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Arquitetura

Casa modernista da década de 50 resiste ao tempo, igual seus donos centenários

Paula Maciulevicius | 11/11/2016 07:49
Casa foi construída pelo engenheiro Hélio Baís, nos anos 50. (Foto: Marina Pacheco)
Casa foi construída pelo engenheiro Hélio Baís, nos anos 50. (Foto: Marina Pacheco)

Faltando 30 dias para completar 102 anos, dona Zulmira foi a última moradora a se despedir da casa na Rua 13 de Maio. Centenária assim como o marido, Jovenísio Faustino Silvério, que viveu até os 102. Em pleno Centro da cidade, o imóvel é o único da quadra entre a Barão do Rio Branco e a Afonso Pena resistente ao tempo.

Construída por Hélio Baís, neto de Bernardo Franco Baís, a fachada tem ares modernos, próprio do estilo do engenheiro civil com grande habilidade em projetar edifícios. Nos anos 50, a preferência de Hélio era pela arquitetura moderna e a amizade para com a família Silvério que o fez ser o construtor da obra.

"Foi por conhecimento. Eles eram amigos, naquela época aqui todo mundo se conhecia", conta o filho caçula dos centenários, Harley Silvério, de 71 anos. De moderno ele descreve que é só a fachada, porque a casa em si já existia e apenas fora reformada. "É tudo estrutura antiga, ali é só fachada", frisa.

Dona Zulmira em foto do artigo "Dona Zulmira Ferreira Silvério, mais de um centenário de vida", de João Augusto Lopes, publicado no Correio do Estado.
Dona Zulmira em foto do artigo "Dona Zulmira Ferreira Silvério, mais de um centenário de vida", de João Augusto Lopes, publicado no Correio do Estado.

O casal foi morar na casa com a idade já avançada, mesmo tendo o terreno desde 1944. "Ali quando eu nasci, já tinha o terreno e uma casa pequenininha, como eles não paravam aqui, ficavam mais na fazenda, em 58 que fizeram uma reforma e essa outra casa", narra Harley. O caçula de três filhos morou por pouco tempo no imóvel assinado por Hélio Baís e, em seguida foi para São Paulo estudar.

Zulmira era conhecida como "dona Note" e por ser uma mulher forte, digna do título "à frente de seu tempo". Fazendeira de nascença, Zulmira nasceu na propriedade Serra Negra, às margens do Ribeirão Serrote, onde hoje é Sidrolândia.

Amigo próximo da família, João Augusto Lopes, autor do Livro Recordar é Viver, escreveu em artigo publicado no Correio do Estado, que Zulmira fora, em 1932, uma das primeiras mulheres a tirar o título de eleitor, depois que o então presidente Vargas decretou que as mulheres teriam direito a votar e que também era exímia atiradora. Com sua espingarda calibre 32, fez tombar predadores que tentavam devorar suas ninhadas.

O apelido Note já veio na cidade, quando Zulmira foi morar com a madrinha, as notinhas das compras na mercearia lhe renderam tal apelido. "Dona Note... Essa é uma história muito peculiar. Ela ficou muito tempo com a madrinha dela, morando na Afonso Pena e essa tia dava o dinheiro para ela ir fazer as compras. Ela ia, comprava e pegava as anotações do que gastou. Chegava dizendo: 'aqui está a notinha'. E de notinha em notinha, passou a ser dona Note", relata o filho.

Vizinhos de fazenda, foi assim que Zulmira conheceu Jovenísio. Na terra, ela mexia com horta e plantas. "Nós todos fomos criados assim, na zona rural, todo mundo pegou no pesado desde pequeno", contextualiza Harley.

Detalhes do piso superior, onde ficavam os quartos. (Foto: Marina Pacheco)
Detalhes do piso superior, onde ficavam os quartos. (Foto: Marina Pacheco)
Portão de entrada. (Foto: Marina Pacheco)
Portão de entrada. (Foto: Marina Pacheco)
Casa fica aos fundos. (Foto: Marina Pacheco)
Casa fica aos fundos. (Foto: Marina Pacheco)

Arquitetura - De terreno, são 600m² e ao fundo de um grande jardim que a casa foi erguida. De área construída, são 265,88m² divididos em dois pavimentos. No térreo ficam hall, sala, um banheiro social, cozinha, varanda e mais um quarto de empregada. No superior, outro hall, três quartos e um banheiro.

E por representar a arquitetura moderna dos anos 50 na Capital é que o imóvel foi listado, em 2010, como um dos bens passíveis de tombamento, pela Lei Complementar n° 161, de 20 de julho de 2010. 

Por dentro, o Lado B não pode entrar, mas há detalhes que revelam os revestimentos da época, ladrilho hidráulico e azulejos azuis presentes na cozinha e nos fundos. Dona Zulmira morreu em março de 2013, com 101 anos e 335 dias, deixou três filhos, oito netos e ao menos dois bisnetos.

No mesmo ano, os herdeiros entraram na Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano) com o pedido de demolição, que foi encaminhado ao Planurb (Instituto Municipal de Planejamento Urbano) e teve até parecer da Fundac (Fundação Municipal de Cultura). O pedido foi negado, porque a casa á estava na lista de imóveis que não podiam ser demolidos.

Sem a devida manutenção durante os anos, seu Harley diz ainda que a casa corre o risco de desabar. "É uma casa com cobertura de eternite. Como isso vai ser patrimônio histórico?" questiona o filho. 

"O desejo dele, do meu pai, era que quando não existisse mais ele e minha mãe, era para vender a casa e construir um prédio com o nome dele. Era isso que ele planejava", encerra o filho.

*Essa reportagem veio de sugestão do arquiteto e professor Elvio Garabini e contou com o apoio do arquiteto da Divisão de Planejamento para Proteção de Patrimônio do Planurb (Instituto Municipal De Planejamento Urbano), Fernando Batiston e do arquiteto Ângelo Arruda, autor do livro "Pioneiros da Arquitetura e da Construção em Campo Grande". 

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Por representar a arquitetura moderna dos anos 50 é que o imóvel foi listado como um dos bens passíveis de tombamento. (Foto: Marina Pacheco)
Por representar a arquitetura moderna dos anos 50 é que o imóvel foi listado como um dos bens passíveis de tombamento. (Foto: Marina Pacheco)
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