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Economia

Deficiência histórica faz rebanho de 22 milhões em MS ser ficção

Fabiano Arruda | 25/03/2012 11:51
Número do rebanho tem defasagem e vacinação contra a aftosa nos próximos meses permite recontagem. (Foto: João Garrigó)
Número do rebanho tem defasagem e vacinação contra a aftosa nos próximos meses permite recontagem. (Foto: João Garrigó)

Um número que sempre foi orgulho para Mato Grosso do Sul, o grandioso rebanho bovino, o terceiro maior do País, pode ser apenas uma ficção. É impreciso o controle do rebanho, estimado em 22,3 milhões, dado do último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que é confirmado como oficial pelo Governo do Estado.

O Campo Grande News apurou que a defasagem desse dado em relação ao rebanho real, aquele que existe de fato, no pasto, chegaria a 4 milhões de cabeças, número que as autoridades não confirmam, embora reconheçam que o número oficial não é 100% comprovado e que existem, inclusive, investigações da Polícia Federal a respeito.

“É um absurdo. Então todo produtor rural do Estado é irresponsável? Tínhamos pouco mais de 22 milhões de cabeças e, após a vacinação de novembro (2011), o número caiu para 21,5 milhões. Deve cair de novo com a vacinação de maio, quando os dados estarão muito mais afinados, mas 4 milhões é um absurdo que afeta a economia e a credibilidade da pecuária do Estado”, explicou a secretária estadual de Produção e Turismo, Tereza Cristina Correa da Costa.

Desde que a PF apoia o Governo do Estado nas ações de vigilância na fronteira com o Paraguai, após o surgimento de dois focos de aftosa no País vizinho, inquéritos foram abertos para investigar os crimes nas regiões de Campo Grande, Ponta Porã e Corumbá.

Segundo informações do superintendente da PF em MS, Edgar Paulo Marcon, existem informações de propriedades que não existem ou não comportam a quantidade de gado declarado. “São pontos que a Polícia Federal está atacando no combate à aftosa. Existe cruzamento de dados entre os órgãos envolvidos e a atuação está sendo firme. Todas as irregularidades encontradas serão analisadas”, afirma, ressaltando que não pode revelar o número de inquéritos abertos até agora.

As informações são repassadas ao Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e Governo do Estado. O superintendente da SFA (Superintendência Federal da Agricultura) em MS, Orlando Baez, revela que “muita propriedade” aponta defasagem. Conforme ele, pelo menos 70 fazendas já foram interditadas para apuração dos números. “É um trabalho de rotina”, minimizou.

Secretaria estadual de Produção e Turismo Tereza Cristina Correa da Costa rebate que defasagem do rebanho seja alta. (Foto: Arquivo)
Secretaria estadual de Produção e Turismo Tereza Cristina Correa da Costa rebate que defasagem do rebanho seja alta. (Foto: Arquivo)

Controle - A emissão de GTAs (Guias de Trânsito Animal) e as notas fiscais expedidas pela Secretaria Estadual de Fazenda são utilizadas como principais termômetros para aferir o rebanho, no entanto, não há o mecanismo da “prova dos nove”: conferir em campo se o que o produtor rural declara existe. A falha é histórica e amenizou brechas com a implantação recente do sistema eletrônico das GTAs.

A famosa “vaca papel”, que só existe nos documentos de transação, mas não no pasto, configura um problema que é observado de perto pelas autoridades estaduais de vigilância sanitária, sobretudo, na fronteira do Estado. A prática faz com que criadores, muitos suspeitos de contrabando, criem estoque de gado e obtenham benefícios financeiros, como empréstimos e financiamentos, declarando um rebanho que não tem.

Além disso, nestes casos, outro problema que surge são as vacinas contra a aftosa. Produtores são obrigados a comprar a quantia de doses igual ao número de cabeças de gado declarado. Nos casos dos ilegais há a brecha para que as vacinas sobrem, já que a quantidade de animais é inferior.

“Sabemos que tem produtor que joga a vacina fora. Existem bons produtores e maus produtores como bons e maus médicos. Mas o banco de dados hoje é um só entre Iagro e Secretaria de Fazenda e está cada vez mais difícil (praticar crimes)”, assegurou Tereza Cristina.

A secretária afirma que o Estado tem uma ideia de qual é a defasagem do rebanho, porém, os números não podem ser revelados. “Estamos indo a campo para fazer a contagem em propriedades que apresentam movimentações irregulares”, garantiu, assegurando que as punições “serão pesadas”.

