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Economia

Bioceânica desloca eixo econômico de SP para Centro Oeste, dizem especialistas

Para economistas do IPEA, corredor reconfigura sistema produtivo e coloca MS no centro da conexão com Ásia

Por Viviane Monteiro, de Brasília | 31/10/2025 15:34
Bioceânica desloca eixo econômico de SP para Centro Oeste, dizem especialistas
Ligação entre Brasil e Paraguai em construção em Porto Murtinho (Foto: Toninho Ruiz/Arquivo)

A consolidação da Rota Bioceânica – corredor rodoviário internacional – deve redefinir o mapa logístico e produtivo do Brasil, deslocando o eixo do Sudeste para o Centro-Oeste. A análise é do economista Rodrigo Portugal da Costa, pesquisador associado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) na área de desenvolvimento regional e servidor do Ministério do Planejamento e Orçamento, em entrevista ao Campo Grande News.

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A Rota Bioceânica, corredor rodoviário internacional que ligará o Brasil aos oceanos Atlântico e Pacífico, deve redefinir o mapa logístico do país, deslocando o eixo econômico do Sudeste para o Centro-Oeste. O projeto, que parte de Porto Murtinho (MS), atravessará Paraguai, Argentina e Chile, conectando o Brasil diretamente aos mercados asiáticos. A iniciativa coincide com a inauguração do Porto de Chancay, no Peru, parte da Nova Rota da Seda chinesa. Segundo especialistas, a rota pode reduzir em até 8 mil quilômetros o trajeto atual das exportações, que hoje passam pelo Porto de Santos, diminuindo o tempo de viagem entre 12 e 17 dias.

O corredor bioceânico ligará o Brasil, a partir de Porto Murtinho (MS), aos oceanos Atlântico e Pacífico, passando por Paraguai, Argentina e Chile. O projeto deve transformar o Centro-Oeste em polo de desenvolvimento intrarregional e conectar diretamente o Brasil aos mercados do Pacífico, especialmente da China. Essa nova configuração coincide com a inauguração do Porto de Chancay, no Peru — uma das principais iniciativas chinesas dentro da Nova Rota da Seda, projetado para ser um centro logístico regional e estratégico para reduzir o tempo de transporte marítimo entre Ásia e América do Sul.

Porto Murtinho no centro da integração

O território sul-mato-grossense é o epicentro dessas mudanças. “A ponte de Porto Murtinho é, sem dúvida, uma das grandes obras recentes de integração da América do Sul, melhorando a logística na fronteira e possibilitando o escoamento da produção de Mato Grosso do Sul”, afirma Portugal da Costa, que participa nesta sexta-feira (31) do 15º Encontro dos Economistas do Centro-Oeste (XV Eneoste 2025), realizado pelo Conselho Regional de Economia (Corecon-MS) e Conselho Federal de Economia (Cofecon), em Campo Grande.

O pesquisador também destaca o avanço da rota rodoviária no Chaco paraguaio, parte do corredor bioceânico em fase de construção. “Do lado internacional, as obras da PY-15 no Chaco paraguaio também estão em pleno progresso”, acrescenta.

Outras obras financiadas pelo Fundo de Convergência do Mercosul (FOCEM), em Ponta Porã e Amambaí, devem facilitar o fluxo fronteiriço, ainda que não integrem diretamente o corredor principal.

Nesse contexto, o pesquisador avalia que a ponte de Porto Murtinho é “vital para o fortalecimento do comércio internacional do Centro-Oeste, tanto com a Ásia quanto com os países do bloco sul-americano”. Mato Grosso do Sul, segundo ele, “tem tudo para melhorar seus níveis de desenvolvimento”, impulsionado pela “densa rede rodoviária e pelo crescimento econômico produtivo, especialmente nas regiões agropecuárias e na posição central do Estado no continente”.

No entanto, Portugal da Costa pondera que a soja in natura enfrenta dificuldades logísticas para atravessar a Cordilheira dos Andes. “A oportunidade está em produtos de maior valor agregado, como o óleo e o farelo de soja”, completa.

Bioceânica desloca eixo econômico de SP para Centro Oeste, dizem especialistas
Economista Rodrigo Portugal da Costa (Foto: Divulgação)

Deslocamento da fronteira produtiva

O economista reforça que a fronteira produtiva do Brasil vem se deslocando para o Centro-Oeste, conforme apontou estudo do IPEA publicado há cinco anos por Pedro Barros, Luciano Severo (ex-secretário do Ministério do Planejamento) e Raphael Padula (atual diretor do MCTI) entre outros.

“Há urgência no aperfeiçoamento da infraestrutura logística e na coordenação de políticas públicas no território”, alerta.

O estudo (2020) mapeou oportunidades de negócios com países vizinhos, possibilidades de expansão comercial e a criação de complementariedade produtiva regional.

