Velhas polêmicas ambientais voltam à cena sob bandeira do desenvolvimento

Uma das maiores polêmicas ambientais já vistas em Mato Grosso do Sul, a de instalação de usinas de álcool e açúcar, foi ressuscitada no início de novembro e trouxe no seu encalço discussões acaloradas entre ambientalistas e lideranças rurais. Por um lado, o governo usa o mote da bandeira do desenvolvimento, enquanto as entidades ambientalistas temem que a alteração no decreto abra brechas para novos riscos ao delicado ecossistema.
Decreto composto por apenas dois artigos e 418 caracteres, baixado no dia 6 de novembro pelo presidente Jair Bolsonaro foi suficiente para reavivar o debate que muitos consideravam já superado: a possibilidade de culturas de cana-de-açúcar e usinas e destilarias se instalarem em regiões do Pantanal, como a BAP (Bacia do Alto Paraguai). O tema, que no fim da década passada desencadeou uma série de protestos pelo Estado –culminando com a autoimolação do ambientalista Francisco Anselmo Gomes de Barros, o Franselmo–, é sensível e começou a ser efetivamente debatido anos depois da instalação do Estado de Mato Grosso do Sul.
A medida de Bolsonaro revogou o decreto 6.961/2009, estabelecendo o zoneamento agroeconômico da cana-de-açúcar no país. O dispositivo estabelecia regras para o desenvolvimento da atividade, inclusive, locais onde poderia ou não ser desenvolvida. Entre as áreas proibidas, estavam, textualmente a Amazônia, terras indígenas, áreas de preservação permanente e o Pantanal.
Dentre os argumentos apresentados para a mudança, estava o de que o novo Código Florestal, de 2012, previa regras mais modernas para a atividade; que o decreto anterior criava entraves para o desenvolvimento da cultura sucroalcooleira. Segundo a Unica (entidade que congrega as usinas do país), o Renovabio, de 2017 – criador de política e incentivos para os biocombustíveis–, automaticamente excluiria empresas que promovessem desmatamento para o plantio.
Região importante - Mato Grosso do Sul é, segundo a Biosul (entidade que congrega os produtores de açúcar e álcool do Estado), o segundo maior produtor de etanol do país, e este ano deveria produzir mais de 3,2 bilhões de litros do combustível. Fica atrás de Goiás (5,1 bilhões).
Os mais de 43 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, que deveriam integrar a safra atual, tem 86% da produção destinada à fabricação de etanol, com 865 mil toneladas usados no açúcar. A colheita deve acabar em janeiro de 2020.
Polêmicas - O assunto gerou brigas homéricas, povoou os noticiários nacionais e locais e teve até manifestação na Barão do Rio Branco, na Capital, o ato “Cana no Pantanal Não”. A manifestação organizada pela Frente Parlamentar de Vereadores Ambientalistas aconteceu no dia 12 de novembro, considerado o “Dia Nacional do Pantanal”, em homenagem a Francisco Anselmo dos Santos, mais conhecido como Franselmo.
O presidente do ECOA, biólogo André Siqueira classificou a medida como um retrocesso. “Não tem como não dialogar, a medida de liberação de plantio de cana no Alto Pantanal é um retrocesso. Isso não e democracia, é rasgar dinheiro público”, afirmou Siqueira.
“Vivemos um grande retrocesso. É importante pensar que em 2009 foi um processo histórico que culminou com o zoneamento agroecológico da cana. O trabalho foi desenvolvido pela CMN, governo federal e entidades internacionais inclusive que compravam o álcool brasileiro e muita ciência. Como que você rasga dinheiro público jogando no lixo este estudo e desconsidera todo um trabalho de anos que foi feito. Isso não tem como entender. Pra nós. este decreto é claramente um retrocesso”, critica Siqueira.
O ambientalista destaca ainda que o zoneamento deveria ser melhorado e debatido e não descartado a partir de um novo decreto. “Hoje o agronegócio brasileiro está muito mais em evidência pela condição internacional. Diante das queimadas o público internacional tem olhado pro Brasil cobrando responsabilidades. Agora uma medida dessas é mais um atraso em relação a opinião publica e de quem compra nosso etanol. Lembrando que o zoneamento agroecológico foi única e exclusivamente pensado para que o álcool brasileiro tivesse um selo 100% verde”, afirmou. “Com a revogação do decreto, ou seja, com o agora tudo pode, acendemos o alerta, porque podem abrir brechas contra lei estadual que proíbe cana no Pantanal. Começaram derrubando um decreto e agora o que mais pode vir?, questionou.
Inviável econômicamente
“Ninguém vai instalar usina no Pantanal. Primeiro porque é proibido e segundo porque não tem viabilidade econômica”. A frase do presidente da Associação de Produtores de Bioenergia de Mato grosso do Sul (Biosul), Roberto Hollanda Filho é uma resposta as críticas feitas por entidades ambientalistas de Mato Grosso do Sul. De acordo com ele, mesmo com a revogação do decreto 6.961, de 2009, a implantação de novas usinas está submetida ao Código Florestal Brasileiro e zoneamento estadual (ZEE), que garantem a proteção dos biomas.
“A principal mudança é que foi facilitado o investimento em áreas antes não permitidas. É importante que fique claro que a revogação do decreto não implica nenhum aumento de área disponível nem nenhuma permissividade ambiental. De 2009, quando o decreto foi instaurado, para cá, foram lançados outros meios mais modernos e eficientes de controle e monitoramento, como o Código Florestal, que é a lei federal que rege todos os empreendimentos do agronegócio e é o mais restritivo do mundo. Hoje, você tem satélites e outros instrumentos por meio dos quais você tem que disciplinar o crescimento ou a evolução do setor. Em seguida, você tem a lei estadual, que não somente fiscaliza a implementação, como também monitora a operação dos empreendimentos. Todas as unidades precisam com frequência apresentar monitoramentos de solo, água, ar, flora e fauna, existe todo esse acompanhamento”, explicou Hollanda Filho.
Outro instrumento de fiscalização citado pelo presidente da Biosul é o Renova Bio, uma política de Estado que objetiva traçar uma estratégia conjunta para reconhecer o papel estratégico de todos os tipos de biocombustíveis na matriz energética brasileira. “O programa, na prática, premia a sustentabilidade, e quanto mais eficientes e sustentáveis as empresas forem, melhor para elas. Qualquer empresa que desmate, por exemplo, está fora. O programa é um indutor de eficiência, a usina que foi certificada vai ter uma nota, ele incentiva que você seja cada dia mais eficiente e sustentável, e quando você chega esse patamar você baixa o seu custo e o preço para o consumidor baixa consequentemente. O Renova Bio já é uma lei e passa a valer dia 24 de janeiro”, disse o presidente da Biosul.