Por conta de fazendas que apresentam movimentações suspeitas, segundo ela, servidores do Estado têm sobrevoado a região de fronteira e o Pantanal, um dos locais em que a contagem se torna mais imprecisa por conta da vasta área e as cheias, que acabam alternando o número de animais já que muitos morrem. A secretária diz saber que ainda existe o golpe da vaca-papel.

“No Pantanal existe defasagem no rebanho, mas o bom produtor não pode ser punido. E usamos o bom senso. A defasagem de 1% a 3% é normal, mais que isto vamos apurar”, explicou, citando dificuldade na punição. A legislação prevê multa aos infratores, mas prisão só ocorre em caso de flagrante aos contrabandistas, informa.

Tereza Cristina ainda revela que a vacinação contra a aftosa na fronteira foi antecipada justamente para fazer a recontagem de propriedades suspeitas. “Vamos melhorar o índice de confiança em relação ao número do rebanho com a vacinação”.

Superintendente Edgar Marcon confirma que Polícia Federal investiga produtores que declaram terem rebanhos superiores ao que possuem no pasto. (Foto: Marlon Ganassin)
Superintendente Edgar Marcon confirma que Polícia Federal investiga produtores que declaram terem rebanhos superiores ao que possuem no pasto. (Foto: Marlon Ganassin)

A diretora-presidente da Iagro (Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal), Maria Cristina Carrijo, por sua vez, destaca que as últimas seis vacinações contra a aftosa na região de fronteira permitiram a contagem do gado, minimizando a deficiência nos números.

Defesa -“Existem informações de que é menos (número do rebanho). Quanto? Não sei. Não tenho base para falar sobre isto”, resume o presidente da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), Eduardo Riedel. Segundo ele, a contagem em campo do rebanho é difícil, pois demanda efetivo e trabalho de campo aos órgãos estaduais de vigilância.

Riedel se diz favorável a qualquer investigação de irregularidades no campo. “Não é este tipo de pessoa (criminosos) que representamos”, frisou.

“É difícil o físico não bater com o fiscal (declaração do número de rebanho). E as transações de gado estão atreladas com o transporte, com declaração de Imposto de Renda, com as negociações em frigoríficos”, opinou o presidente do Sindicato Rural de Dois Irmãos do Buriti, Osvani Ramos.

A mesma linha foi seguida pelo presidente da Acrissul (Associação dos Criadores de Mato Groso do Sul), Francisco Maia. “Apoiamos o trabalho da Polícia Federal, pois onde há fumaça há fogo, mas o produtor rural do Estado é um homem que vive dentro da lei”, atesta, acrescentando que os irregulares são minoria e que o contrabando é mais incidente na fronteira.

Para Maia, a defasagem no rebanho de 22 milhões de cabeças de gado no Estado giraria no máximo em 20 mil animais. “O maior prejuízo é em relação à sanidade animal”, reforça.

Gado será recontado na fronteira do Estado com antecipação da vacinação contra a aftosa. (Foto: Divulgação)
Gado será recontado na fronteira do Estado com antecipação da vacinação contra a aftosa. (Foto: Divulgação)

Chip - O presidente da Acrissul considera que a possível obrigatoriedade da implantação do chip eletrônico no gado, apontada como saída para dar segurança no controle do rebanho, não é a solução do problema, já que a pecuária atravessa momento de baixa rentabilidade.

Sobre o assunto, o presidente da Famasul, Eduardo Riedel, afirma que o mecanismo não pode ser visto como salvação. “É um instrumento que pode auxiliar, mas tem de ser discutida a efetividade e os custos. O debate tem de ser realizado com cautela”, pediu.

O presidente do Sindicato Rural de Maracaju, Arthemio Olegário de Souza, também sinaliza que o chip é o caminho para corrigir distorções, contudo, sem onerar o produtor. “É um mecanismo importantíssimo, desde que haja subsídio por parte do Governo ao produtor, que é uma classe muito sobrecarregada”.

Já para a secretária estadual de Produção e Turismo, Tereza Cristina Correa da Costa, a obrigatoriedade do chip seria ideal. “Se fosse possível implantar o chip nos brincos de cada animal seria melhor ainda”, diz, admitindo que, no caso de contrabandistas, o mecanismo continuaria sendo burlado.

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