 70% da mão-de-obra eram de temporários. Passaram-se os séculos, lutas tenazes os conduziram a situação mais razoável. Inverteu-se.

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Permanente, mas...

Hoje, a maioria é de trabalhadores permanentes – têm um emprego no início do ano e nele se fixam até o fim do ano. Os que atuam no serviço público conquistaram a estabilidade – não podem ser demitidos sem processo que os incrimine. Alguns servidores públicos conseguiram a vitalicidade – ficam no emprego até os 70 anos, como ocorre com juízes e promotores. Já na iniciativa privada, não é incomum encontrarmos funcionários com dez, 20 e até 30 anos de “casa”. Pode-se afirmar que na Idade Média, o valor do trabalhador, que era o camponês, foi menosprezado. O cristianismo medieval reforçou essa tradição. Na antiguidade, ele era o grosseiro, o rústico. No período medieval, era o pagão – o termo pagão, “paganus”, quer dizer também camponês, “paysan”. Ele foi quase o último a se cristianizar, daí a antipatia.

O prelúdio...

O início da valorização do trabalho ocorreu nos mosteiros. A partir do século IX, a difusão em toda a cristandade da regra de São Bento, que insiste muito no trabalho, representa um acontecimento muito importante para o Ocidente e, depois, para as Américas. O monge trabalhando valorizou o trabalho.

A grande valorização do trabalho, todavia, se deu quando as cidades voltaram a crescer e multiplicar. É na cidade que apareceram os resultados criadores e produtivos do trabalho. Curtidores de couro, ferreiros, padeiros, sapateiros... são pessoas que produzem coisas úteis, boas e, às vezes, belas. Tudo se faz pelo trabalho à vista de todo mundo.

Inversamente, com o passar do tempo, a ociosidade foi depreciada: o preguiçoso não tem lugar na cidade.

Enfim, nas catedrais, apareceram os resultados da grande conquista da valorização do trabalho: colocaram Santa Marta (mestra) e Santo Elói (ferreiro) elevados à altura de Maria e de todos os principais santos. Com o inchaço das cidades e o crescimento dos vagabundos, dos desempregados e miseráveis, a valorização do trabalho decaiu.

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Valorizamos e condenamos...

Vivemos até hoje nessa hesitação, entre a valorização e a condenação do trabalho. Todo o debate proposto pelos sindicatos de trabalhadores em torno da diminuição da jornada conduz à sua depreciação, uma vez que a saída óbvia do patronato será pela ampliação do trabalho temporário. O Sindicato dos Empregados nos Comércio de Campo Grande acaba de anunciar a abertura de 4 mil possíveis vagas para trabalhadores temporários a serem contratados neste semestre do ano.

Claro, não pode ser desprezado o reconhecimento das conquistas dos últimos séculos, quando trabalhadores se matavam em jornadas de até 16 longas horas de suor e chegaram às atuais 8 horas.

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Em alerta...

Depreciar o valor do trabalho poderá levar a graves problemas no futuro, que promete ser de alta tecnologia e substituição da mão-de-obra humana por máquinas. Sob esse aspecto poderá ser um tiro que saiu pela culatra. Conquistar uma jornada de 40 horas semanais levará ao descanso maior com possível reflexo na longevidade. E essa conquista também terá seu custo. As aposentadorias e pensões serão mais difíceis de serem encaixadas no meio da riqueza de uma sociedade. Não podemos esquecer que Detroit, a cidade do automobilismo nos EUA faliu há poucos dias por não poder pagar as aposentadorias. O prenúncio é de um futuro preocupante.

Há séculos, o mundo debate esse assunto. Estava na hora de começar no Brasil. Muito estudo e todos os cuidados. É preciso elevada dose de seriedade, principalmente pelo lado dos trabalhadores, que sempre terão muito mais a perder ou a legar enormes danos às gerações futuras.

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E depois da longevidade?

Viver mais também significa pressionar o sistema de saúde. É preciso investir no inevitável. Estudo da Alzheimer Disease International aponta que a quantidade de pessoas idosas com a doença vai triplicar em 2050 – o saldo é dos atuais 101 milhões para 277 milhões. A epidemia global anunciada prevê, ainda, que se não houver atenção e investimento em pesquisa, a longevidade passar a ser um problema. O autor do estudo, Martin Prince, que é professor do Instituto de Psiquiatria do King's College de Londres, atribui as questões "as mudanças sociais e econômicas que estão ocorrendo nesses países vão, inevitavelmente, fazer com que seja reduzido o número de familiares disponíveis para cuidar dos idosos." É preciso mudar o sistema tradicional de cuidado aos idosos, centrado hoje na família, cada vez menos disponível com a redução das taxas de natalidade e aumento das mulheres no mercado de trabalho.

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Todos acham que sabem...

Entre 12 países emergentes, qual oferece maior risco para investimento em áreas rurais? O Brasil. Não! A Argentina lidera a lista, conforme pesquisa divulgada na última semana pela organização americana Rights and Resources Initiative, durante conferência na Suíça. O objetivo da conferência era discutir direitos territoriais. O levantamento apontou que um terço de todas as terras concedidas pelos governos de países emergentes para a exploração comercial – seja mineração, corte de madeira ou mesmo agricultura – pertence a áreas demarcadas como reservas indígenas.

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