“O estudo também aponta oportunidades de adensamento das cadeias produtivas da celulose, da soja e da carne, nas quais o Brasil é um dos líderes mundiais. Mas os ganhos do corredor não serão apenas pela maior ligação com o mercado asiático, e sim pela integração intrarregional, com impacto direto em áreas historicamente periféricas, como o próprio Centro-Oeste e o Chaco paraguaio.”

Investimento chinês em novas rotas

Portugal da Costa não vê risco de lobby empresarial do Sudeste contra a Rota Bioceânica. “A pauta de exportação do Sudeste é distinta da pauta de Mato Grosso do Sul com a América do Sul, concentrada em produtos industriais. Além disso, é incontestável o nível de saturação do Porto de Santos. Por isso, vejo os investimentos no Centro-Oeste como complementares aos interesses do Sudeste”, afirma.

Sem detalhar valores de investimento, ele aponta o “enorme interesse” da China na finalização do corredor, como parte da estratégia de acesso ao Porto de Chancay, no Peru — o hub logístico que conecta o Pacífico ao Atlântico.

“Com a inauguração do Porto de Chancay, a China investe em um grande hub de transbordo de mercadorias para a América do Sul. Os portos do Pacífico, como outros no Peru e no Chile, serão pressionados por maiores volumes de comércio e, nesse caso, o corredor bioceânico será um importante meio de escoamento da produção e de circulação de pessoas e serviços entre os quatro países sul-americanos e a Ásia”, resume.

Bioceânica desloca eixo econômico de SP para Centro Oeste, dizem especialistas
Pesquisador Murilo José de Souza Pires do IPEA (Foto: Divulgação)

Transformações econômicas do Centro-Oeste

Outro participante do evento, o pesquisador Murilo José de Souza Pires, também do IPEA, analisa o papel da Rota Bioceânica na nova economia do Cerrado que ostenta hoje indicadores de renda acima da média nacional. Ele destaca a pujança do agronegócio e a transformação do território a partir da década de 1970, impulsionada pela expansão da ciência na Embrapa.

Hoje a China responde por cerca de 50% das exportações do agronegócio do Centro-Oeste, apesar de gargalos logísticos. Atualmente, a maioria dos embarques ocorre via Porto de Santos (SP) — trajeto que a Rota Bioceânica pode reduzir em até 8 mil quilômetros, encurtando o tempo de viagem entre 12 e 17 dias.

Conforme dados da RAIS (2022 e 2024), o Centro-Oeste lidera a remuneração média no País (R$ 3.490), depois o Sul (R$ 3.037), Norte (R$ 2.838), Sudeste (R$ 2.511) e Nordeste (R$ 2.201).

Industrialização e concentração fundiária 

No perfil industrial do Cerrado, a fabricação de produtos alimentícios ainda representa mais de 50% da indústria regional, embora tenha caído de 64,1% (2007) para 54,8% (2016). No mesmo período, o setor de derivados de petróleo e biocombustíveis triplicou sua participação — de 3,1% para 10,2%.

A produtividade média industrial hoje é liderada por Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que ultrapassaram São Paulo.

Segundo dados de Pires (2017), as regiões Norte (94,2%) e Centro-Oeste (92,1%) lideram a concentração de áreas agrícolas acima de 50 hectares. Sul (65,7%), Sudeste (75,2%) e Nordeste (76,6%) apresentam índices menores.

Ciência e internacionalização

Pires lembra que a transformação econômica do Centro-Oeste começou nos anos 1970, com a adaptação da soja ao Cerrado pela Embrapa. “O Cerrado não tinha o potencial inicial para o cultivo da soja. Foi necessária a intervenção do Estado, por meio da ciência, para adaptar a cultura às condições da região. Depois disso, a produção avançou rapidamente”, explica.

Nos anos 1990, a região passou a se conectar ao mercado internacional via Europa, pelo Porto de Rotterdam. Após a entrada da China na OMC, em 2001, o mercado asiático se consolidou como principal destino das exportações. “Hoje o Centro-Oeste é um dos principais fornecedores da economia chinesa.

Por outro lado, a China investe fortemente na modernização agrícola de regiões africanas com características semelhantes ao Cerrado. Mas essas mudanças levam tempo — e é justamente aí que a Rota Bioceânica ganha importância ao prever reduzir o custo de transporte e deslocar o eixo logístico do Atlântico para o Pacífico, analisa Pires.

Pujança regional em pauta

O presidente do Corecon-MS, Diogo Costa da Silva, reforça que o encontro em Campo Grande, que deve reunir um público acima de 200 pessoas diariamente, busca discutir o aumento da participação do Centro-Oeste no cenário nacional e internacional, além das transformações previstas nos municípios a partir do corredor bioceânico que deve transformar, por exemplo, Mato Grosso do Sul em um grande hub de distribuição nacional. “A Rota Bioceânica permitirá acesso ao outro lado do mundo em menos dias, com impacto direto nos custos logísticos e na integração cultural entre os países do Mercosul, reforçando os laços latino-americanos”.